Abrigo já vacinou mais de 100 imigrantes contra Covid em Rio Branco para que sigam viagem

Grupos de direitos humanos que acompanham a crise humanitária no Acre já haviam alertado para o aumento do fluxo da entrada de imigrantes no estado, já que o Peru, país vizinho, decidiu deportar todos aqueles que não estivessem com a documentação regularizada no país.


Com isso, a casa de passagem em Assis Brasil já começou a registrar o aumento do fluxo, assim como o abrigo da capital, montado na Chácara Aliança. E, além de tirar a documentação para que esses grupos sigam viagem, o abrigo também está vacinando os imigrantes com a primeira dose da vacina contra a Covid. Ao todo, 101 imigrantes já foram vacinados no local.


A coordenação do abrigo explica que, quando os imigrantes não conseguem tirar toda a documentação na fronteira, eles são encaminhados para a capital. Atualmente, há 37 imigrantes no abrigo de Rio Branco e mais 15 estão previstos para chegarem na segunda-feira (20).


Ao desembarcar na capital, eles passam por testes rápidos e recebem apoio da Secretaria de Assistência Social, dos Direitos Humanos e Políticas para as Mulheres (SEASDHM) para que sigam os trâmites e sigam viagem.


Assim como na fronteira, o fluxo dentro do abrigo é rotativo. São, em sua maioria, venezuelanos que foram expulsos do Peru e agora tentam reencontrar algum familiar que mora no Brasil. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) oferece as passagens aéreas para que eles sigam viagem.


“Aqui nós legalizamos eles no país para que possam seguir viagem. Damos assistência, três refeições, local para dormirem e estamos com a parceira com a Unidade de Saúde Francisco Roney Meireles, para caso precisem de atendimento e também para a aplicação da vacina contra a Covid”, explica o coordenador do abrigo na capital, Cristian Souza.


Uma ação foi feita na última terça-feira (15) no abrigo justamente para essa vacinação. Antes disso, o local estava acomodando os indígenas venezuelanos Warao e foram 67 deles vacinados. Agora, com a chegada dos novos grupos, mais 37 tomaram a primeira dose, totalizando assim 101 imigrantes vacinados contra a Covid.


“Nós vamos vacinar os que estão por vir também. Até porque o fluxo tem aumentado, mas estamos tentando manter essa organização, mantendo todos os procedimentos. A gente já tira a carteira do SUS e já vacina, até para prevenção deles e para que possam seguir viagem”, pontua.


Para que seja autorizado a seguir para outros estados, a OIM exige que o imigrante passe o nome de algum familiar que vai o receber no estado que quer ir. Isso, segundo o coordenador, evita que ele fique em vulnerabilidade social.


“Eles passam nome, endereço e telefone e a gente liga para esse parente para organizar essa ida dele até lá para que esses grupos não fiquem nas ruas”, diz.


Acre: porta de entrada e saída

O Peru segue com as fronteiras fechadas, porém os grupos dos migrantes tentam achar rotas alternativas para chegar ao Brasil ou sair dele, por isso, o Acre se torna uma das principais rotas dessas passagem.


São duas situações que fazem com que o número de imigrantes cresça na cidade de Assis Brasil; a primeira, a de migrantes que entraram no Brasil entre 2010 e 2016 em busca de uma vida melhor e, com a crise da pandemia, tentam sair do país para seguir viagem até México, Canadá, Estados Unidos e outros países.


A segunda é que o Peru, mesmo fechando a passagem para a entrada de imigrantes, libera a saída deles para o lado brasileiro, então, é uma porta de entrada para venezuelanos. Nos últimos dias, uma nova decisão do governo peruano fez com que mais venezuelanos cheguem ao estado acreano.


Segundo o departamento de proteção e defesa dos direitos humanos, o governo do país vizinho determinou um prazo para que todos os migrantes que não estejam com a documentação regularizada saiam do Peru. O consulado peruano não se manifesta sobre o assunto.


O estado nesses casos também conta a sociedade civil organizada, como a Pastoral do Migrante da Cáritas Diocesana. Esse grupo faz o trabalho de acolhimento, suporte e consegue mantimentos para esses estrangeiros.


Um dos casos mais marcantes da pressão peruana em cima dos migrante é do haitiano Jacquenue Bosquet, de 36 anos, que ficou paraplégico após ser obrigado a se jogar da Ponte da Integração, que liga a cidade de Iñapari, no Peru, a Assis Brasil, no Acre. Ele recebeu alta da Fundação Hospitalar do Acre (Fundhacre) no dia 16 de agosto.


Ele contou às autoridades acreanas que foi obrigado a se jogar da ponte pela polícia peruana no dia 24 de julho.


Ponte ficou fechada para passagem de imigrantes de Assis Brasil para o Peru este ano — Foto: Arquivo/Prefeitura

Ponte ficou fechada para passagem de imigrantes de Assis Brasil para o Peru este ano — Foto: Arquivo/Prefeitura


Nova casa de passagem

Aurinete Brasil, vice-coordenadora da pastoral, diz que foram iniciados novos projetos junto com as Cáritas suíças, quando serão desenvolvidas ações para garantir a proteção e garantia de direitos a esses grupos. Ela diz ainda que o aumento na fronteira já é significativo.


“Quando esse migrante chega, precisamos detectar quais são as necessidades emergenciais, porque muitas vezes o serviço público não tem aquele atendimento imediato na fronteira. Como por exemplo, na semana passada, tinha um migrante com o pé quebrado e tinha que ser feito todo um procedimento para ele ser atendido em Brasileia ou Rio Branco”, relembrou.


