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“Apenas fiz meu trabalho”, diz ganhador do Prêmio Nobel da Paz ao Correio

Muratov, editor do Novaya Gazeta: assassinatos não o intimidaram - (crédito: Natalia Kolesnikova/AFP

Do outro lado da linha, ao ser informada por Olav Njostad, secretário do Comitê Nobel Norueguês, de que foi uma das agraciadas com o Nobel da Paz, a jornalista filipina Maria Ressa, 58 anos, deu um grito e chorou. “Oh, meu Deus! Estou sem palavras! Muito obrigada!”, reagiu. A 8.252km de Manila, em Moscou, o também jornalista Dmitry Andreyevich Muratov, 59, recebeu a notícia, pouco depois, de que é o outro laureado. Surpreso, o russo afirmou que teria dado o prêmio a Alexei Navalny, um dos principais opositores do presidente Vladimir Putin. Pela primeira vez na história, o Comitê homenageou dois jornalistas “por seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, pré-condição para a democracia e a paz”.


Cofundador e editor do Novaya Gazeta, Muratov dedicou o Nobel da Paz aos seis colegas assassinados por seu trabalho: Igor Domnikov, Yuri Shchekochikhin, Anna Politkovskaya, Stanislav Markelov, Anastasia Baburova e Natasha Estemirova. As janelas da sede do Novaya Gazeta, na capital russa, trazem estampadas as fotos dos funcionários mortos. Em comunicado, o ex-presidente da extinta União Soviética, Mikhail Gorbachev, comentou que o prêmio “eleva o significado da imprensa no mundo moderno a uma altura maior” e referiu-se a Muratov como um homem “corajoso, honesto e amigo”. Por meio do porta-voz do Kremlin, o atual presidente russo, Vladimir Putin, felicitou Muratov. “Trabalha sem cessar, seguindo seus ideais, mantendo-os. Tem talento e coragem”, declarou Dimitri Peskov.


Segundo o Comitê Nobel, há décadas Muratov tem defendido a liberdade de expressão sob condições cada vez mais desafiadoras. “Desde sua fundação, em 1993, o Novaya Gazeta publica artigos críticos sobre temas que vão desde corrupção, violência policial, prisões ilegais, fraudes eleitorais e ‘fábricas de trolls’ (mensagens controversas e irrelevantes) até o uso das forças militares russas dentro e fora da Rússia”, diz a nota.


Viúva de Yury Shchekochikhin, Nadezhda Azhgikhina saudou o Nobel para os jornalistas. “Muratov tinha em mente que o prêmio era para todos os jornalistas honestos, não apenas para ele. E foi dado no dia seguinte ao aniversário de 15 anos do assassinato de Politkovskaya. Foi simbólico”, afirmou ao Correio a jornalista de 61 anos. “Yury recebeu muitas ameaças de morte ao longo de vários anos. Quando nos conhecemos, em 1984, ele me confidenciou que seria assassinado por sua escrita.” Nadezhda contou que o marido morreu em 3 de julho de 2003, acometido de uma síndrome alérgica extremamente rara. “Ele jamais tinha apresentado alergia. Yury foi o primeiro jornalista a escrever sobre a corrupção e a máfia na União Soviética, em 1988”, disse.


Autoritarismo

O Comitê Nobel Norueguês destacou que Maria Ressa usa a liberdade de expressão para expor abusos de poder, a violência e o autoritarismo crescente nas Filipinas. “Em 2012, ela ajudou a fundar a Rappler, companhia de mídia digital voltada ao jornalismo investigativo. Como jornalista e diretora da Rappler, Ressa tem se mostrado defensora destemida da liberdade de expressão”, afirma o comunicado. A empresa da laureada teceu fortes críticas à campanha controversa encampada pelo presidente filipino, Rodrigo Duterte, no combate ao tráfico de drogas. Em 2018, Ressa comparou o brasileiro Jair Bolsonaro a Duterte e disse que ambos “usam o mesmo roteiro”.


