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Em Mâncio Lima, professora indígena improvisa sala de aula em casa e faz plantão tira-dúvidas para alunos em aldeia no AC

Foto: Reprodução

“A educação transforma vidas”. Essa frase representa bem a história de vida da professora indígena Maria de Fátima Rosa, de 42 anos, chamada em sua língua nativa de Awī peykãba, que significa mulher alegre.
A educadora, que está se formando em pedagogia, nasceu e se criou na aldeia Barão, que fica no município acreano de Mâncio Lima, que faz fronteira com o Peru. No local há pelo menos 660 indígenas da etnia Puyanawa, de acordo com o último levantamento feito em 2018 pela Comissão Pró-Índio Acre.
Apaixonada pela profissão, no Dia dos Professores, Maria diz que quem merece ser homenageada não é ela, mas sim, seus alunos, que ela tanto se dedica e ama. E foi pensando neles que ela, para evitar a evasão escolar durante a pandemia, teve a ideia de montar uma sala de aula alternativa dentro da própria casa para atender individualmente e seguindo todas as regras as regras sanitárias os alunos.


“Os desafios para os professores no Brasil não são poucos, aí veio a pandemia. Primeiro eu tive que aprender a usar celular, que eu não tinha, comprei um e depois veio o acesso à internet. Mas, mesmo assim, a gente trabalha também com atividades impressas, manuscritas e ficamos de forma remota. Tive a ideia de fazer plantões tira-dúvidas. Montei uma sala de aula na minha casa para dar aulas individuais de reforço para ajudá-los e deu muito certo.”


Fátima diz que aulas domiciliares ajudaram alunos   — Foto: Arquivo pessoal

Fátima diz que aulas domiciliares ajudaram alunos — Foto: Arquivo pessoal
Ela fala que foi dessa forma, com aulas na própria casa, remotas e também indo dar aulas na casa dos alunos que ela conseguiu fechar o ano letivo de 2020 sem prejuízos.
“Com a chegada da pandemia a gente trabalhou muito de forma remota mas, como nem todos têm acesso às ferramentas digitais, no caso celular e notebook, eu, como trabalho com a turma de alfabetização do 4º ano, fazia a entrega das atividades de casa em casa e assessorava com os plantões pedagógicos domiciliares, na escola e também na minha casa e deu muito certo. Nossa escola, mesmo sendo indígena, tem todas as ferramentas que os alunos precisam”, acrescenta.


Plantão pedagógico tira-dúvidas na escola — Foto: Arquivo pessoal

Plantão pedagógico tira-dúvidas na escola — Foto: Arquivo pessoal
Maria atua na escola Īxūbãy Rabuī Puyanawa há 10 anos e diz que começou ensinando turmas de alfabetização. Atualmente, ela trabalha com alunos do 4º ano e ministra todas as disciplinas. As aulas ainda estão sendo ministradas remotamente e o retorno presencial, segundo ela, está marcado para o dia 18 de outubro.
Awī conta que resolveu atender individualmente os alunos, pois se preocupou com a qualidade do ensino e não queria que eles perdessem o ano por falta de apoio pedagógico.
“Diante de toda a situação que a gente vivenciou em 2020 e ainda vive em 2021, não foram tempos fáceis para ninguém e isso repercutiu em todas as áreas das nossas vidas, desde o psicológico, até a profissional. A gente estava adaptado com a vida normal e os alunos com a interação, então, todos sofreram. Eu vi que precisava fazer algo fiz e continuo fazendo. Sou muito fã da educação, a educação transforma vidas e pessoas. Todas as outras profissões começam pela escola, pela educação.”


À esquerda, a professora entraga as atividades para a aluna do quarto ano e à direita, aluna entrega das atividades escolares para a professora — Foto: Arquivo pessoal

À esquerda, a professora entraga as atividades para a aluna do quarto ano e à direita, aluna entrega das atividades escolares para a professora — Foto: Arquivo pessoal


‘Alunos são como filhos’

Maria diz que seus alunos são como os filhos que ela ainda não teve e que não mede esforços para que eles aprendam e saiam da sala de aula com o conhecimento que precisam para conseguir realizar os sonhos de serem quem eles quiserem.


“Amo a minha profissão, apesar de não ser mãe, tenho um carinho de mãe por todos os alunos. Hoje tenho alunos que já se formaram, cresceram e têm sua própria família e tenho muita admiração e respeito por eles”, fala.


Fátima diz que tem orgulho de ser Puyanawa — Foto: Arquivo pessoal

Fátima diz que tem orgulho de ser Puyanawa — Foto: Arquivo pessoal


Orgulho de ser Puyanawa

A professora diz que tem muito orgulho e ser indígena e, principalmente de ser da etnia Puyanawa. Ela fala que os indígenas estão cada vez mais conquistando espaços importantes na sociedade.
“É um privilégio ser Puyanawa e ser docente dentro da minha própria comunidade. Os índios hoje também são fonte de pesquisa e muito orgulho. Com muito entusiasmo hoje os indígenas podem dizer também que estão sendo valorizados. Nos deparamos com vários preconceitos e isso ainda acontece até hoje, mas, como professora indígena, eu digo que somos capacitados para viver em sociedade e podemos ser o que a gente quiser, basta sonhar e realizar”, acrescenta.
Até conseguir ser professora, Maria conta que sua vida não foi fácil. Filha de pais separados, ela diz que teve que sair da aldeia para conseguir um futuro melhor, pois na aldeia na época não tinha todas as séries para que ela terminasse os estudos.
“Fui criada pela minha minha avó como se fosse filha, tive que lutar pela minha própria sobrevivência, saí da comunidade para estudar. Morei dois anos em Cruzeiro do Sul trabalhando como doméstica, depois fui para Rio Branco e trabalhei mais quatro anos também como doméstica. Quando conclui o ensino médio tive o meu primeiro emprego de carteira assinada como balconista, trabalhei cinco anos como vendedora e depois voltei para a aldeia, casei, mas, infelizmente, meu marido faleceu.”


‘Meu irmão me inspira’

O amor pelos livros está no sangue. Maria é irmã do indígena Jósimo da Costa Constant, de 32 anos, que ganhou uma bolsa de estudos integral para cursar doutorado em ciências políticas nos EUA Orgulhosa, ela não poupa elogios para falar do irmão.
“Sou grande fã do meu irmão Jósimo que está concluindo seu doutorado e já adquiriu uma bolsa para estudar nos EUA. Isso é a prova de que quando a gente quer a gente consegue. Esses exemplos fortalecem o nosso povo, a nossa cultura, a nossa sociedade.”
Ela deixa ainda um recado para quem ainda tem dúvidas de que tudo começa com o sonho e que as pessoas em geral devem confiar em si e acreditar que tudo é possível.
“Quero dizer para todos os indígenas e para todas as pessoas que vale a pena sonhar, que vale a pena a gente enfrentar os preconceitos, que vale a pena a gente buscar aquilo que é de melhor. Se eu não tivesse ido buscar o conhecimento talvez eu não tivesse essa visão de mundo que tenho hoje. Estudem, o futuro começa pela educação”, finaliza.


Professora Fátima durante aulas em domicílio na pandemia — Foto: Arquivo pessoal

Professora Fátima durante aulas em domicílio na pandemia — Foto: Arquivo pessoal


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