Os Estados Unidos e talibã tentaram chegar a ao menos um ponto de consenso nos dois dias de conversação presencial em Doha — o primeiro encontro do tipo desde que o grupo fundamentalista retomou o poder no Afeganistão, em agosto. Representantes dos países sinalizaram, em declarações separadas, que as conversas se voltaram para a possibilidade de Washington fornecer auxílio humanitário ao país islâmico, mas sem reconhecer a legitimidade do regime.
Conforme comunicado divulgado pelo Departamento de Estado, os dois lados “discutiram a provisão dos Estados Unidos de assistência humanitária robusta diretamente ao povo afegão”. Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, as negociações se concentraram em questões de segurança e terrorismo, saída segura dos cidadãos estrangeiros e afegãos do país e questões relacionadas aos direitos humanos, incluindo a participação significativa de mulheres e meninas em todos os aspectos da sociedade afegã.
Detalhes sobre a conversação não foram divulgados, nem se os representantes chegaram a um acordo sobre outros temas. Na avaliação do governo de Joe Biden, o diálogo travado em Doha foi “franco e profissional” e reforçou a postura dos EUA de responsabilizar o talibã por “atos terroristas cometidos”. “As discussões foram francas com a delegação dos Estados Unidos, reiterando que o talibã será julgado por suas ações, não apenas por suas palavras”, informou Ned Price.
Representantes do alto escalão do talibã também declararam que mantiveram discussões “positivas” com a delegação americana, segundo a rede de notícias Al Jazeera. O porta-voz político do grupo, Suhail Shaheen, declarou que o ministro interino das Relações Exteriores, Mullah Amir Khan Muttaqi, que liderou a delegação, garantiu aos americanos que os talibãs estão empenhados em garantir que o país não seja usado por extremistas para lançar ataques contra outros países.
As autoridades americanas frisaram que a reunião foi uma continuação de “compromissos pragmáticos” com o talibã e “não sobre conceder reconhecimento ou legitimidade” ao grupo. O dilema é enfrentado por outros governos, que buscam uma forma de estabelecer relações com o grupo fundamentalista sem conceder legitimidade, mas de forma que possam garantir um fluxo de ajuda humanitária ao povo afegão.
Condições
Os fundamentalistas islâmicos, por sua vez, buscam reconhecimento internacional e ajuda estrangeira para prevenir um desastre humanitário e aliviar a crise econômica do Afeganistão, sem que saiam enfraquecidos nos acordos firmados.
Ao fim do primeiro dia de negociação em Doha, o ministro das Relações Exteriores do talibã, Amir Khan Muttaqi, alertou que “tentar desestabilizar o governo do Afeganistão” não era uma boa alternativa.
“Um bom relacionamento com o Afeganistão é bom para todos. Nada deve ser feito para enfraquecer o governo atual do Afeganistão, que pode liderar a busca por soluções aos problemas de seu povo”, disse Muttaqi à agência estatal afegã Bakhar. A população afegã já enfrentava uma crise financeira antes do retorno do grupo fundamentalista ao poder. Agora, na crise sanitária, tem um sistema de saúde à beira de um colapso, com pelo menos 2 mil centros de saúde já fechados devido à falta de recursos financeiros.
Washington não respondeu ao alerta feito pelo representante do talibã — só se manifestou oficialmente sobre os dias de conversação no comunicado de ontem. A delegação americana em Doha foi chefiada pelo representante especial para a Reconciliação do Afeganistão, Tom West, e por Sarah Charles, principal funcionária humanitária da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Antes do encontro, o grupo alertou que “um governo com apoio amplo” no país islâmico precisa respeitar o direito de todos os afegãos, incluindo mulheres e meninas.