Enquanto as águas do Rio Negro e seus afluentes subiam para alagar as ruas da comunidade Purupuru, no município Careiro Castanho, região metropolitana de Manaus (AM), Rebeca Sabino Macedo cruzou, de ônibus e lancha, o trajeto de quase 100 quilômetros até a capital. Ela deixava para trás seus três irmãos mais novos, sob o cuidado dos avós.
O custo das passagens, R$ 100, foi subtraído da parca reserva do mês – uma empreitada que se justifica apenas pela necessidade. Há algumas semanas, a jovem de 25 anos tenta, ainda sem sucesso, providenciar os documentos para assumir a guarda dos irmãos e liberar a pensão que deveriam receber pela morte da mãe.
Cristina Sabino Gentil era auxiliar de serviços gerais e morreu aos 45 anos de Covid-19. Além de Rebeca, ficaram órfãos João Lennon, de 14 anos; Jonathas, de 9; e Crissia, uma bebê de três meses que só desfrutou do aconchego dos braços da mãe por uma semana.
Cristina pegou o vírus após o parto da menina, no final de fevereiro. Em 6 de março, seu quadro piorou e, com a recém-nascida nos braços, foi levada ao hospital. A bebê ficou em observação por sete dias, mas com a piora no quadro da mãe precisou ser levada para casa pela avó, a dona de casa Maria Alice Gentil, de 64 anos, e pelo avô, o aposentado Antônio da Casta Gentil, de 67.
Seguiram-se dois meses de internação e desespero. Sem recursos, todos ficaram em Purupuru, enquanto o irmão de Cristina acompanhava sua situação em um hospital de Manaus, onde ela conseguiu um leito de UTI.
Os filhos menores nunca mais puderam ver a mãe. Rebeca e seus avós despediram-se do corpo em coma. Cristina morreu no dia 9 de maio, Dia das Mães.
“Na vida, eu já sofri com a morte de uma mãe, mas nunca senti dor maior que a morte de uma filha”
Maria Alice Gentil, mãe de Cristina, que morreu de Covid
Os avós se propuseram a assumir a tutela dos netos. Foram barrados por critérios de idade. Restou a Rebeca viajar para Manaus e resolver a papelada.
E lá está a jovem, vivendo seu luto e o peso da nova responsabilidade, sozinha. Rebeca, que pajeava os irmãos para a mãe trabalhar, não tem uma profissão. Muito tímida, prefere deixar para a avó o relato de sua história.
Maria Alice tenta acompanhar a neta pela internet, um custo extra para que “não ficasse totalmente isolada” em Purupuru, onde não há sinal de telefone. A conta é paga com o aperto da única renda, o salário mínimo que Antônio recebe de aposentadoria. “Se não fossem as doações, a situação seria pior. Está muito difícil”, relata Maria Alice.
O luto da família Gentil é a substância de um país que deve chegar neste fim de semana aos 500 mil mortos pela Covid-19 nos dados oficiais. A vulnerabilidade social e econômica que afetou a família de Cristina após sua morte é o símbolo de uma pandemia que vem marcando drástica e irreversivelmente uma geração de brasileiros.
Mas não há estatísticas oficiais capazes de identificá-los. E a maioria das crianças e adolescentes que ficaram órfãos em meio ao caos permanece na invisibilidade.
De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), a quem compete a organização desses dados, até o momento, “as estatísticas que possam configurar essas orfandades se encontram inexatas”.
Em documento enviado à CNN, a pasta afirmou que um dos motivos da ausência de números é o “déficit registral acerca de filhos menores” nas certidões de óbito. Nesse sentido, explica, “nem sempre as declarações são feitas identificando, com exatidão, os vínculos familiares do falecido”.
