Mãe do bebê, Francisca Vitória, de 18 anos, que também tem a doença, pretende acionar a Justiça. Gael Benício estava internado no Hospital da Criança, em Rio Branco, para tomar medicação e tratar a osteogenesis imperfeita, doença rara chamada de ossos de vidro.
Gael Benício morreu no Hospital da Criança, em Rio Branco, após iniciar o tratamento contra a osteogenesis imperfeita.
“Meu coração está despedaçado, era o único filho que eu tinha”. O desabafo é da jovem Francisca Vitória Tavares, de 18 anos, mãe do bebê Gael Benício, de 11 meses, que morreu de parada cardiorrespiratória, pneumonia e infecção hospitalar nessa quinta-feira (16). Assim como a mãe, Gael tinha osteogenesis imperfeita, doença genética rara chamada de ossos de vidro.
Gael e Francisca deram entrada no Hospital da Criança, em Rio Branco, no último dia 6 para começar o tratamento contra a doença. Segundo a mãe, que já tomou a medicação antes do filho nascer, o ideal seria que eles ficassem internados até três dias e depois recebessem alta.
Porém, no dia em que Gael ia receber alta, ele começou a apresentar um quadro de pneumonia, foi http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrado antibiótico, mas o bebê não melhorou e acabou pegando também uma infecção.
Na quarta (15), Gael teve algumas paradas cardíacas, foi ressuscitado e levado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. Já na manhã de quinta [16] Francisca Vitória foi avisada de que o filho não tinha resistido e morreu.
“Começaram a tratar a pneumonia com um antibiótico que não estava fazendo efeito, passaram quatro dias dando um antibiótico que não resolvia e ele só piorava. Foi o tempo de a infecção tomar conta do corpo dele inteiro”, desabafou.
“Ali [ Hospital da Criança] é um descaso total, porque para fazer um curativo no PIC dele [pressão intracraniana] era de quatro em quatro dias, sendo que era para fazer de dois em dois dias. Ele estava bem quando nos internamos, até o cálcio dele estava bom, mesmo sem tomar o medicamento”, criticou.
O G1 entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre) e aguarda retorno.
Negligência
Para a mãe, houve negligência por parte da equipe que cuidou de Gael porque o quadro de saúde do filho foi se agravando quando ele estava no hospital. Ela diz que era para o filho ter recebido alta médica logo no terceiro dia, o que poderia evitado que ele ficasse doente e morresse.
Francisca afirmou ainda que o braço esquerdo do filho foi quebrado quando uma enfermeira foi retirar o sangue dele.
“A gente explicava como era para pegar, mas diziam: ‘A gente sabe, mãezinha’. Sabiam tanto que machucaram ele. Tiravam sangue dele todos os dias, ele parou de fazer xixi, ficou inchado e os médicos viam isso. Falaram que era por causa dos remédios, do soro, mas não. Era a infecção tomando conta dele. A médica da UTI falou que estava com uma infecção grave e não trataram direito”, lamentou.
Gael ficou internado para tomar a medicação e morreu após pegar pneumonia e infecção
Processo
Nesta sexta (17), Francisca disse que foi até o Hospital da Criança pedir o prontuário médico do filho. Ela vai pegar a documentação e pretende processar a unidade de saúde por negligência.
“Pedi o prontuário dele e deram sete dias para ficar pronto. Pretendo processar o hospital porque não aceito isso. Meu filho estava bem, só foi para tomar uma medicação e saiu morto. Só eu e minha família sabemos como está sendo doloroso, porque o Gael era uma criança que tinha vontade de viver, não tinha nada além dos problemas dos ossos”, acusou.
Ainda segundo a jovem, Gael completou 11 meses dentro do hospital e foi no mesmo dia em que teve a primeira parada cardíaca, na quarta (15). “Ele veio inesperadamente. Quando decidi ter ele queria que ele vivesse como eu. Me deram cinco anos de vida, hoje tenho 18. Queria muito que tivesse oportunidade, uma vida, mas aconteceu isso. Se tivessem cuidado melhor dele como merecia estaria vivo”, disse emocionada.
Francisca Vitória disse que sua mãe soube que ela nasceria com a doença ainda na gravidez. Os médicos informaram à mãe da menina que ela teria um problema de saúde, mas o diagnóstico da doença rara chamada de ossos de vidro, veio após o nascimento. A expectativa era de que a jovem chegasse somente até o quinto ano de vida.
