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Com órgãos ambientais enfraquecidos, Acre registra 2.140 focos de incêndios e pode alcançar maior nº dos últimos sete anos

Fumaça e o avanço de queimadas no Acre no período de estiagem não são novidades, mas os altos números de incêndios se aproximam de um triste recorde este ano. Dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), baseados em satélites, apontam que até essa terça-feira (17), o estado acreano registrou 2.140 focos de incêndio.


O número já é maior do que todo o acumulado do ano passado, que fechou com 1.641 ocorrências – um aumento de 30% em menos de um ano. Os números deste ano só ficam atrás de 2019, quando foram 2.240 registros durante o período.


As queimadas e fumaça são recorrentes todos os anos, porém, têm avançado e preocupam também por conta da pandemia, já que impactam diretamente na saúde pública por conta das doenças respiratórias.


O G1 conversou com especialistas e também com os órgãos governamentais para tentar entender o que tem tornado propício esse crescente aumento não só de queimadas, mas também do desmatamento.


Queda nas multas

Foram procurados os órgãos ambientais que atuam no estado para saber o número de autuações feitas nos primeiros meses deste ano com relação aos crimes ambientais.


O Instituto de Meio Ambiente no Acre (Imac) informou que, do dia 1º de janeiro até o dia 23 de julho, foram feitos 74 autos de infração entre multas simples, embargos e apreensões, totalizando o valor de mais de R$ 3 milhões em multa.


O número já apresenta uma queda com relação a anos anteriores. Como quando comparado com 2018, que entre janeiro a 14 de agosto já registrava pelo menos 119 autos de infração.


A redução também pode ser atribuída ao próprio posicionamento do governador do Acre, Gladson Cameli, que em um evento em 2019 pediu que as pessoas não pagassem multas expedidas pelo Imac, enfraquecendo assim a autarquia.


Durante o anúncio da “Operação Ramais do Acre 2019”, em Sena Madureira, no interior do Acre, Cameli se reuniu com diversos produtores rurais e orientou.


“Quem for da zona rural e o Imac tiver multando alguém, me avise, porque não vou permitir que venham prejudicar quem quer trabalhar. Me avise e não pague nenhuma multa, porque quem está mandando agora sou eu. Vou pedir a Assembleia, vou mandar estudar lá [Transacreana], porque não sei de tudo, pra ver como são os trâmites, mas não pague, não. Eu que tô mandando porque estão lá porque sou eu que nomeio. Não pague, quem manda sou eu”, disse ao se referir aos agentes do Imac na época.


Desde então, percebe-se enfraquecimento nas medidas punitivas no estado, por mais que o Imac negue. O instituto alega que este ano foram feitas cerca de 15 missões nos municípios de Acrelândia, Bujari, Sena Madureira, Plácido de Castro, Porto Acre, Tarauacá e Xapuri.


Uma das operações maiores se deu no município de Acrelândia no ramal Eletrônica, denominada Operação Curupira, onde os técnicos da Divisão de controle Ambiental (DCOAM) apreenderam máquinas e madeira retirada de forma ilegal.


Outro problema pontual do Imac é a falta de fiscais para cobrir as cinco regionais do estado. Muitos servidores foram realocados em outras secretarias e os que tem hoje – tanto no núcleo de Cruzeiro do Sul como da capital – seguem sendo insuficiente.


O presidente do Imac, André Hassem, reconhece esse deficit, mas garantiu que logo em breve deve ser feito um processo seletivo para que mais fiscais estejam em campo.


“O Imac é responsável por toda a área rural do estado e dentro dessas áreas as queimadas diminuíram, a área rural não mais queima e diminuiu também a questão das derrubadas. Encaminhamos para a Procuradoria Geral do Estado (PGE-AC) e o Ministério Público do Acre (MP-AC) deu a recomendação que precisamos fazer concurso, contratar técnicos para o Imac, porque nós que defendemos a área ambiental, defendemos a população desta área e estamos preparando um seletivo no Imac para que possa atender e suprir demandas e contratar profissionais”, destaca.


Diante dessa falta de profissionais, Hassem disse que publicou uma portaria em que torna todos os servidores fiscais, segundo ele são 30.


“Mas, o estado cresceu, ele é grande, são cinco regionais, mas estamos atendendo com o que temos”, pontua.


O presidente diz ainda que as queimadas têm sido registradas mais em áreas urbanas e não na rural – que é onde o Imac atua. Porém, pesquisadores alegam que não é bem assim.


Já dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), disponíveis para consulta pública, mostram que foram aplicadas pelo menos 78 multas relacionadas a crimes contra a flora. O G1 tentou obter mais detalhes, mas não recebeu retorno até esta publicação.


