Localizado na ponta do Brasil, o Acre é um dos estados com maior diversidade de fauna e flora do país e tem quase 50% do seu território composto por terras protegidas por lei ambiental. De acordo com dados da Divisão de Áreas Naturais Protegidas e Biodiversidade (DapBio), o Acre possui um território com 16.422.136 de hectares, sendo que deste total 7.774.440 de hectares, ou seja, 47,3% é composto por unidades de conservação (federais, estaduais e municipais).
Já na categoria de proteção integral e uso sustentável e terra indígenas, são 2.390.112 de hectares, ou seja, 14,55 %, criadas para proteção e uso sustentável do bioma amazônico.
As comunidades indígenas estão representadas por 15 povos, distribuídos em três famílias linguísticas (Pano, Arawak e Arawa). São 17.070 indígenas vivendo em 197 aldeias, distribuídos em 36 terras, situados em 11 municípios do estado do Acre. Destaca-se ainda 3 povos isolados, segundo o relatório.
No Dia da Amazônia, comemorado neste domingo (5), o G1 mostra que, diante de tanto território protegido, o desafio do poder público é conciliar desenvolvimento econômico à preservação do meio ambiente.
São de responsabilidade do governo estadual:
- Parque Estadual Chandless
- Áreas de Proteção Ambiental (APA) do Lago do Amapá e do Igarapé São Francisco
- Florestas estaduais Antimary; do Rio Gregório; do Mogno; do Liberdade; Afluente
- Áreas de Relevante Interesse Ecológico Japiim Pentecoste, que fica em Rodrigues Alves.
Dentro das florestas estaduais, entre as comunidades que moram dentro delas, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e das Políticas Indígenas (Semapi) diz que trabalha com o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre (PDSA), com recursos de banco internacional com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico sustentável e a diversificação produtiva do estado, baseado na economia florestal e na preservação do patrimônio natural.
Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre acompanha moradores de comunidades protegidas no estado — Foto: Asscom/Semapi-AC
“Esse programa engloba, inclusive, a recuperação de ramais para ajudar no escoamento de produções agroextrativistas dos moradores de florestas públicas. Temos também unidades integradas que dão apoio a essas famílias da floresta; são locais com internet, refeitório e que incrementam a produção de produtos florestais madeireiros e não madeireiros”, pontua Adriano Alex Santos e Rosário, chefe da DapBio.
Atualmente, com PDSA, são atendidas cerca de mil famílias, que produzem cocão, murmuru, buriti e também fazem exploração de madeira. Ainda segundo a Semapi, todas as decisões tomadas para essas áreas são discutidas com o conselho gestor da unidade e baseadas no plano de manejo de cada área.
Missões ocorrem em áreas públicas do Acre para tentar combater crimes ambientais — Foto: Cleiton Lopes/Semapi-AC
Concessão de florestas públicas para empresas privadas
São milhares de hectares em terras públicas e nas mais diversas localidades do estado. O controle dessas terras acaba sendo um dos principais desafios dos órgãos fiscalizadores, porque acaba refletindo na recorrente invasão de terra pública.
Segundo Alex Santos, somente este ano foram feitas em todo o Acre 11 missões de comando e controle e até pedidos de reintegração de posse de pessoas que tomaram conta de lotes públicos.
Diferente da demarcação federal feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – que depois de 10 anos expede o termo definitivo de terra ao morador, quem mora em áreas públicas estaduais vive sob uma concessão. Caso não queiram mais morar no local, a terra deve ser devolvida e direcionada a outra família que viva da produção agroflorestal.
Porém, não é bem assim que ocorre. Muitos moradores, segundo o chefe da divisão, acabam vendendo lotes de forma ilegal e a pessoa que compra, também acaba tentando ficar com a terra. Inicia-se uma batalha, que muitas vezes precisa parar nos tribunais com pedido de reintegração.
Para tentar amenizar esse tipo de ocorrência no estado e tentar ter mais controle em cima das terras públicas, o governo do estado apresentou, em maio deste, o projeto de lei que regulariza a exploração de florestas públicas por empresas privadas. Segundo o governo, isso frearia essas ações criminosas.
Parque Estadual Chandless é considerado o maior da Região Norte — Foto: Divulgação/Secom
Com isso, seria feita uma licitação para que uma empresa pudesse explorar a área dentro do que a lei estabelece. Para o Adriano Alex, essa é uma saída para tentar evitar que os crimes ambientais avancem no estado e também garantir um retorno para a comunidade dentro das florestas.
