A pandemia da covid-19 trouxe com ela uma exposição à desigualdade racial no mundo todo, e não foi diferente no Brasil. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que avaliou as disparidades entre raças nas hospitalizações e mortes relacionadas à demência no país, mostrou um dado alarmante, que diz respeito a um recorte racial nas taxas de mortalidade pela enfermidade. Em 2020, houve um aumento de 65% nas mortes em pacientes negros, enquanto, nos pacientes brancos, a taxa diminuiu 9%.
“No primeiro semestre de 2020, pacientes pretos e pardos tiveram um risco mais alto de perder a vida por demência quando comparados aos brancos, disparidade essa que não havia sido observada no mesmo período de 2019”, diz trecho do estudo. A pesquisa avaliou três aspectos da doença no Brasil no contexto da covid-19: hospitalizações, custos médios para o tratamento e a taxa de mortalidade e concluiu que a pandemia da covid aumentou a disparidade étnico-racial em relação às mortes e internações por demência.
“Desde o início da epidemia de covid-19 no Brasil, aumentou a disparidade étnico-racial nas internações e taxas de mortalidade por demência. São necessárias medidas e políticas governamentais para mitigar esse efeito indireto da pandemia sobre a população brasileira”, pontua outro trecho da pesquisa. Os dados avaliados foram extraídos do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS).
A professora da faculdade de enfermagem da Universidade de Brasília (UnB) Keila Cristianne Trindade acredita que o aumento das taxas na população negra pode estar relacionado com acesso adequado ao sistema de saúde, que foi dificultado com a pandemia. “As restrições de acesso ao serviço de saúde dificultaram ou impossibilitaram o acompanhamento das pessoas com demência, deixando-as ainda mais vulneráveis, ou mesmo aquelas pessoas que precisavam de atendimento deixaram de procurar o serviço pelo risco de contágio e distanciamento social, piorando seu quadro”, explicou.
“As consequências da pandemia, como desemprego, dificuldade financeira, estresse, problemas mentais também atingiram a população como um todo, porém deixaram mais vulneráveis aqueles que já vivenciavam essa realidade, como pessoas com demência negras e pardas. Esses fatores associados a problemas financeiros familiares, podem ter dificultado o acesso à compra de alimentos, condições essas que podem ter contribuído para alteração no sistema imunológico também. Esses fatores podem, associados ou não, favorecer ao desenvolvimento da forma mais grave da doença e levar à mortalidade”, acrescentou.
Tratamento
Trindade explica que a demência é uma das enfermidades mais comuns que afetam o sistema cognitivo. “A demência é uma síndrome, ou seja , um conjunto de sinais e sintomas, devido à perda de funções cognitivas, que levam à alteração da memória, do pensamento, da linguagem e do comportamento da pessoa. É uma doença progressiva, provocada por morte de células cerebrais. A demência mais comum é a Doença de Alzheimer. Em geral ela é mais frequente em pessoas idosas, porém têm aumentado os casos de demência precoce, em pessoas com idade inferior a 60 anos”, observou.
Segundo a especialista, os principais sintomas da demência são problemas para completar tarefas que antes eram fáceis, dificuldades para resolver os problemas, mudanças no humor, isolamento, dificuldade para se comunicar (escrita e fala) e fazer confusão em relação a lugares e pessoas, entre outros.
“É importante destacar que, quanto mais precoce o diagnóstico, melhor é a resposta aos tratamentos existentes. O tratamento é baseado em medicamentos que podem ajudar a desacelerar a evolução da demência e melhorar alguns sintomas em algumas pessoas. Também ajuda o tratamento não farmacológico, como estimulação cognitiva, social e física”, completou Trindade.