O mesmo aconteceu com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mas, pelos dados disponíveis, oito multas ocorreram em unidades de conservação ambiental – áreas de responsabilidade do instituto.


Em outra ponta, a Secretaria de Meio Ambiente em Rio Branco diz que foram aplicadas, apenas este ano, mais de 50 multas e 27 estão com recurso em análise.


“Pelo histórico que a gente tem dos dados, daqui pra frente vai entrar muitas queimadas das áreas rurais, as queimadas urbanas vão continuar, porque tem lugares que já queimaram e queimaram pela segunda vez . Providências têm sido tomadas diariamente, nós temos quatro equipes na rua, estamos com o pessoal de educação ambiental, permanentemente com o Ministério Público, Polícia Militar e com o Corpo de Bombeiros”, garante o secretário de Meio Ambiente da capital, Normando Sales.


Rio Branco completou 51 dias sem chuva — Foto: Juan Diaz/Arquivo pessoal

Rio Branco completou 51 dias sem chuva — Foto: Juan Diaz/Arquivo pessoal


Recomendação do MP-AC

Já existe, desde o ano passado, uma recomendação do Ministério Público do Acre (MP-AC) onde o órgão aponta diversas medidas que devem ser tomadas pelo governo do estado; entre elas: a contratação de mais pessoas para o setor de meio ambiente.


“A realização de estudo para tanto e efetiva reestruturação dos órgãos e entidades ambientais do Estado (Sema, Imac, Batalhão Ambiental, notadamente), tanto em pessoal (fiscal e http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrativo), quanto de condições físicas de trabalho e materiais tecnológicos adequados”, diz o documento assinado pelos promotores.


Além disso, o documento pede ainda a divulgação e planejamento adequados das verbas oriundas de organismos internacionais, a fim de que seja dada sua destinação efetiva, em benefício da regularização fundiária e da preservação ambiental no estado.


“Que sejam realizados estudos técnicos de viabilidade econômica em novas fontes de renda no meio rural, notadamente a agrofloresta, ante a constatação de estudos recentes de que tal prática apresenta rendimentos melhores que a agropecuária extensiva e o cultivo de soja”, destaca.


Decreto federal proíbe queimada na Amazônia e Pantanal, mas não é respeitado  — Foto: Asscom/PM-AC

Decreto federal proíbe queimada na Amazônia e Pantanal, mas não é respeitado — Foto: Asscom/PM-AC


Queimada zero

Todo esse aumento é registrado, mesmo com a prática tendo sido proibida – em qualquer circunstância – no dia 29 de junho por um decreto do governo federal. A medida foi tomada devido ao início do período de seca e de aumento das queimadas em regiões como a Amazônia e o Pantanal.


De janeiro até 18 de agosto, os Bombeiros atenderam 2.771 chamados de ocorrências de queimadas em vegetações no Acre. Destes, mais de 2,1 mil foram em Rio Branco.


Sonaira da Silva, engenheira agrônoma e doutora em ciências florestais tropicais e uma das principais pesquisadoras do fogo na Amazônia Sul Ocidental, diz que, apesar do decreto, o que incentiva as queimadas é justamente a ausência do Estado e das políticas públicas voltadas para combater essas práticas.


Ela diz ainda que os registros de queimadas não são maiores na cidade. Segundo ela, o fogo em áreas rurais continuam sendo os maiores protagonistas desta triste marca.


“A gente tem um decreto nacional de queimada zero, mas a falta de fiscalização mais intensiva das multas deixa uma sensação aos agricultores de que não tem problema, é como se fosse a multa de trânsito, se você não é multado, você se sente tranquilo para repetir. As queimadas urbanas existem, mas não são elas que geram esse impacto que a gente vê; as queimadas rurais são em maior número e impactam maior área. Em torno de Rio Branco realmente tem queimadas, mas em termos de área ela é muito menor do que se queima na zona rural”, explica.


Sonaira diz ainda que é necessário criar estratégias para que alternativas cheguem até às pessoas que usam a terra. Segundo ela, essa é a única forma de começar a mudar este cenário a longo prazo.


“Falta fortalecimento de políticas públicas do estado de forma ampla, porque as queimadas eram tidas só como problemas ambientais, mas a queimada é um problema que aponta falta de gerência agrícola, se tem órgãos envolvidos em diversos estudos, como melhorias de pastagem, genética e outras práticas, isso precisa chegar aos agricultores. Porque, se ele não recebe essa assistência, ele vai continuar usando o que sempre usou e dá certo, que é o fogo. Só que o clima mudou e o que faziam no passado vai piorando e traz outros prejuízos para todos”, destaca.