Esse novo projeto da grupo possibilita que transportes e outros tipos de suporte possam ser pagos pelas cáritas. “Por meio desse projeto, nós podemos, no caso de não ter ambulância, conseguir esse transporte mais rápido por lotação. Claro que isso não se aplica a casos mais graves.”


Aurinete destaca ainda que a pastoral faz um trabalho de articulação entre as secretarias municipais e estadual para que os migrantes possam ter os direitos básicos garantidos a qualquer cidadão que esteja em território brasileiro.


“Nós também vamos garantir oficinas para que eles entendam os direitos e deveres do Brasil. A inserção no mercado de trabalho também é importante e é necessário ter essa garantia no âmbito estadual e intermunicipal, então esse projeto traz isso, trabalha esse eixo de proteção”.


Outra questão levantada pela pastoral é o fortalecimento de suporte nas cidades de fronteira que recebem essa demanda. Para a coordenadora, é necessário também a implantação de uma nova casa de passagem em Brasileia.


“A casa de passagem em Brasileia se faz urgente e emergente. Não dá para continuar da forma como está na fronteira. Porque Assis Brasil, a duras penas, está conseguindo manter a casa de passagem, mas o espaço não é muito grande, não comporta muita gente, então precisava que a gente desse um apoio maior para fluir, para que essas pessoas não fiquem ali represadas em Assis Brasil”, enfatiza.


Ela diz ainda que a criação do Comitê Estadual de Apoio aos Migrantes, Apátridas e Refugiados (Ceamar-AC) foi um grande passo para novas articulações entre os órgãos.


Venezuelanos estão sendo expulsos do Peru, diz departamento dos Direitos Humanos  — Foto: Quedinei Correia/Arquivo pessoal

Venezuelanos estão sendo expulsos do Peru, diz departamento dos Direitos Humanos — Foto: Quedinei Correia/Arquivo pessoal


Comitê

Criado pelo decreto 7.357 de novembro do ano passado, o Comitê Estadual de Apoio aos Migrantes, Apátridas e Refugiados (Ceamar-AC) tem visitado as principais cidades de fronteira para começar a discutir políticas públicas para esses migrantes.


Maria da Luz, chefe do departamento de proteção e defesa dos Direitos Humanos, diz que foi feita uma viagem na fronteira na semana passada e o comitê conversou com os departamentos de assistência social dos municípios da fronteira e isso acabou fazendo parte de um relatório.


“Levantamos algumas questões interessantes e vamos fazer seminários de capacitação para equipes de todos os municípios. Começamos a planejar isso. Colhemos que tipo de assistência é dada a esses migrantes e o que o Estado precisa dar suporte, junto com o governo federal, para que os municípios façam esse trabalho”, explica.


Assim como Aurinete, Maria da Luz acredita que o clima de tensão no Peru entre o governo e os migrantes vai fazer com que essa demanda aumente ainda mais no lado brasileiro. Por isso, o comitê tem se reunidor e traçado algumas estratégias junto com órgãos municipais e também grupos como a pastoral do migrante.


“O Peru fechou a fronteira por mais 180 dias, então temos ainda até o final do ano de entrada desses migrantes por meio convencionais ou não. Os migrantes que não têm condição de pagar essa regularização do Peru, que, segundo eles próprios, sai muito cara, estão sendo expurgados e a gente já sente o resultado disso”, pontua.


Diariamente, estão entrando entre oito a 10 migrantes por dia por Assis Brasil. Porém, a coordenadora do departamento de Direitos Humanos diz que os migrantes já estão cientes da dificuldade do lado peruano e que isso deve aumentar esse fluxo não só em Assis Brasil, mas em outras cidades.


Ela destaca que a construção de uma casa de passagem em Brasileia já foi tema de debate, mas que estratégias devem começar a ser definidas de forma mais efetiva após o comitê se reunir com os representantes de assistência social de todas essas cidades para poder traçar estratégias mais eficazes.


Imigrantes Assis Brasil, Acre furante ocupação da ponte este ano  — Foto: Raylanderson Frota

Imigrantes Assis Brasil, Acre furante ocupação da ponte este ano — Foto: Raylanderson Frota


Crise humanitária

A situação dos imigrantes começou a ficar tensa no interior do Acre no dia 14 de fevereiro, quando eles deixaram os abrigos que ocupavam e se concentraram na Ponte da Integração. No dia 16, os estrangeiros enfrentaram a polícia peruana e invadiram a cidade de Iñapari, no lado peruano da fronteira. Depois de confronto, o grupo foi mandado de volta para Assis Brasil.


Os estrangeiros que estão na cidade tentam sair do Brasil usando o Acre como rota. A ponte já chegou a ser ocupada por pelo menos 300 imigrantes, na maioria haitianos. Mais de 130 caminhões chegaram a ficar retidos tanto do lado brasileiro como no peruano e o prejuízo é calculado em mais de R$ 600 mil.


A crise imigratória resultou na visita do secretário Nacional de Assistência Social, do Ministério da Cidadania, Miguel Ângelo Gomes, que esteve no dia 19 de março em Assis Brasil para ver a situação.


Gomes se reuniu com o governador da Província de Madre De Dios, Luis Guillermo Hidalgo Okimura, e o prefeito de Iñapari, Abraão Cardoso. Na conversa, segundo a Agência do Governo do Acre, as autoridades peruanas informaram que o país avaliava uma forma de abrir a fronteira para liberar a passagem dos imigrantes.


Foi então que a União pediu a reintegração de posse contra os imigrantes que estavam acampados na ponte e a Justiça Federal deferiu o pedido no início de março. Desde então, o número de imigrantes na cidade do interior do Acre reduziu muito e a prefeitura desativou os abrigos montados em escolas. Um novo abrigo, com capacidade para 50 pessoas, foi instalado para receber os imigrantes que chegam ao município.


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