A pasta informa que solicitou aos órgãos que gerem números da pandemia e “já solicitou, também, os seguintes dados: número de mulheres puérperas; número de crianças e adolescentes que morreram em decorrência da Covid-19; número de requerimento de pensões por morte em razão da Covid-19 e; o número de crianças e adolescentes abandonados ou que se encontram em acolhimento institucional ou acolhimento familiar em razão das consequências do Covid-19”.
Ainda de acordo com o MMFDH, um edital foi aberto, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em abril, para selecionar empresas que possam “realizar estudo diagnóstico sobre a realidade vivenciada por crianças, adolescentes e famílias neste período de pandemia, identificando os principais efeitos psicossociais gerados pelo contexto”. As propostas apresentadas estão em análise.
Como referência, nos Estados Unidos, que já relatam mais de 600 mil mortos por Covid-19, um estudo publicado no periódico Jama Pedriatrics estimou que entre 37.300 e 43.000 crianças e adolescentes foram afetados pela morte de ao menos um de seus responsáveis. O levantamento, porém, foi calculado com modelos estatísticos e, segundo os autores, os dados oficiais poderão mostrar um cenário ainda pior.
O eixo econômico
De acordo com organizações não governamentais que atuam junto a órgãos de proteção da infância no Brasil, o atendimento social para menores de 18 anos de idade foi bastante afetado em 2020, em decorrência da suspensão das atividades presenciais. Muitos casos passaram meses sem encaminhamento, o que pode ter causado um “represamento” no levantamento real de órfãos, aponta Sérgio Marques, subgestor da Aldeias Infantis SOS Brasil, organização de atuação nacional.
“Houve uma parada no país na primeira fase da pandemia que acabou não direcionando novas crianças para os serviços de acolhimento. Pelo fato de não terem sido identificadas, não se pode assegurar que essas crianças ficaram protegidas com suas famílias”, afirma.
A entidade, que atua com o acolhimento e o fortalecimento comunitário, tem alertado as autoridades sobre a necessidade de uma ação coletiva que possa não apenas identificar esses órfãos, mas também oferecer recursos financeiros àqueles em maior vulnerabilidade.
“Essas crianças, na maioria dos casos, não irão para adoção. Mas precisam de políticas públicas para ter estrutura socioeconômica e emocional, porque muitas vezes nem há espaço nas casas dessas famílias para receber novas pessoas”, destaca Marques.
Glauce Galucio Pereira, diretora do Instituto de Pesquisa e Ensino para o Desenvolvimento Sustentável (IPEDS), de Manaus, testemunha essa realidade em sua rotina desde que passou a identificar os órfãos em sua cidade. A organização, que antes da pandemia atuava com outras ações sociais, passou a receber pedidos de ajuda para esses casos em 2020.
Desde então, vem realizando a campanha Eu Amo Meu Próximo, para identificar os casos de órfãos e realizar doações de cestas básicas, fraldas, latas de leite e kits de higiene pessoal. Atualmente, são 175 órfãos identificados pela ONG, mas Glauce diz que casos como o dos quatro irmãos de Purupuru chegam diariamente.
“O projeto é emergencial, porque a situação é bem desesperadora. Manaus foi uma das cidades mais devastadas. É um colapso total, muitas famílias perderam seus entes queridos, crianças ficaram sem seus provedores e passam necessidades de diversas ordens, principalmente alimentar. São crianças que estão com seus familiares, mas precisam de subsídios financeiros”
Glauce Galucio Pereira, diretora do Instituto de Pesquisa e Ensino para o Desenvolvimento Sustentável de Manaus
O eixo político
Apenas no IPEDS, foram 63 novos órfãos pela Covid-19 cadastrados nos últimos 30 dias, números que, de acordo com a diretora da ONG, são apenas um recorte do quadro social que abala Manaus e outras cidades pelo país: “Nós não temos tempo de esperar a identificação oficial desses casos. Se não fizermos nada agora, essas crianças vão ficar à míngua”, alerta.
