Mãe de jovem vítima de grupo que induzia suicídio: “Eles precisam ser punidos”

Um luto eterno. A empresária Viviane Argentino, 42 anos, perdeu a filha, no auge da juventude, aos 22 anos, em 30 de março. A jovem ingeriu uma substância tóxica capaz de matar. O produto também foi o responsável pela morte de uma amiga, de 21 anos, e reivindicado por um grupo criminoso que induz pessoas de todo o país, pela internet, ao autoextermínio. Em uma megaoperação deflagrada nessa quarta-feira (29/9) pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), quatro pessoas foram presas preventivamente por associação criminosa e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, qualificado pelo resultado morte. Ação acontece durante o Setembro Amarelo, campanha de prevenção ao suicídio.


Em entrevista ao Correio, Viviane relata como é lidar com a dor do luto e clama por justiça. A empresária se mantém forte por causa do caçula, de 8 anos. “Hoje, só sobrevivo pelo meu filho. No começo, eu fui muito forte e soube lidar com a situação da melhor forma, mas, agora, está sendo muito complicado. Às vezes, tenho um surto. Faço tratamentos psiquiátricos e tomo medicações. Toda a família sofre muito”, desabafa.


A filha de Viviane estava avançando na carreira. Aos 22 anos, ela havia sido contratada por um escritório de advocacia e tinha recebido uma proposta para trabalhar em uma agência bancária, quando tudo aconteceu, em 30 de março. A jovem fazia tratamentos psiquiátricos e tinha tentado tirar a própria vida havia um tempo. “Eu não suspeitava de nada, mas, quando recebi a notícia, logo imaginei que pudesse ter algo envolvido com o ‘tal’ grupo que a amiga dela participava. Veio na minha mente de imediato”, detalhou.


Quatro pessoas foram presas por induzir jovens ao suicídio
Quatro pessoas foram presas por induzir jovens ao suicídio(foto: PCDF/Divulgação)

 


Substância química

O produto tóxico capaz de matar em minutos, encontrado em sites da internet, foi tomado primeiro, em fevereiro deste ano, pela amiga da filha de Viviane. A mãe conta que a jovem ficou sensibilizada com a perda e se dispôs a ajudar, produzindo o inventário, uma vez que ela trabalhava em um escritório de advocacia.


“Na época em que casei, a mãe dela (da amiga), também casou-se, e tivemos as meninas na mesma época. As duas eram amigas de escola, estudaram juntas e, depois, tomaram rumos diferentes, como ocorre em toda a juventude. Acontece que minha filha ficou muito comovida com a perda da colega e quis ajudar”, lembra Viviane.


A jovem soube das circunstâncias da morte da amiga e descobriu a fórmula da substância que a matou, os efeitos e o local de compra. Em desabafo, a filha de Viviane contou toda a situação à mãe. Pouco mais de um mês, a estudante adquiriu o produto por um site.


Após a morte da filha, Viviane registrou boletim de ocorrência na delegacia, onde tomou ciência sobre a existência de pessoas que estariam induzindo jovens ao suicídio. A empresária acredita que a filha não ingressou no grupo, mas defende que ela só tomou conhecimento do produto depois que a amiga soube dos efeitos da substância pela internet. “Eles precisam ser punidos. Eu sei que minha filha tinha depressão, mas eles a induziram, e incentivaram essa morte. Aproveitaram de uma pessoa fragilizada, a troco de nada”, pontuou.


Investigação

A 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) segue com as apurações para identificar outras possíveis vítimas dos criminosos, que teriam sido estimuladas a praticar o autoextermínio. Na noite dessa quarta-feira (29/9), o quarto integrante da associação criminosa foi preso após se apresentar em uma delegacia de Uberlândia (MG). No total, foram expedidos e cumpridos mandados de busca e apreensão em Goiânia (GO), Aparecida de Goiânia (GO), São Paulo (SP), São Roque (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Os quatro estão presos preventivamente e cumprirão pena no Complexo Penitenciário da Papuda.


