A CPI da Covid completa, hoje, seis meses desde sua instauração. De lá para cá, houve um rol de depoimentos, quebras de sigilo e investigações, levado a cabo pela comissão, que conseguiu ocupar espaço de protagonismo no jogo político. O fim dos trabalhos ocorrerá no próximo dia 20, quando haverá a votação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB/AL).
Nesta reta final, a cúpula do colegiado mudou o cronograma dos trabalhos. Desistiu da convocação, pela terceira vez, do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, cujo depoimento estava marcado para segunda-feira. Na data, ocorrerá a oitiva do médico pneumologista Carlos Carvalho e de parentes de vítimas do novo coronavírus.
No dia 19, Calheiros apresentará o relatório. Ele já antecipou que relacionou 37 investigados no parecer. Disse, ainda, que mais de 40 pessoas devem ser responsabilizadas no documento, entre elas o presidente Jair Bolsonaro. Segundo o parlamentar, a CPI não poderia “falar grosso na investigação e miar no relatório”.
Com a aprovação do parecer, a intenção é entregá-lo à Procuradoria-Geral da República (PGR) já no dia 21. O órgão terá 30 dias para decidir se dará prosseguimento às denúncias, pedirá o arquivamento ou definirá diligências. No dia 26, membros da CPI vão se reunir com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para protocolar um pedido de impeachment contra Bolsonaro.
De acordo com o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a cúpula do colegiado pretende levar o relatório, também, até o Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. A Corte é responsável pelo julgamento de acusados de crimes contra a humanidade, como genocídio.
Conforme analistas, a CPI tem sido responsável por equilibrar o noticiário político, antes pautado por ações e ataques de Bolsonaro. Para eles, o ritmo do jogo político era, de certa forma, ditado pelo chefe do Executivo, que sempre se utilizou da política do enfrentamento e de cortinas de fumaça para tentar encobrir insucessos.
“Uma das grandes mudanças que a CPI trouxe na pauta política foi justamente o fato de ser capaz de ditar a pauta política. A comissão acabou tirando um pouco do protagonismo do presidente no cenário político, sendo ela mesma a produtora de notícias, a produtora de informações para a sociedade”, afirmou Valdir Pucci, professor e mestre em ciência política.
Com repercussão e força política própria, a CPI expôs informações que podem custar caro a Bolsonaro, como a demora para comprar vacinas contra a covid-19, a propaganda do chamado “tratamento precoce”, a revelação de que o Ministério da Saúde negociou imunizantes superfaturados e o escândalo recente com a Prevent Senior — segundo depoimentos ao colegiado, a operadora usava seus pacientes como cobaias em experimentos com substâncias como cloroquina, ivermectina, azitromicina e até ozônio no “tratamento” do coronavírus.
Com grande audiência — sendo constantemente um dos assuntos mais comentados nas redes sociais —, mesmo após o seu término, o fantasma da CPI deve continuar assombrando Bolsonaro durante a campanha eleitoral no ano que vem.
Para o cientista político André Rosa, o presidente pode ser impactado com algo parecido com o que sofreram petistas com relação à Operação Lava-Jato. “A CPI da Covid será objeto de grande repercussão nas eleições e também na formação das preferências do eleitor na hora da escolha do voto. Tal como a Operação Lava-Jato, que impulsionou a candidatura de Jair Bolsonaro, será a da covid-19 que proporcionará aos concorrentes o combustível da propagação de campanha negativa da gestão do atual presidente”, frisou.
Conforme Rosa, o relatório de Calheiros trará sérios problemas para a já abalada imagem do chefe do Executivo. “Os impactos na sociedade serão fragmentados entre os apoiadores do presidente e os seus dissidentes. Aos dissidentes, a certeza de um país mal gerido, que alcançou o nível inflacionário pré-Plano Real, alta fora da curva dos combustíveis e mais desigual”, listou. “Por fim, a CPI formaliza em um relatório o resumo de um dos piores governos da história do país.”
Queiroga
A decisão da cúpula da CPI de abrir mão da terceira convocação do ministro Marcelo Queiroga foi tomada porque senadores não acreditam que ele apresentaria informações capazes de contribuir com as investigações. Na semana passada, o titular da Saúde já havia respondido, por escrito, a questionamentos feitos pela comissão.
Os parlamentares preferem, então, focar no médico pneumologista Carlos Carvalho, professor da Universidade de São Paulo. Ele coordenou um estudo que refutou o uso de medicamentos, como a hidroxicloroquina, cloroquina e a azitromicina, em pacientes com covid-19. A pesquisa seria analisada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão do Ministério da Saúde, mas acabou retirado de pauta. (Colaboraram Israel Medeiros e Tainá Andrade)
Para driblar Aras
Diante do alinhamento do procurador-geral da República, Augusto Aras, com o presidente Jair Bolsonaro, a CPI da Covid estuda formas de driblar uma eventual omissão da Procuradoria-Geral da República (PGR) para avançar com processos contra o chefe do Executivo e outros políticos com foro.
Uma das opções seria levar o processo adiante por meio de entidades privadas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tem prerrogativa para encaminhar os indiciamentos diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Outra opção é entrar com uma ação penal subsidiária da pública, diretamente no STF — medida possível em caso de inércia do Ministério Público.