Tomei vacina contra a covid-19, fiz um teste rápido de anticorpos e deu negativo. Devo entender que a vacina não fez efeito?
Você não deve ter essa interpretação e nem mesmo deveria ter feito esse tipo de teste com essa finalidade, segundo cientistas.
A BBC News Brasil ouviu especialistas em biologia, virologia e doenças infecciosas e explica, em quatro pontos, por que o teste rápido de anticorpos não deve ser usado como forma de “checar se a vacina fez efeito”.
“Um teste sorológico rápido feito na farmácia não vai medir se a pessoa está protegida ou não após a vacina. Tome cuidado com isso”, diz Silvia Costa, médica especialista em doenças infecciosas e professora da Universidade de São Paulo (USP).
A bióloga Natalia Pasternak, fundadora do Instituto Questão de Ciência, também faz este alerta.
“Testes rápidos de anticorpo de farmácia não servem para dar uma resposta individual, se você está protegido ou não. Eles não servem para isso, eles só servem para fazer análises populacionais. É jogar dinheiro fora e criar minhoca na cabeça. A pessoa vai ficar preocupada à toa.”
E provoca: “Eu gostaria de saber quem levou os filhos pequenos, após tomar vacina contra sarampo, para fazer teste de anticorpo pra ver se a vacina pegou. Não, né, gente? A gente simplesmente vacina nossos filhos. É a mesma coisa.”
A explicação sobre por que esses testes não são uma forma de verificar como seu corpo reagiu à vacina tem a ver com a baixa sensibilidade deles e com o fato de analisarem só um pedaço da resposta do sistema imunológico. Veja as quatro razões principais:
1. Testes rápidos de anticorpos foram elaborados contra infecção viral (e não vacina)
O virologista Flávio da Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que, primeiro, devemos lembrar que esses testes não foram desenvolvidos com a finalidade de checar como o corpo reagiu a vacinas.
“Esses testes foram todos construídos e testados contra infecções virais. Nenhum teste foi desenvolvido contra a vacina. Então há variações na resposta imune que os testes podem não pegar”, resume o pesquisador, que integra o Comitê Permanente de Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG.
Testes sorológicos, segundo os especialistas, têm papel importante do ponto de vista coletivo – quando são feitos em muitas pessoas em uma determinada comunidade, ajudam a responder sobre a circulação do vírus naquele ambiente.
“O teste sorológico é importante para ver quanto o vírus já circulou. Por exemplo, eu faço em Manaus, após a detecção da P1, e aí vejo, entre assintomáticos, quem já tem a sorologia positiva”, explica Silvia Costa.
2. Rápidos, mas com baixa sensibilidade
O segundo ponto a ser levado em conta, quando se trata da tentativa de chegar a uma resposta individual, é que esses testes não vão além de uma resposta de “sim ou não”.
“O teste de farmácia, rápido, é o menos sensível. Ele só tem uma vantagem: é rápido. Ele tem uma taxa de falso negativo elevada e, por ser um teste de verificação visual, a sensibilidade dele é menor”, diz Fonseca.
Pasternak também aponta que esse tipo de teste tem taxa de erro alta e que depende de uma determinada quantidade de anticorpos para ser capaz de detectá-los na amostra de sangue.
“Mesmo que você não esteja dentro dessa faixa de erro – ou seja, o teste ‘funcionou’, mas não acusou anticorpos -, tem a questão da sensibilidade do teste, do quanto você precisa ter minimamente de anticorpos no sangue naquele momento que você testou para que o teste tenha capacidade de detectar”, diz ela.
Esse é um dos motivos que explicam por que um resultado negativo nesses testes não significa necessariamente que você não tem anticorpos.
3. Só medem um componente da resposta imune
Outra razão central pela qual os cientistas não recomendam o teste como forma de checar efeito da vacina é que eles só medem um componente da resposta do sistema imunológico.
“Há outros componentes da resposta imune que você não mede ao fazer teste sorológico. Ele mede simplesmente anticorpos”, diz Fonseca.
