Entidades acadêmicas intensificam críticas ao governo após corte de 90% nos recursos

Pontes e Bolsonaro estiveram, sexta-feira, em evento do Ministério da Ciência. Cortes foram feitos dois dias antes - (crédito: Isac Nobrega/PR)

A decisão do governo de cortar praticamente 90% da verba do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) despertou a indignação da comunidade científica e acadêmica, que intensificou as críticas ao governo e, particularmente, ao ministro Marcos Pontes. De acordo com o projeto aprovado pelo Congresso, a pedido do Palácio do Planalto, os recursos para ciência e tecnologia caíram de R$ 655,421 milhões para apenas R$ 7,222 milhões — 1,10% da proposta original. Entidades do setor alertam que a supressão de verbas coloca em risco a manutenção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e impacta violentamente vários estudos em curso no país.


Em nota conjunta, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) alertaram que o contingenciamento do governo é ilegal, e que estudam medidas para reverter a decisão no Congresso e na Justiça. O documento foi enviado aos deputados federais e senadores.


“Apelamos a todos os parlamentares para que seja dado um basta nos desvios de recursos da ciência brasileira. O Brasil precisa de ciência, precisa de tecnologia, precisa de inovação, precisa de educação. E é inaceitável que os recursos destinados para o setor sejam desviados para outras funções, à revelia da legislação”, protestam as entidades.


A SBPC apurou que os cortes efetuados no orçamento do CNPq afetam diretamente a execução de projetos já anunciados. São eles: Chamada Universal 2021, R$ 200 milhões; R$ 100 milhões da chamada para instituições do programa Ciência na Escola; R$ 280 milhões dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs); R$ 24 milhões do Programa Mestrado e Doutorado para Inovação; R$ 30 milhões dos projetos de Jovens Doutores; R$ 40 milhões da chamada Pesquisador na Empresa (Programa de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas/RHAE); e R$ 50 milhões do fomento de parcerias público-privadas (PPP), Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio (Pronem) e Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência (Pronex).


Diante do quadro, a SBPC, em articulação com outras entidades científicas e acadêmicas nacionais, realizará no próximo dia 15 o Dia Nacional de Defesa da Ciência. Coincidindo com o Dia do Professor, a ideia é mobilizar a comunidade em um movimento em defesa da ciência, da tecnologia, da inovação e da educação no país.


Perda de pessoal

Sônia Báo, professora titular da Universidade de Brasília (UnB) e secretária regional da Secretaria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) do Distrito Federal, observa que o corte é “algo nunca visto” nos 34 anos que tem de academia. Uma supressão de verbas dessa magnitude é um estímulo à “fuga de cérebros” do país.


“Em meio à pandemia, tudo que foi feito até agora foi por meio da ciência, que se traduz dentro das universidades. Esse corte significa parar tudo que está sendo feito. Ciência não é como construir uma casa e retomar depois quando tiver dinheiro: você tem uma continuidade dela no investimento em pesquisa ou tem que começar tudo de novo. É o que a gente passa no Brasil. Uma situação dramática e preocupante”, lastimou.


Sônia reclama que a descontinuidade implica na perda de mão de obra científica dentro do país e aponta que doutores deixam o Brasil por falta de perspectiva — sendo “abraçados” no exterior pelo seu alto conhecimento. “Não é despindo um santo para tentar cobrir outro que vai resolver. Se queremos buscar soluções numa sociedade que consiga comer e ter saúde, é por meio de saúde, ciência, educação e inovação. Investir nisso é investir na potência econômica do país. São resultados a médio e longo prazo. O quadro é alarmante; dá vontade, literalmente, de chorar”, relata.


Segundo o professor do Instituto para a Valorização da Educação e da Pesquisa no Estado de São Paulo (Ivepesp), Helio Dias, toda a comunidade científica nacional foi pega de surpresa. “Ocorre que um dos pontos nevrálgicos do projeto simplesmente desapareceu: a liberação de R$ 515 milhões para fomento à pesquisa, que seriam realocados em benefício do CNPq”, observou.


O professor afirmou que além de não liberarem os R$ 690 milhões à revelia dos compromissos firmados com setor, cerca de R$ 2 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) seguem pendentes de destinação, em claro descumprimento da Lei Complementar 177/2021. “É incompreensível que o Congresso permita que suas decisões, manifestadas democraticamente na aprovação de leis para o país, sigam sendo descumpridas por meio de manobras de último momento. É preciso priorizar a ciência — ciência é vida! Penso que a luta deve estar focada no Judiciário para comprovar a possível ilegalidade desta PLN 16/2021, e lutar pelo descontingenciamento do FNDCT, cuja ação se encontra parada no STF”, apontou.


Reclamação

Sem, aparentemente, ter uma solução para a crise da paralisação da ciência no país, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, caracterizou o corte promovido pelo Ministério da Economia como “algo feito sem ouvir o setor”, uma “falta de consideração” e algo que “precisa ser corrigido urgentemente”. O projeto retirou R$ 690 milhões da pasta comandada por Pontes e repassou para outros setores.


A supressão de recursos foi anunciada no último dia 7, quando também seria votado pelo Congresso um projeto de lei sobre a verba que garantiria ao CNPq pagar bolsas aos pesquisadores. Porém, o projeto foi modificado e o dinheiro retirado.
A auxiliares, o presidente Jair Bolsonaro reclamou das críticas de Pontes ao governo nas redes sociais. Ele também foi fortemente atacado nas plataformas pela militância bolsonarista, que vê a indignação do ministro como uma “exposição desnecessária” e que precisa ter “paciência”.


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