Desde março, passaram a tramitar na Câmara dos Deputados três projetos de lei para apoio financeiro e psicológico, além de outras três solicitações de prioridade na vacinação aos órfãos pela Covid-19 e seus guardiões legais. Dois deles, dos deputados Rejane Dias (PT-PI) e Boca Aberta (Pros-PR), preveem pensão para os dependentes que não se enquadram no regime de pensão da previdência social.
Atualmente, recebem pensão apenas os dependentes cujos guardiões legais tenham feito a contribuição mensal ao INSS. Ambos os projetos citam como exemplo a iniciativa anunciada em março pelo governo do Peru, de instituir pensão aos quase 11 mil órfãos identificados no país.
De acordo com a assessoria de imprensa da Câmara, os projetos envolvendo auxílio financeiro seguirão o percurso de tramitação em diferentes comissões internas. Já o projeto para incluir os órfãos no Programa Nacional de Apoio Social e Psicológico, de autoria do deputado Célio Silveira (PSDB/GO), aguarda despacho do presidente da Casa, Arthur Lira. Procurado, ele não respondeu.
Paralelamente, uma comissão externa destinada a acompanhar ações de combate à Covid-19, presidida pelo deputado Luiz Antonio Teixeira Jr., realizou audiência pública sobre o tema e enviou em seguida um ofício ao Ministério da Cidadania no qual solicita a criação de um fundo financeiro de amparo aos órfãos. O órgão não se manifestou sobre a solicitação até o fechamento desta reportagem.
No Senado, caminham na mesma direção dois projetos de lei – dos senadores Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Rogério Carvalho (PT-SE) – e uma petição pública, aberta pelo jornalista Walberto Carlos Moura Maciel. Os projetos de lei sugerem a criação de pensão aos órfãos e aguardam tramitação interna nas comissões. Já a petição propõe a criação de um fundo extraído das loterias e de impostos sobre grandes fortunas para aliviar a situação e precisa reunir 20 mil assinaturas de apoio até julho para ser levada a debate pelos parlamentares.
O eixo social
Enquanto os projetos oficiais não chegam, as crianças órfãs sobrevivem. Sem suporte social. É o caso de Celena, que nasceu prematura, com apenas 28 semanas de gestação, horas antes de sua mãe precisar ser intubada.
Também é Manaus, epicentro e estopim da CPI da Pandemia, o cenário de mais essa história de dor e luta. Em janeiro deste ano, auge do colapso na cidade, poucos dias antes de ser internada na maternidade do Instituto da Mulher Dona Lindu, Aucilene Brito Mota, então com 38 anos de idade e grávida de seis meses, fez um pedido à família. Se algo mais grave acontecesse, a filha ainda por nascer deveria ficar com sua irmã mais nova, Aubilene, de 36 anos.
Vindas de uma família de cinco filhos, as duas irmãs eram extremamente apegadas, vínculo reforçado quando Aucilene contou que seria mãe pela terceira vez, mais de 15 anos depois de sua última gestação.
No quinto mês, o cansaço – algo esperado para aquela fase da gravidez – começou a se agravar. “Ela não respirava mais direito. Foi no posto, chegou a fazer cinco exames de Covid-19, quatro deles com resultados negativos”, relembra Aubilene.
Como estava grávida, ela não tomou medicamentos. Os médicos a deixaram em alerta para retornar se o quadro piorasse. Quando procurou a maternidade, no dia 21 de janeiro, Aucilene não conseguia mais respirar. Na tomografia, o pulmão aparecia bastante comprometido. Foi imediatamente internada, migrando do cateter de oxigênio para a máscara para a intubação.
“Quando ela chegou na UTI, a médica disse que a prioridade era a mãe. O tempo foi passando e, a cada boletim que a gente recebia, ela ia piorando.” No dia 29, anunciaram que ela seria transferida para uma maternidade com área de hemodiálise.
