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Brasil vê alta de mortes pela covid, mas problemas de registros dificultam prever tendência

Após mais de dois meses de quedas consistentes nos indicadores da pandemia da covid-19, o Brasil viu na última semana uma alta nos registros de casos e mortes. Em parte, a variação se deu por um problema nos registros, mas especialistas apontam que o cenário acende um alerta. O avanço das flexibilizações das medidas de isolamento social e o espalhamento da variante Delta, mais transmissível, são vistos como fatores de preocupação.
A média móvel diária de mortes pelo novo coronavírus completou duas semanas acima de 500, patamar que chegou a ficar em 453 no início de setembro. Desde o dia 20 de setembro, o balanço de óbitos tem apresentado alta na comparação com as duas semanas anteriores. O País registrou no último dia 24, por exemplo, aumento de 21% no indicador.



“Infelizmente, por conta dos atrasos, a gente não tem exatamente uma certeza do que está acontecendo”, explica a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Nesse contexto, ela destaca que, com a alta recente nos números, é importante acompanhar o que vai acontecer principalmente nesta semana e na próxima para entender o cenário.


“É um momento de incerteza”, acrescenta Maciel, citando também o represamento ocorrido na segunda semana do mês por atualizações no e-SUS Notifica como determinante para o aumento na média de casos. “Os registros acabam não sendo confiáveis, não estão refletindo exatamente a realidade. É um momento de preocupação e que a gente precisa avaliar pelo menos os próximos 15 dias.”


A epidemiologista reforça ainda que, com médias de 500, 600 óbitos, o País estaria “longe de dizer que tem uma pandemia controlada” mesmo se os números estivessem em queda e a vacinação com duas doses estivesse avançada. “Vimos que países que estavam com um porcentual maior de pessoas com duas doses estão enfrentando aumentos importantes de casos e de óbitos”, explica.


O problema nos registros começou a ser notado no meio de setembro, período em que gestores estaduais relataram problemas para realizar a notificação de diagnósticos confirmados de covid-19. A situação fez com que o balanço nacional apresentasse uma queda significativa de casos, o que foi considerado como um efeito do problema no sistema.


A retomada das notificações regulares, por outro lado, levou a um aumento sensível nos registros, o que fez, por exemplo, que a média de novos casos passasse de 15,5 mil para 34,1 mil em dois dias. Nesta segunda-feira, o registro nacional estava em 18,5 mil. Em meio ao sobe-e-desce, especialistas têm apontado dificuldades para enxergar uma tendência clara da curva brasileira.


Para o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, ainda é cedo para cravar que o aumento nos indicadores aponta uma nova alta. Ainda assim, ele reforça que os sinais de estabilização e até de aumento dos índices em alguns locais “acendem um sinal de alerta”. Os índices de casos e mortes, desse modo, devem ser acompanhados com cuidado.


“A queda observada por várias semanas está em risco. Vamos torcer para que a vacinação continue segurando a Delta, mas o cabo de guerra começa a pender para o lado da variante”, acrescenta Hallal, reforçando que o represamento de dados por alguns Estados acarretou em distorções principalmente no acompanhamento de casos.


Para o diretor da Fiocruz SP e professor de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Rodrigo Stabeli, a alta na média móvel de mortes da semana passada pode ser associada à chamada “endemização” da doença. “As pessoas se acostumam com a gripe leve e, se acostumando com a gripe leve, elas não vão mais se testar”, explica Stabeli.


Em meio a isso, ele destaca que, mesmo com a oscilação acarretada pelos registros de dados que estavam represados, que chegou a elevar a média móvel de casos em 100% no último dia 21, ainda pode haver uma subnotificação de diagnósticos positivos ainda maior neste momento da pandemia. Desse modo, há o espalhamento do vírus e, quando ele é detectado, normalmente é em pessoas cujo quadro é grave.


“A pessoa busca um sistema de saúde já em um momento crítico, por isso que a nossa média móvel de mortalidade tem subido”, explica o pesquisador. “É importante neste momento que seja feita uma comunicação ativa, mostrando a importância da notificação de casos e incentivando que as pessoas busquem, mesmo com síndrome gripal leve, com falta de olfato ou com dor de barriga persistente, o atendimento médico.”


Stabeli reforça que, enquanto não tem um sistema de notificações aprimorado, o País permanece com o risco de ser surpreendido e “ter um novo espalhamento dinâmico da doença de forma a saturar o sistema de saúde de novo”.


“Eu acho que a gente caminha às escuras”, aponta o pesquisador, explicando que a falta de notificação nos sistemas dos municípios também pode passar uma falsa percepção de queda nos indicadores. “Mesmo que os sintomas sejam leves, deve-se comunicar o fechamento do caso no aspecto clínico-epidemiológico. Essa prática tem caído”, complementa Stabeli.


Sistema apresentou problemas, dizem gestores

Secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula reforça que há dois sistemas distintos no Ministério da Saúde: o e-SUS Notifica, utilizado para registrar o número de casos e outros problemas de síndrome gripal, e o Sivep-Gripe, que faz a contabilização de casos graves e óbitos.


O sistema que apresentou inconsistências por conta de mudanças foi o e-SUS Notifica, o que acabou gerando principalmente represamento de casos. “Depois da mudança na estrutura dessa ferramenta, do e-SUS Notifica, os Estados passaram a recuperar dados, tanto recentes quanto antigos”, explicou Lula. Por causa disso, ele acrescenta que seria “muito difícil” fazer uma análise em relação ao número de casos nas últimas semanas.


Para casos graves e óbitos, por outro lado, que são informados no Sivep-Gripe, Lula explica que há a possibilidade de fazer análises um pouco mais consistentes, já que, ainda que esses índices também estejam sujeitos a represamentos, tem-se uma “base mais estável”. Nesse caso, o presidente do Conass destaca que o que pode ter afetado os indicadores em maior grau foi o Dia da Independência, já que feriados acarretam na diminuição do ritmo de confirmação de casos.


“É difícil comparar a situação de hoje, mas o que a gente pode considerar é que a situação da pandemia no final de setembro e início de outubro vai dar a consideração do que a gente pode ter da pandemia para frente”, explicou Lula. “As próximas semanas devem indicar se a gente vai ter ou não um recrudescimento da pandemia.”


Em São Paulo, o coordenador executivo do Comitê Científico que assessora o governo paulista, João Gabbardo, informou que não só os casos foram afetados neste mês pelo represamento de dados, como também os óbitos. Desse modo, ainda que o Estado passe por aumento na média móvel de vítimas há duas semanas, Gabbardo acredita que as últimas oscilações observadas nos indicadores são circunstanciais. “Não é algo que em um primeiro momento a gente considera uma tendência”, disse.


Em nota, o Ministério da Saúde disse que vem implementando “melhorias no sistema e-SUS Notifica para melhor atender as ações de vigilância”. “Vale informar que o sistema está estável e não há relatos de novas ocorrências.”


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