Abuso sexual: sigilo de confissão cria choque entre Igreja Católica e França

"O sigilo de confissão se impõe sobre nós e é mais forte que as leis" Monsenhor Éric de Moulins-Beaufort, presidente da Conferência Episcopal da França (CEF) - (crédito: Thomas Coex/AFP)

A divulgação de um relatório por uma comissão independente de inquérito, segundo a qual 216 mil menores foram violados por padres entre 1950 e 2020, colocou o governo da França em rota de colisão com a Igreja Católica. Ontem, as autoridades francesas convocaram o presidente da Conferência Episcopal da França (CEF), monsenhor Éric de Moulins-Beaufort, a prestar explicações sobre o sigilo de confissão, entendido por ele como acima da lei.


De Moulins-Beaufort chegou a pedir “perdão” às vítimas e prometeu ações no âmbito da Igreja Católica francesa. No entanto, um dia depois, suas declarações à emissora pública France Info, reiterando uma linha vermelha bem conhecida do papa Francisco, causaram estupor, forçando o governo a tomar uma atitude sobre o assunto.


“O sigilo de confissão se impõe sobre nós e é mais forte que as leis”, disse o mosenhor, que também é arcebispo de Reims, ao fazer alusão a uma das 45 propostas da Ciase para evitar novos abusos sexuais. “Nada é mais forte que as leis”, respondeu Gabriel Attal, porta-voz do Palácio do Eliseu, depois de uma reunião, ao detalhar que o presidente Emmanuel Macron pediu a convocação do arcebispo.


O ministro do Interior, Gérald Darmanin, “receberá no início da próxima semana o monsenhor De Moulins-Beaufort para lhe pedir explicações”, disse à agência France-Presse uma fonte próxima do ministro. Em nota, o líder católico indicou que aceitou o “convite” para a reunião, agendada para terça-feira. Ele pretende explicar que o sigilo de confissão “não se opõe ao direito penal francês”.


Apesar de o governo francês considerar a confissão um sigilo profissional, protegido por lei, ele estima que há exceções: o segredo não se aplica às confidências feitas fora do confessionário nem às agressões contra menores de 15 anos.


Abusado por um padre quando tinha 10 anos, François Devaux fundou a associação de vítimas La Parole Libérée (A Palavra Libertada). “Infelizmente, temo que a República da França reafirmará, pela terceira vez, seus valores de secularismo à Igreja Católica. Concordo totalmente com a posição da comissão, liderada por Jean Marc Sauvé, ex-presidente do Conselho de Estado, o topo do Judiciário francês. Testemunharemos um naufrágio brutal. Sauvé manterá sua posição. O catolicismo, em sua dimensão civilizatória, sofrerá um terrível choque”, disse ao Correio.


Devaux lembrou que a República Francesa tem uma longa história. “Ela inclui uma revolução sangrenta em defesa de direitos, da liberdade, da igualdade e da fraternidade. As autoridades eclesiásticas tentam ultrapassar uma fronteira intransponível. É algo catastrófico para o status da Igreja”, advertiu.


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