“A concessão é um importante instrumento, porque você lança um edital, as empresas concorrem e fazem suas propostas. A melhor proposta ganha a concessão, mas a Secretaria de Meio Ambiente vai acompanhar essa execução. Além do viés ambiental, porque essa empresa necessariamente vai ter que apresentar um plano de manejo para a área, tem a questão social e econômica, uma vez que a mão de obra vai ser contratada de dentro da comunidade. Além de que essas empresas podem fazer benefícios sociais, como reformas postos de saúde e outros locais de interesse público”, defende.
Para ele, isso também reduziria, ou melhor, acabaria com as chamadas operações de comando e controle dessas áreas.
“Isso seria de responsabilidade da empresa concessionária. Existe invasão, mas também muita má-fé de moradores que sabem que não podem vender o terreno dentro dessas áreas, mas querem ganhar uma pontinha. Mas estamos coibindo e nosso desafio é preservar esses mais de um milhão de hectares que são patrimônio do estado”, destaca.
Moradores alegam falta de incentivos dentro de reservas extrativistas do estado — Foto: Amopreabe/Arquivo
Reservas extrativistas: desmatar para sobreviver
Já as reservas extrativistas, de responsabilidade do governo federal, têm sofrido com a falta de recursos do poder público. A afirmação é da vice-presidente da Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes de Brasileia e Epitaciolândia (Amopreabe), Luíza Carlota.
Criadas para serem usadas pela técnica extrativista, a realidade dentro dessas unidades é outra. Atualmente, são comuns os registros de desmatamento e queimada dentro dessas áreas.
O relatório da Secretaria de Meio Ambiente, da sala de monitoramento, mostra que, até agosto deste ano, foram registrados 185 focos de incêndio somente dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes. Entre 20 áreas naturais é a que mais queima.
Ao todo dentro dessas áreas, foram mais de 500 focos de incêndio entre janeiro a agosto deste ano.
Luíza diz que a falta da presença no Estado é o que acaba interferindo na preservação ambiental das unidades. Ela diz que o governo federal não aloca recursos para as famílias que vivem dentro da Resex.
“Não tem política de sustentabilidade, a não ser um projeto alemão que compra borracha produzida aqui dentro. Além de tudo, o plano da Resex está defasado, já existe uma quantidade bem maior de famílias que não tem condições de trabalhar aqui dentro. Não tem mais uma produção extrativista forte e estamos sendo punidos por desmatar locais para plantar mandioca, por exemplo”, explica.
A vice-presidente da associação destaca ainda que a economia das Resexs giram em torno da venda da castanha, borracha e também pecuária.
“Realmente existem pessoas que desmatam para formar pastos, mas a gente precisa desmatar para plantar porque, infelizmente, o governo não olha para a Reserva Chico Mendes. O ideal era um acordo: quem chegou no limite de desmatamento não desmatar mais, mas o governo precisa garantir mecanização para o produtor ter o que comer. Parou de desmatar, mas vamos comer o que? Muitos aceitam o pacto de não mexer na floresta, mas a gente precisa de um retorno do governo”, enfatiza.
Especialista diz que falta presença do Estado dentro das unidades de conservação do estado — Foto: Juan Diaz/Arquivo pessoal
Políticas públicas
O fator levantado pela vice-presidente da associação é reforçado pela engenheira agrônoma e doutora em ciências florestais tropicais e uma das principais pesquisadoras do fogo na Amazônia Sul Ocidental, Sonaira da Silva.
“Falta fortalecimento de políticas públicas do estado de forma ampla, porque as queimadas eram tidas só como problemas ambientais, mas a queimada é um problema que aponta falta de gerência agrícola. Se tem órgãos envolvidos em diversos estudos, como melhorias de pastagem, genética e outras práticas, isso precisa chegar aos agricultores. Porque, se ele não recebe essa assistência, ele vai continuar usando o que sempre usou e dá certo, que é o fogo. Só que o clima mudou e o que faziam no passado vai piorando e traz outros prejuízos para todos”, destaca.
Cachoeira Formosa na Serra do Divisor, no Acre, uma das mais ricas em biodiversidade — Foto: Marcos Vicentti/Secom
PL Serra do Divisor
Já na esfera federal, os debates se concentram no projeto de lei 6.024, apresentado pela deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC), que tira a proteção integral da Serra do Divisor no Vale do Juruá, no interior do Acre e altera os limites da Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex). A intenção principal é fazer uma rodovia que ligue o Acre ao Peru.