Assim como a mãe, Francisca também soube que o filho teria ossos de vidro quando estava grávida.
Aos 18 anos, Francisca Vitória Tavares tinha expectativa de vida até os cincos anos
Gravidez
A gestação de Gael não foi planejada. Francisca Vitória sempre teve o sonho de ser mãe, mas tinha receio devido à sua condição de saúde. Ela também sabia que existia 50% de chance de a criança nascer também com a doença rara, uma vez que é genética.
Aos seis meses de gestação, mesmo período em que sua mãe recebeu a notícia de que ela nasceria com alguma doença, Francisca descobriu que o filho também iria nascer com a doença dos ossos de vidro.
Ela contou ao G1, em julho deste ano, que seu maior medo durante a gestação era de que o bebê não resistisse. Existia ainda a possibilidade de ela não aguentar ir até o último mês de gravidez, por conta das fortes dores na coluna.
“Meu maior medo era que o neném ou eu não sobrevivêssemos, era uma cirurgia muito delicada. Ele nasceu com 35 centímetros e 1,5 kg, passou um dia na UTI, um mês na incubadora e sete dias no leito da enfermaria até ir para casa. Foi bem complicado. Na gestação, eu sentia muita dor na coluna, tinha dia que não conseguia nem sentar, ficava só deitada”, conta.
Além das dificuldades por causa da doença, Francisca descobriu que tinha sido contaminada pela Covid-19 ainda quando estava grávida e teve que passar duas semanas internada em um hospital
Com o mesmo diagnóstico da mãe, o bebê teve ao menos 13 fraturas pelo corpo desde que nasceu.
“Lembro quando eu fraturava, sentia muita dor, sei o que ele está passando, vivi a mesma coisa. É tudo inesperado, a gente tem uma fratura do nada, até com um espirro, ou em pegar nele já pode fraturar.”
Jovem com ‘ossos de vidro’ no Acre sonha em ser pediatra — Foto: Arquivo pessoal
Jovem com ‘ossos de vidro’ no Acre sonha em ser pediatra — Foto: Arquivo pessoal
Tratamento
Francisca Vitória e o filho tinham começado a tomar o remédio contra a doença, que não tem cura. O medicamento só foi disponibilizado pela Saúde do Acre após a intervenção da Promotoria de Saúde do Ministério Público do Estado (MP-AC).
A médica endocrinologista Catarina de Souza, que acompanha o caso de Francisca e do filho há algum tempo, disse que também esteve no hospital e acompanhou a internação da mãe e do bebê. Ela confirmou que os dois iriam receber alta depois do terceiro dia de medicação, mas Gael começou a ter febre e os médicos descobriram a pneumonia e a infecção.
“Conseguimos o remédio depois que acionamos o promotor Gláucio. Eles iriam tomar outra dose em dois meses. Já estamos com as medicações certas para os próximos meses. Toda vez que faz a dose da medicação, ainda mais nesse caso que é grave, existe o risco. Tomamos todos os cuidados, e por isso é preciso ficar internado, é feito o controle diário, feito exames, não pode dar alta imediatamente. Sabemos que existe o risco”, explicou.
Doença dos ossos de vidro
A osteogênesis imperfeita é uma doença genética e rara. Segundo a médica geneticista Bethania Ribeiro, que acompanha o caso de Vitória desde quando ela era criança, durante a gravidez e no parto, mesmo com a doença, é possível a mulher levar uma gestação adiante, no entanto, se trata de uma gravidez de risco.
“Eles têm estrutura corporal menor, mais riscos de fraturas, a criança realmente tem 50% de chance de nascer também com a doença, igual aconteceu com ela, o risco é alto. Ele foi diagnosticado por volta do sexto mês de gestação. Não foi feito o teste genético, fizemos o raio-x e foi constatado clinicamente, igual a mãe dele, porque esse teste não tem pelo SUS, e é caro”, afirmou a especialista.
A médica afirma que existem pelo menos 11 tipos descritos da doença. A explicação para a ocorrência da doença vai depender do tipo.
Tanto Vitória como o filho têm diagnóstico do tipo 3 de osteogenesis imperfeita, que é uma das formas mais severas da doença. Com relação a esse tipo, a médica conta que esse é o primeiro caso de mãe e filho com a doença dos ossos de vidro que ela tem conhecimento no Acre. Ainda segundo a especialista, no estado existem ao menos 10 casos da doença.