As diligências começaram depois da morte da amiga da filha de Viviane. Em análise pericial no celular da jovem, os investigadores constataram que a menina participava de um grupo virtual destinado ao cometimento de suicídio. “Toda a orientação era cedida pelos criminosos, que ensinavam onde comprar a substância, como tomar e a dosagem correta para a prática. Não sabemos, ainda, se a segunda vítima (filha da Viviane) tinha relação direta com o grupo”, detalhou o delegado-adjunto da 6ª DP, Ricardo Viana.


Segundo o investigador, os quatro criminosos não se conheciam pessoalmente e agiam pela deep web (leia Ponta do iceberg), em grupos de Telegram e WhatsApp. “Eles (os suspeitos) acolhiam as vítimas, se passando por pessoas boas, conversando, ouvindo queixas. Depois disso, receitavam a substância”, frisou Viana. Segundo investigações, não havia interesse financeiro.


Um dos presos já está em Brasília. Os outros três devem chegar esta semana. O quarteto responderá pelo crime de associação criminosa, que tem uma pena de 1 a 3 anos, e por induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, que consiste no ato de ajudar alguém a tirar a própria vida, com pena de 2 a 6 anos e que é duplicada caso o crime tenha sido praticado por motivo egoístico, e se a vítima for menor, ou tiver sua capacidade de resistência reduzida por qualquer motivo.


Ponta do iceberg

Traduzida literalmente como internet profunda, a deep web é a camada que fica logo “abaixo” da internet tradicional — aquela que aparece nos mecanismos de busca e que fornece conteúdo aberto para qualquer pessoa conectada. A quantidade exata de dados na deep web dificilmente poderia ser mensurada, uma vez que a característica inerente dessa camada é ser restrita. Para melhor entender, a deep web é onde se guarda todo tipo de informação que requer senhas, logins, tokens e usa criptografia para ser acessada. Os dados bancários de um correntista, os e-mails pessoais e funcionais, os sistemas de http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistração de sites, blogs, fóruns e redes sociais, por exemplo, podem ser considerados conteúdo deep web.


Três perguntas para Raphael Boechat Barros, coordenador do Laboratório de Psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB)

Quais são os principais fatores que levam uma pessoa a cometer suicídio?
As principais doenças associadas são depressão, transtornos mentais como bipolaridade, esquizofrenia e transtornos de personalidade. Além dos quadros psicóticos, como delírio e crenças delirantes de que, caso se mate, vai acontecer algo sobrenatural. Há, também, as circunstâncias, não tinha depressão, mas está passando por um momento difícil na vida. Outras causas são as bebidas alcoólicas em excesso e o uso de drogas. A depressão é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro, alterações químicas que desencadeiam sentimentos negativos, como a ausência de dopamina. Mas são vários fatores e é necessário analisar o caso específico de cada pessoa. Geralmente, se associa muito o suicídio aos transtornos psiquiátricos, principalmente com a depressão. Mas o suicídio é um fenômeno multifatorial e não se pode dar atenção apenas a uma parte muito orgânica e fisiológica e esquecer todos os outros fatores, que são relevantes na vida de uma pessoa. É preciso olhar como um todo.


Quais são os sinais que amigos e familiares devem ficar atentos?
Os principais sinais são em relação às mudanças de comportamento, mudança de hábitos muito abruptas, como o isolamento. Muitas vezes, os sintomas, principalmente em adolescentes, podem ser confundidos com a fase, mas, nesses casos, as mudanças de hábitos normais das atividades do dia a dia são muito abruptas. Conversar abertamente sobre angústias e frustrações é uma forma de prevenir e de identificar previamente os sintomas. É importante procurar ajuda de um profissional, seja psicólogo ou psiquiatra. Além da ajuda profissional tem outros meios, como o CVV.


Qual é a importância em se falar sobre o assunto?
Infelizmente, suicídio é mais comum do que aparenta, mas não se comenta. É importante que se fale sobre o assunto para desmistificá-lo. Há muitos anos, tem sido colocado embaixo do tapete, tanto pela sociedade quanto pela mídia. Mas o número de suicídios cresceu de uma tal forma que, hoje, é uma das maiores causas de morte no Brasil, é uma proporção grande. Isso de dizer que, se tocar no assunto, vai incentivar já caiu por terra. É importante falar, sim, e conscientizar a população e alertar as famílias para que fiquem atentos aos sinais e saibam como ajudar.


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