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Faz mal comer cera, meleca, unha e cabelo? O que está por trás dos hábitos

Apesar de fazerem parte do nosso corpo e serem produzidas por ele, secreções e estruturas queratinizadas (unhas, cabelos) não devem ser arrancadas e muito menos engolidas
Os motivos variam, mas em comum esses hábitos fazem mal à saúde e alguns deles estão relacionados até com doenças da mesma família do TOC (Transtorno obsessivo compulsivo).
“É o caso dos impulsos de arrancar fios de cabelo [tricotilomania] e roer unhas [onicofagia] recorrentemente. Grande parte dos que arrancam cabelos, de 30% a 40% ainda engolem os fios [tricofagia]. Já os hábitos de enfiar o dedo no nariz e ouvido não são descritos na literatura psiquiátrica, embora sejam socialmente inadequados e desaconselhados pelos riscos”, aponta Eduardo Perin, psiquiatra pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista pelo Ambulatório de Ansiedade do HC (Hospital das Clínicas) da USP (Universidade de São Paulo).


Engolir cabelo pode levar à cirurgia

Em termos dermatológicos, a tricotilomania pode desencadear irritação, coceira e ferimentos no couro cabeludo, danos permanentes nos folículos e queda de cabelo. Agora, os efeitos de engolir fios ocorrem principalmente no aparelho gastrointestinal e são mais graves.
“É muito comum ocorrer uma patologia conhecida como tricobezoar gástrico intestinal, caracterizada pelo acúmulo de cabelos ou pelos nessa região. Esse ‘bolo’ se forma ao longo do tempo, varia de acordo com a intensidade do hábito e como não é digerível, começa a reter pela mucosa gástrica e, aos poucos, se entrelaça e acumula a alguns conteúdos da dieta até aumentar de volume, originando uma massa densa”, explica Juliana Toma, dermatologista pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista em tricologia pelo HC-FMUSP.
O resultado são complicações como cólica, anemia, icterícia obstrutiva, constipação, diarreia, gastrite crônica, perfuração gástrica ou intestinal e pancreatite. Em decorrência dos danos visíveis, quem sofre com esse transtorno também costuma relatar problemas de autoestima e socialização.
“Estágios mais graves requerem cirurgia para retirar toda a massa sólida e acompanhamento com gastroenterologista e tratamento psiquiátrico”, acrescenta Toma.


Roer unhas causa lesões, infecções e refluxo

Parece inofensivo, mas mordiscar as unhas também causa vários estragos. A começar pelas mãos, uma inflamação de todo o tecido ao redor da unha (paroníquia). Essa área então, além de lesionada, ganha aspecto de unha encravada, com vermelhidão, inchaço, dor e pode produzir pus, sangrar e evoluir para uma infecção nos ossos (osteomielite) e deformidades.
“O ato repetitivo de mordiscar as unhas, ou mesmo pontas de lápis e canetas, afeta todo um sistema que abrange ossos, músculos, nervos, vasos sanguíneos, língua e dentes. Dessa forma, vira um fator de risco para o desenvolvimento de uma DTM [disfunção temporomandibular], cujos sintomas incluem dificuldade para mastigar alimentos, abrir a boca, além de zumbidos nos ouvidos”, informa Carla Guth, psicóloga especializada pelo Instituto Sedes Sapientiae.
Não para por aí. Na maioria das vezes, quem rói unhas não percebe o que está fazendo e nem o estado delas. Assim, ao colocá-las na boca, transporta centenas de microrganismos para dentro de si e pode sofrer desde uma infecção no sistema digestório e crises de diarreia, a contrair herpes, sapinho e faringite.
“Outra consequência é irritar o trato gastrointestinal, que pode aumentar a produção de suco gástrico, levando a episódios de refluxo“, diz Juliana Toma.


Dedos contaminam e ferem narinas e ouvidos

Imagine você tirando sujeira úmida retida em um filtro e colocando na boca. É parecido e tão nojento como degustar meleca de nariz e cera de ouvido. Não se esqueça que essas regiões servem como filtros naturais contra micro invasores externos e produzem secreções que misturam água, mas também bactérias, sebo, restos de pele descamada, poluentes e pelos.
“Sem falar que esses hábitos, involuntariamente, podem provocar inflamações e lesões no canal auditivo e no septo nasal, causando formação de crostas e sangramentos. Em casos mais severos, pode ocorrer ainda lesões crônicas e evolução para perfurações. Enfiar o dedo nesses orifícios também transporta germes de fora para dentro, facilitando infecções, estando as vias aéreas mais suscetíveis”, adverte Andy Vicente, otorrinolaringologista do Hospital Cema, em São Paulo.
O médico recomenda fazer a limpeza das narinas como uma lavagem utilizando soro fisiológico 0,9% em temperatura ambiente e que pode ser introduzido por spray, jato contínuo ou seringa sem agulha.
Quanto aos ouvidos, a higienização deve ocorrer após o banho, com uma toalha para secá-los e apenas a ponta do dedo introduzida. Se o excesso de cera estiver atrapalhando a audição, o ideal é procurar um otorrinolaringologista para uma remoção correta e segura.


O que escondem esses hábitos?

Busca por satisfação, prazer e relaxamento para estresse, ansiedade e tédio. Geralmente quem desenvolve e mantém comportamentos compulsivos, que estão relacionados a fatores genéticos e ambientais, ainda não muito bem definidos e sem conseguir controlar e resolver o que se sente, busca uma forma de fugir, ou sanar automaticamente problemas, curiosidades, altas expectativas, ou apresenta dificuldade em planejar e executar tarefas.
“Em se tratando da tricotilomania, existem dois tipos. O primeiro se inicia precocemente, ainda bebê, e tende a diminuir ou desaparecer com o tempo. O outro tipo começa no início da adolescência ou da fase adulta e tem um prognóstico pior, pois tende a permanecer ao longo da vida e acarreta problemas. Em relação à onicofagia, geralmente se inicia no final da infância, início da adolescência, e permanece crônica ao longo da vida”, esclarece o psiquiatra Perin.
E não pense que repreender, ou criticar é o melhor a se fazer. Pelo contrário, a fazer isso maior é a chance dessas manias serem repetidas, pois depois delas vêm a sensação de culpa, que gera ansiedade, estresse e um ciclo vicioso. A recomendação é ignorar esses comportamentos enquanto ocorrem e depois perguntar à pessoa o que ela sente, para entender seus motivos.
“A busca por ajuda deve acontecer quando o comportamento afeta a saúde física e emocional, a qualidade de vida, a produtividade e as relações sociais. Por isso, é preciso identificá-lo o quanto antes e pensar em estratégias para evitar o momento dos ‘gatilhos’. Novas atividades, medição, ioga. Muitas vezes, o tratamento é interdisciplinar e deve envolver a família, o psicólogo e o psiquiatra e mesmo professores de terapias complementares”, indica Carla Guth.


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