A transferência foi autorizada no dia 2 de fevereiro pela manhã, mas a espera por uma ambulância equipada com UTI foi longa demais. Já escurecia quando o automóvel chegou. “Com obstetra, pediatra e outros médicos, decidiram que a criança teria mais chances de sobreviver do que a mãe. Foi quando me pediram autorização para fazer o parto da minha sobrinha.”
Aucilene não pôde ver sua tão esperada Celena de perto – a mãe foi levada às pressas para a hemodiálise após o parto. Seus últimos 15 dias de vida foram os primeiros da filha.
“O mais difícil é não poder dar um enterro digno. Não pode ter um velório, umas palavras de conforto. Eu nem tive luto direito”
Aubilene Mota, que perdeu a irmã por Covid
O tempo e os recursos de Aubilene ficaram ainda mais escassos. Mãe de dois filhos – um menino de sete meses e uma menina de cinco anos – ela precisou deixar de lado o trabalho com cópias e impressões que realizava na garagem de casa para providenciar o enterro da irmã e acompanhar a sobrinha na UTI neonatal, onde Celena ficou internada por dois meses.
Com a pequena em casa, a rotina da família passou a incluir também constantes consultas médicas e exames, além de novos gastos com fraldas, roupas e um leite para recém-nascidos cuja lata chega a custar R$ 80. Sem outra fonte de renda, ela conta com familiares e doações do IPEDS.
A perda de referência
Aos poucos, o pequeno Vinícius, de sete anos de idade, vai assimilando a morte prematura de seu pai, o motorista de aplicativo Carlos Vinicius Francisco da Conceição. Morador de Samambaia (DF), aos 35 anos ele se tornou, no início de abril, uma das mais de 500 mil vítimas da Covid-19 no país computadas até o momento.
Abalado, o menino se esforça para retomar a personalidade sorridente e deixar à mostra a “janelinha” típica de sua idade. Mas sua mãe, Wellen Silva de Oliveira, de 36 anos, diz que na maior parte do tempo ele apenas chora.
“Tudo lembra o pai. A gente vai conversando, dizendo que ele tem que se lembrar que o pai dele não está aqui”
Wellen Silva de Oliveira, mãe de Vinícius
Carlos não pôde se despedir da família, tampouco realizar o sonho de ver a esposa se formar no ensino superior. Nos 14 dias em que ficou intubado, ele perdeu o contato com ela – as informações vinham apenas na ligação diária do hospital. Nesse tempo, Wellen e a sogra também foram contaminadas pela Covid-19 e sofreram em isolamento, sem poder vê-lo uma última vez.
Desde a morte do marido, Wellen tem contado com o apoio de seu pai, o aposentado José Gomes de Oliveira, um senhor franzino que a abraçou durante todo o tempo da entrevista. Além do apoio emocional, seu José também precisou dar suporte financeiro à filha, que se viu com dois filhos e sem renda própria ou garantia de pensão.
Entre lágrimas, ela contou que Vinícius sente falta de brincar com o pai e com o irmão David, um bebê de um ano e meio e ainda pequeno demais para demonstrar com palavras o luto pela perda. Para Vinícius, a morte de Carlos refletiu diretamente na rotina escolar. Desde então, o menino tem contado com ajuda das orientadoras educacionais da Escola Classe 604 para seguir com as atividades.
Segundo o pedagogo e doutor em psicologia Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e do comitê científico do Núcleo Ciência Pela Infância, o impacto na vida escolar é comum em casos de luto infantil, mas a maneira como cada um processa a situação varia de acordo com a etapa do desenvolvimento:
“O bebê que perde o pai ou a mãe ainda não tem essa consciência, e o adulto que ocupar esse lugar pode suprir a função paterna ou materna se tiver recursos para isso”, explica Macedo.
A partir dos dois anos de idade, contudo, a criança desenvolve recursos simbólicos que permitem a ela compreender mais a ausência do cuidador. “Isso pode ser muito doloroso, pois ela está desenvolvendo suas capacidades imaginativas e sofre com indagações internas sobre o que aconteceu e sobre quem irá cuidar dela dali em diante. O brincar, como um recurso lúdico, poderia ajudar a criança a lidar com o estresse, mas nem todas as famílias têm condições de oferecer isso”, afirma Macedo.