Atualmente o projeto tramita na Câmara dos Deputados e está guardando parecer do relator na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra).
O PL é de autoria do senador Márcio Bittar (MDB) e foi apresentado pela deputada federal Mara Rocha (PSDB) em novembro de 2019. Ele ficou parado durante todo o ano de 2020 e os três primeiros meses de 2021. Até que no último dia 31 de março foi designado relator e ele foi retomado.
Uma petição on-line foi encabeçada pelo Comitê Chico Mendes; Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS); Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Xapuri (Amoprex), Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Assis Brasil (Amopreab); Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Sena Madureira (Amopresema); Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Assis Brasil; Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Xapuri; Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Brasiléia; SOS Amazônia; Comissão Pró-Índio do Acre; Povo Nawa, Associação Indígena Nukini; Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ) e Apiwtxa.
O objetivo é coletar assinaturas contra o projeto. A iniciativa já reúne quase 10 mil assinaturas.
Choca-do-acre só pode ser vista, em todo o mundo, no Parque da Serra do Divisor — Foto: Tomaz de Melo/Arquivo pessoal
‘É possível gerar economia com a floresta em pé’
O G1 conversou com o secretário-geral da ONG SOS Amazônia no Acre. Miguel Scarcello é graduado em geografia, com especialização em planejamento ambiental e política ambiental pela Agência para o Desenvolvimento Internacional Americana.
Ele tem experiência na área de Ciências Ambientais, com ênfase em Unidades de Conservação – planejamento e gestão – e acredita que falta gestão e conhecimento para tentar iniciar, sem um estudo mais profundo, a exploração econômica dessas áreas é perigoso.
“A criação de unidades é tão recente na história do Brasil que ainda estamos construindo algo em cima disso. Em uma perspectiva histórica de gestão pública, não há equipes preparadas”, destaca.
Porém, o debate dessa gestão é essencial para o ambientalista, já que o estado é um dos mais ricos em biodiversidade.
“O Acre, geograficamente, é uma área de cabeceiras de rios e que se tornou propícia para o refúgio da população indígena e aqui temos uma concentração de biodiversidade bem particular com relação a outros territórios da Amazônia”, diz.
Para Scarcello, o governo do estado, por exemplo, tem dado passos acertados, como financiamento com bancos estrangeiros para manter programas importantes para ajudar as populações das florestas estaduais. Mas, diz que falta planejamento e estudo aprofundado para implantar algo como as concessões das florestas públicas, por exemplo.
“O estado não está preparado com recursos para isso. Há um entendimento de que essas áreas sustentáveis podem gerar benefícios econômicos, mas, como disse Chico Mendes, é possível gerar economia com a floresta em pé, mas a produção florestal que deveria ser empreendida ainda não foi planejada de maneira adequada”, destaca.
Para ele, antes de o governo estabelecer realmente algo mais invasivo nessas áreas, ele teria que fazer experimentos e avaliar se há equipe suficiente, recursos e se isso pode ser continuado futuramente.
“Quem está à frente dessas unidades precisa ter coragem para fazer experimentos, precisa estar disposto a fazer os exercícios que a legislação permite. O que pega muito é que não temos um grupo de pesquisadores desenvolvendo estudos com profundidades de modelos que sejam aplicados. Isso acaba por dar a impressão de que a floresta gera pobreza, mas isso é um engano”, alerta.
Scarcello volta a reforçar que a única maneira de tentar construir um cenário economicamente favorável nessas unidades é a união de muito esforço e estudos para que medidas precipitadas não acabem impactando negativamente no estado.
“Tanto o estadual como o governo federal não têm recursos, muitos recursos vêm de organizações como as nossas, de parceiros internacionais que querem preservar essas áreas. Mas, a falta de capacidade para implantar afeta muito e dar essa aparência de que as unidades não dão tanto resultados positivos, mas as dificuldades estão instaladas e a gente precisa superar isso. Mas, para isso, a gente precisa de gente capacitada, conhecimento e continuidade de processos, além, claro, de recursos”, finaliza.
Equipes da SOS Amazônia no Rio Iaco, Reserva Chico Mendes na capacitação no manejo do cacau — Foto: Asscom/SOS Amazônia