Órgãos enfraquecidos

Wendeson Castro, da coordenação do Projeto Brigadas Amazônia da SOS Amazônia, reforça o que Sonaira disse. Para ele, o ambiente político tem contribuído para esse aumento de queimadas.


“O ambiente político tem um certo estímulo com relação à questão da agenda ambiental que tem sido colocada em segundo plano. Algumas medidas consideramos, inclusive, um retrocesso. As queimadas não são algo que acontecem agora, mas esse ambiente acaba servindo de estímulo para que as pessoas façam essas práticas ilegais”, pontua.


Outro fator crucial é a falta do Estado constantemente no que diz respeito à educação ambiental.


“Se já temos um ambiente estimulado e de negligência, essas pessoas se sentem encorajadas e sabem que não acontece fiscalização. Outro fator que acaba somando é o enfraquecimento dos órgãos ambientais, que é decisivo nessa questão.”


Para ele, a falta de incentivos fiscais e verbas para os setores que fiscalizam e orientam acaba afetando diretamente medidas que poderiam amenizar esse impacto.


“Temos poucos recursos e mesmo assim não são usados como deveriam. Já na escala estadual, o que deveria ser feito é esse corpo a corpo das equipes nas comunidades. A presença do Estado, orientando e punindo quando necessário, é crucial”, finaliza.


Difícil respirar

A cortina de fumaça sobre as cidades acreanas deixam a respiração difícil. O Acre acumula, nos seis primeiros meses deste ano, 291 mortes causadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), causado por diversos vírus. O número é maior do que o registrado no mesmo período do ano passado e não inclui mortes pela Covid-19.


Os dados são do Departamento de Vigilância e Saúde da Secretaria Estadual de Saúde (Sesacre) que no ano passado, nos primeiros seis meses do ano, registram 251 mortes por doenças respiratórias. O aumento de mortes neste ano foi de 16%, comparando 2020 e 2021.


Tudo isso em meio a uma pandemia. O monitoramento constante da qualidade do ar no Acre, mostra que os meses de agosto a outubro são críticos; 14 de 22 municípios apresentaram médias diárias duas ou três vezes acima da recomendação da Organização Mundial da Saúde.


Rio Acre em Assis Brasil está seco — Foto: Alexandre Lima/arquivo pessoal

Rio Acre em Assis Brasil está seco — Foto: Alexandre Lima/arquivo pessoal


Sonaira, que acompanha esse monitoramento de perto, diz que a falta de chuvas tem potencializado o problema. Segundo a Defesa Civil Municipal, Rio Branco completou 51 dias sem registrar chuvas. Devido à seca, o Rio Acre está em alerta máximo em quatro cidades do estado. Na capital, ele está a 1,44 metro.


Ela explica que, apesar de o Acre estar queimando muito, a fumaça que encobre o estado também vem de outros lugares, como Pará e Mato Grosso.


“Devido ao vento, não só quem está queimando está respirando essa fumaça. O aumento no desmatamento também faz gerar mais queimada e setembro tende ser um mês ainda mais crítico”, alerta.


Desmatamento e delegacia especializada

O desmatamento também teve aumento e isso interfere diretamente no número de queimadas. Dados do Imazon apontam que em junho, data do último boletim, foram desmatados no Acre 86 km² – um aumento de 48% com relação ao mesmo período do ano passado, quando foram 58 km².


Grupos criminosos também atuam em propriedades rurais para invadir e furtar madeira. Em um ano, o Batalhão Ambiental registrou um aumento de 150% dessas ocorrências.


Derrubadas ilegais também acabam contribuindo para o aumento de queimadas no estado  — Foto: Asscom/BPA

Derrubadas ilegais também acabam contribuindo para o aumento de queimadas no estado — Foto: Asscom/BPA


Ainda em 2019, o governo chegou a anunciar a criação de uma delegacia especializada para apurar crimes ambientais, porém, a ideia nunca saiu do papel. A direção da Polícia Civil disse que falta efetivo suficiente para a materialização da delegacia especializada em crimes ambientais.


Sonaira, no entanto, destaca que a delegacia seria importante, porém, é necessário mais.


“Ela é necessária e iria somar demais, mas só ela não daria conta porque nós temos muitos alertas de infrações ambientais. O que tem que fazer é uma ação conjunta e reunir órgãos experientes e trabalhar com pensamentos a curto, médio e longo prazo para mudar esse cenário”, finaliza.


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