Um jovem barista sul-africano pensou que havia encontrado o emprego de sua vida em Omã, mas acabou mantido aprisionado e obrigado a trabalhar sem receber – o que forçou sua família e seus amigos a levantar dinheiro para libertá-lo.
A oferta veio por meio do Facebook, quando Athenkosi Dyonta, de 30 anos, trabalhava num café na cidade de George, uma popular estância turística na província de Western Cape, na África do Sul.
“Não havia nada de errado no meu trabalho, mas eu estava procurando por melhores oportunidades e um salário melhor”, diz ele.
Athenkosi costumava compartilhar sua arte de latte – os desenhos e padrões que são feitos com o leite sobre o café – com outros baristas do mundo todo, apaixonados pela técnica, num grupo online.
Foi quando uma mulher o abordou com uma oferta de emprego em Omã, país do Oriente Médio, localizado no sul da Península Arábica.
Era tentador: além de um salário decente, ofereceram-lhe acomodação gratuita, alimentação e transporte.
Ela disse que cuidaria do processo de emissão de seu visto de trabalho – tudo que ele precisava era pagar pela passagem de avião, fazer um check-up médico e realizar um teste de covid-19.
“Eu pensei que, quando ele voltasse, mais ou menos depois de um ano, nós compraríamos uma casa”, lembra sua namorada, Pheliswa Feni, de 28 anos, com quem ele tem dois filhos.
“Nós estávamos vivendo num barraco, então pensei que talvez uma casa… Depois talvez um carro, colocar nossos filhos em escolas melhores.”
O casal então pegou emprestado dinheiro para comprar a passagem de Athenkosi, e ele viajou para Omã em fevereiro. Suas primeiras impressões do país foram positivas. “Era tão lindo”, disse ele ao podcast The Comb, da BBC.
Ele foi levado de carro da capital, Muscat, para uma cidade chamada Ibra, onde ficou em quarentena num hotel por sete dias. “Eu pensei: ‘Todos os meus sonhos estão virando realidade’.”
Na chegada, foi colocado em seu braço um bracelete rastreador para o período de quarentena. Assim que o período acabou, um médico retirou o aparelho, e ele foi levado para sua nova casa – uma mudança que acendeu um sinal de alerta para ele.
“Era simplesmente um lugar sujo – um quarto pequeno, com um colchão e algumas caixas”, lembra Athenkosi, que tinha de dividir o espaço com um homem do Nepal.
Ameaças e nenhum salário
Isso marcou o início de um período extremamente angustiante, em que Athenkosi rapidamente descobriu que o café em que ele trabalharia na verdade não existia.
Em vez de servir café, ele passou de 12 a 14 horas por dia trabalhando na limpeza de um café. Quando não estava trabalhando, ele era mantido trancado em seu quarto compartilhado – a comida era horrível, e ele nem estava sendo pago.
“Eu emagreci muito lá. Eu recebia pão e leite, às vezes um pão com ovo, talvez uma ou duas vezes por dia. Eu não recebia nenhum salário, eu só trabalhava.”
Quando Athenkosi perguntava a seu empregador sobre pagamento, ele era ameaçado – em uma ocasião, ele foi levado à uma floresta, onde um grupo de homens gritou com ele, dizendo para o sul-africano parar de causar problemas.
Pheliswa manteve contato com seu namorado pelo telefone: “Eu estava com muito medo, porque eu pensei que eles talvez pudessem matá-lo”.
Athenkosi também diz que seu patrão ameaçou levá-lo para a polícia. Segundo ele, o patrão afirmou que “a polícia me prenderia porque eu assinei um contrato”.
O que ele não tinha percebido é que ele havia entrado num acordo de patrocínio usado em partes do Oriente Médio e chamado de “kafala” – que dá a pessoas físicas e empresas controle quase total sobre o emprego e o status migratório de um trabalhador imigrante.
Grupos de defesa de direitos civis dizem que esse sistema deixa trabalhadores vulneráveis a abusos e exploração, porque eles são incapazes de trocar de emprego ou deixar o país sem o consentimento do empregador.
Após um mês em Omã, um dia Athenkosi viu que a porta de seu quarto havia sido deixada aberta e tentou fugir, chegando a um estacionamento, onde ele pediu a um desconhecido para levá-lo para uma delegacia de polícia.
Na delegacia, porém, nenhum dos policiais falava inglês – e ele foi informado de que precisaria esperar três horas até a chegada de um intérprete.
Em vez de esperar, ele foi embora e voltou para seu quarto, com medo de que pudesse entrar em apuros por ter deixado a residência.
De volta ao trabalho, com longas horas de serviço e apenas um dia de folga, às sextas-feiras, Athenkosi começou a se desesperar: “Eu me sentia tão mal que eu decidi morrer em vez de viver daquela maneira”.
Ele tentou tirar a própria vida e acabou se recuperando num hospital, onde ele se abriu com um médico, que lhe explicou que a única maneira de escapar seria pagando a seu padrão por sua liberdade.
‘Tragam Athenkosi de volta’
Ele então foi conversar com seus empregadores sobre a ideia – e eles concordaram em deixar que fosse embora se ele lhes pagasse o que chamavam de taxa de “quebra de contrato”.
Pheliswa, que já estava endividada devido à compra da passagem aérea, começou a trabalhar para levantar dinheiro: “Eu falei para todo mundo que eu podia, enviei para todo número de WhatsApp que eu tinha”.
Com a notícia sobre a situação de Athenkosi se espalhando pela comunidade de George, na África do Sul, uma página no Facebook chamada “Tragam Athenkosi de volta” foi criada, e camisetas foram produzidas com a mensagem.
Um grupo local chamado O Fórum da Comunidade de George se ofereceu para ajudar na arrecadação de dinheiro. As doações vieram, e a família de Athenkosi também vendeu uma de suas dez vacas por cerca de US$ 800 (cerca de R$ 4.400).
O empregador de Omã, no entanto, elevou o preço que exigia pelo fim do contrao de patrocínio com Athenkosi, dizendo que o preço original não era suficiente para cobrir seus gastos com comida e acomodação oferecidos ao sul-africano.
No total, mais de 23 mil rands ($1.500, ou R$ 8.250) foram pagos pela libertação de Athenkosi. Quando ele saiu pela porta da área de chegadas do aeroporto em George, em abril, ele foi recebido por dezenas de pessoas que haviam ajudado a garantir sua liberdade.
“Eu estava tão emocionado… Ver família, amigos”, diz ele.
Faz quase quatro meses desde que Athenkosi voltou para casa, e ele está agora de volta a seu antigo trabalho como barista.
Ele, porém, ainda tem dificuldades para superar o que viveu em Omã. “Estou traumatizado emocionalmente. Eu não consigo esquecer.”