Após baixar o tom de sua retórica inflamada contra o Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em discurso numa feira agropecuária no Rio Grande do Sul que os Três Poderes da República precisam ser respeitados e que o trabalho conjunto de Executivo, Legislativo e Judiciário deve beneficiar todos os brasileiros.
Ao mesmo tempo, no entanto, Bolsonaro voltou a repetir que uma decisão do Supremo contrária à tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas acabará com o agronegócio no Brasil, informação que já foi desmentida por autoridades do próprio governo federal.
“Não podemos fazer as coisas na velocidade que muita gente quer”, disse Bolsonaro em seu discurso na 44ª Expointer, em Esteio, no Rio Grande do Sul. “Temos Três Poderes que têm que ser respeitados e buscar a melhor maneira de nos entendermos para que o produto do nosso trabalho seja estendido aos 210 milhões de habitantes.”
O presidente voltou a exaltar as manifestações do 7 de Setembro, nesta semana, quando atacou novamente o STF, especialmente os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, cobrou do presidente da corte, Luiz Fux que “enquadrasse” os colegas e ameaçou o tribunal com uma ruptura.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro, que por dois meses convocou as manifestações e incentivou a mobilização para elas, disse ter sido “só mais um na multidão”.
Depois de reações duras aos ataques e ameaças que fez – incluindo o anúncio de alguns partidos de que abririam discussões sobre o impeachment —, Bolsonaro divulgou nota na quinta-feira em que baixou o tom de sua retórica, afirmou ter feito as declarações “no calor do momento” e disse jamais ter tido a intenção de agredir as instituições.
MARCO TEMPORAL
O presidente também voltou a criticar a possibilidade de o STF rejeitar a tese do marco temporal, que prevê que indígenas só poderiam reivindicar terras que ocupavam à época da promulgação da Constituição em 1988, e repetiu alegações já desmentidas por autoridades do próprio governo.
O relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, foi o único a votar até o momento e rejeitou a tese do marco temporal. O julgamento foi suspenso e deve ser retomado na quarta-feira. Faltam os votos de nove ministros.
“Temos um problema pela frente que tem que ser resolvido. O Supremo volta a discutir uma data diferente daquela fixada há pouco tempo, conhecida como marco temporal. Se a proposta do ministro Fachin vingar será proposta a demarcação de novas áreas indígenas que equivalem a uma Região Sudeste toda, ou seja, o fim do agronegócio”, disse Bolsonaro.
Ambientalistas e defensores dos direitos indígenas afirmam, no entanto, que as áreas indígenas atualmente reivindicadas e que poderiam ser demarcadas caso seja rejeitada a tese do marco temporal têm uma extensão bem menor do que aponta Bolsonaro. Apontam ainda que as áreas indígenas sofrem menos desmatamento e que a adoção do marco temporal para a demarcação de terras privará os povos originários do direito a terras ancestrais que não ocupavam à época da promulgação da Constituição e trará insegurança aos territórios ocupados atualmente.
Além disso, a tese que a derrubada do marco temporal acabaria com o agronegócio, como diz o presidente, foi rechaçada pelo diretor de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura, Sergio De Zen. Segundo ele, a rejeição do marco temporal não deve afetar a expansão de produção agropecuária prevista para o Brasil, pois o agronegócio deve crescer com foco em produtividade e não somente por meio da expansão de áreas.