Pasternak reforça que, mesmo para um corpo vacinado e preparado para reagir a uma infecção, o teste poderia dar negativo, já que ele mede só um componente da resposta imune.
“Esse teste não consegue dizer se você tem células de memória, se você tem resposta celular de linfócitos T… Ele só vai te dizer um tipo de anticorpo e só se a quantidade for detectável de acordo com a sensibilidade do teste. Isso não quer dizer que você não está protegido. Você pode estar cheio de células de memória, prontinhas para secretar um monte de anticorpos no seu sangue na hora que você tiver contato com o vírus”, diz.
Dependendo do teste e da vacina tomada, ele pode nem mesmo estar buscando identificar o elemento correto.
“Os testes de farmácia geralmente procuram anticorpos contra a proteína N, do núcleo capsídeo, e não a proteína S, da espícula, que é justamente a proteína que está presente na maior parte das vacinas. Então, todas as vacinas que trabalham com subunidade ou as vacinas genéticas vão gerar anticorpos contra a proteína S e isso não vai aparecer no teste de farmácia porque ele procura anticorpos contra a proteína N”, explica Pasternak.
4. Comportamento do sistema imunológico não é estático
Outro ponto é que o resultado do teste seria uma fotografia do momento e não te daria uma garantia de como seu corpo estará amanhã ou depois, dizem os especialistas.
“O comportamento do sistema imunológico não é estático, ele é dinâmico. Então, se fizer um teste hoje, amanhã o resultado será diferente. Para chegar a uma conclusão, tem que ter pelo menos dois pontos – um comparando com outro, para entender a dinâmica”, diz Fonseca.
Os pesquisadores ainda buscam identificar quanto tempo a vacina terá efeito em nosso corpo.
Enquanto isso e com a circulação do vírus tão alta como está no Brasil, esclarecem que as pessoas devem confiar nos testes de eficácia das vacinas, além de tomar as duas doses e não abandonar medidas de proteção – como uso de máscaras, distanciamento social e evitar principalmente locais fechados.
“Quase todas as vacinas até o momento precisam de duas doses e essa proteção vai ocorrer após, pelo menos, duas semanas da segunda dose. Então, entre uma e outra, se o indivíduo tiver uma exposição, ele pode ter a doença e pode ser grave. Em menos de duas semanas após a segunda dose, também. Então as pessoas precisam continuar se protegendo”, diz Silvia Costa.
Pasternak reforça que a eficácia da vacina já está testada e que as pessoas precisam entender que a vacinação é um movimento coletivo e não individual:
“Confie nos testes clínicos. O que disse que a vacina funciona são os testes clínicos de fase 3, quando a gente comparou grupo de pessoas vacinadas com grupo de pessoas não vacinadas. A vacina é uma atividade coletiva, não é uma atividade individual. Ela funciona na população: quanto maior o número de pessoas vacinadas, mais a doença deixa de circular e ficamos todos protegidos.”
E os testes sorológicos de laboratório?
Os testes sorológicos feitos em laboratórios são mais sensíveis que os de farmácia e podem, segundo os pesquisadores, mostrar resultados diferentes em relação aos resultados aferidos num teste rápido.
Mesmo assim, não recomendam que as pessoas busquem esses testes com essa finalidade e sem acompanhamento médico.
“A sensibilidade do teste de um laboratório diagnóstico é muito maior, mas, de novo, só vai te dizer se você tem anticorpos, não vai te dizer que tipo de anticorpos são, não vai te dizer qual é a sua resposta celular, se você tem células de memória, então novamente você vai estar medindo apenas um aspecto da resposta imune, quando na verdade a resposta imune é muito mais ampla”, diz Pasternak.
Silvia Costa diz que o resultado pode ser um relaxamento indevido ou uma preocupação desnecessária.
“As pessoas podem ficar preocupadas se o teste for negativo e ao contrário, também podem achar que são superprotegidas com um teste que não tem um significado de proteção. Então, não recomendamos a realização do teste sorológico após a vacina. Pode só criar esse estresse, essa preocupação.”