Emocionada, Ressa admitiu que este “é o melhor momento para ser jornalista”. “Os momentos mais perigosos são também os momentos mais importantes.” O governo Duterte expediu 10 mandados de prisão contra a jornalista e a proibiu de deixar o país por quatro vezes em 2000, mesmo quando sua mãe lutava contra o câncer. “Essa campanha implacável de assédio e intimidação contra mim e meus colegas jornalistas nas Filipinas é um exemplo forte de uma tendência global de que os jornalistas e a liberdade de expressão enfrentam condições cada vez mais adversas”, disse a colegas da imprensa internacional. À noite, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, parabenizou Muratov e Ressa por denunciarem “o abuso de poder”.


» Eu acho…

“O prêmio para Dmitry Muratov é muito importante, um reconhecimento do valor do jornalismo honesto e ético como um bem público. Eu, meu filho, nossos amigos e colegas estamos muito felizes. Yury ficaria muito orgulhoso pelo jornal Novaya Gazeta. Muratov era seu colega mais jovem, e o espírito de equipe era muito importante para Yury. Muratov desenvolveu esse espírito na equipe. Era um time de verdade.” Nadezhda Azhgikhina, viúva de Yury Shchekochikhin, jornalista do Novaya Gazeta, morto em circunstâncias misteriosas.


» Entrevista / Dmitry Andreyevich Muratov

“Apenas fiz meu trabalho”


Em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense, Dmitry Muratov, editor-chefe e cofundador do Novaya Gazeta, afirmou que os assassinatos de seis colegas de redação representam “um preço muito alto pela liberdade de expressão” e a eles dedicou o Nobel da Paz. “O mérito é deles. Eles desafiaram o mal e a corrupção com o seu trabalho destemido”, assegurou, por e-mail.


Ao ser questionado sobre a ameaça representada por Jair Bolsonaro à livre imprensa, Muratov disse não estar familiarizado com a situação no Brasil, mas enviou um recado: “Uma sociedade saudável não pode existir sem uma imprensa livre e forte”. Um dos dois ganhadores do Nobel da Paz também demonstrou humildade: “Apenas fiz e faço o meu trabalho”.


Qual é o simbolismo do Nobel da Paz para a liberdade de expressão e para o jornalismo?

Espero que este prêmio seja outra forma de destacar os desafios da liberdade de expressão e o trabalho profissional de jornalistas ao redor do mundo.


Quando o senhor começou essa luta em defesa da livre manifestação e da imprensa?

Não lutei. Apenas fiz e faço o meu trabalho. Buscamos a verdade e falamos aos nossos leitores sobre ela. Eu me tornei jornalista na União Soviética. Trabalhei como correspondente de guerra no então mais importante jornal soviético, o Komsomolskaya Pravda. Foi, então, que a equipe do Komsomolskaya Pravda decidiu criar seu próprio jornal, o Novaya Gazeta, em 1993. Dois anos depois, eu me tornei editor-chefe.


Quais foram os principais obstáculos e perigos enfrentados pelo Novaya Gazeta, ao longo desses 28 anos?

Desde 2000, seis colegas da redação morreram — Igor Domnikov, Yuri Shchekochikhin, Anna Politkovskaya, Anastasia Baburova, Stanislav Markelov e Natalia Estemirova. O Nobel da Paz de hoje pertence a eles. O mérito é deles. Eles desafiaram o mal e a corrupção com o seu trabalho destemido. Morreram pelo direito de realizarem o seu trabalho com honestidade. Seis mortos. É um preço muito alto pela liberdade de expressão. Na condição de editor, declaro: não existe investigação ou apuração jornalística que seja mais cara do que uma vida humana. Meu trabalho como editor-chefe não é colocar meus funcionários em risco. Eles se esforçaram para chegar aonde era perigoso.


Que reação o senhor espera do presidente Vladimir Putin?

O Kremlin me enviou cumprimentos oficiais. Mas desconheço o que Putin pensa pessoalmente sobre o Nobel da Paz.


Como o senhor vê a ameaça representada pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, à liberdade de expressão?

Infelizmente, não estou muito familiarizado com a situação em seu país. Mas estou certo de que as palavras livres, ou melhor, o jornalismo livre, é valor básico e necessidade do ser humano. Uma sociedade saudável não pode existir sem uma imprensa livre e forte, sem informação. Nós continuaremos a lutar — na realidade, apenas fazendo honestamente o nosso trabalho.


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