Já na adolescência, explica o especialista, a perda paterna ou materna é assimilada de modo mais duro. “Nessa etapa da vida, o adolescente busca simbolicamente sua identidade social e tende a se afastar dos pais. Porém, ele ainda é muito dependente do adulto. Por mais autonomia que tenham, ainda são dependentes e têm recursos cognitivos e afetivos para sentir o peso e as consequências dessa perda com mais força”.
A independência precoce
A história de Ester, de 16 anos e residente em Manaus (AM), mostra como não importa a configuração da família: a perda de um (ou dois) dos esteios de um núcleo familiar tem consequências incontornáveis.
No início do ano, em um intervalo de menos de um mês, Ester perdeu o pai, Anderson Soares da Silva, e a avó materna, Geilza Batista, ambos por complicações decorrentes da Covid-19.
Anderson tinha 40 anos e era autônomo. Quando a filha tinha apenas dois anos de idade, sua esposa morreu.
Desde então, ele dividia os cuidados da menina com Geilza. Nos últimos anos, Ester vivia com ele, a madrasta e seus filhos, e viu quando o pai evitou buscar ajuda diante dos primeiros sintomas da doença.
“Meu pai não queria ir ao hospital, porque tinha medo de ser intubado e morrer. Ele não conseguia respirar, gritava de tanta falta de ar”, relembra a adolescente.
Poucos dias após o enterro do pai, Ester passou a morar com Geilza, que também estava com Covid-19, e o avô, João Nunes Moraes, de 70 anos, ambos com a saúde debilitada e precisando de cuidados extra. Geilza piorou, foi levada ao hospital e não aguentou outra semana.
Ainda no ensino médio e sem trabalho, Ester se viu sozinha com o avô e passou contar com doações do IPEDS para tentar se estabelecer. Agora, conta também com o suporte de uma tia, que assumiu sua guarda temporária. “Não vou dizer que está sendo fácil”, desabafa Ester, que em meio ao luto se apega ao desejo de conseguir um “emprego muito bom” para poder cursar uma faculdade de Direito. “Eu sonho em me formar e me tornar delegada. Desde criança, penso nisso.”
Órfãos de avós
Se avó é mãe duas vezes, como diz o ditado popular, então perdê-la é tornar-se duplamente órfão. E é nessa dor compartilhada que Paula de Sousa Pires Vasconcelos e seus dois filhos, Laura e Kauã, de 13 e 17 anos, respectivamente, vêm buscando se apoiar após a morte da aposentada Maria do Socorro Sousa Góes Pires, que em 2020 se tornou uma das primeiras vítimas da Covid-19 em Tabira, município a cerca de 400 quilômetros de Recife (PE).
Fã de Roberto Carlos, Maria do Socorro batizou a neta com o nome de sua música favorita, mas nunca teve a chance de assistir a um show do cantor. De família simples, dividia a casa com o marido, a filha e os dois netos havia quatro anos.
A avó cuidava dos netos para Paula trabalhar. Um ano antes de morrer, passou a ajudar também financeiramente, já que havia se aposentado. “Minha mãe sempre foi dona de casa. Estava começando a ajeitar a casa com o dinheiro da aposentadoria. Sempre foi um aperto, mas ela sempre ajudou a gente.”
Paula também pegou a doença e ficou 38 dias em isolamento, enquanto seu pai permaneceu mais de um mês internado em Recife por falta de oxigênio e ainda hoje luta contra as sequelas.
Laura e Kauã estavam na casa do pai e não pegaram o vírus. Em isolamento, receberam a notícia da morte da avó. Até hoje, não falam sobre o ocorrido.
Sem a aposentadoria da mãe, a situação financeira da família, que já não era tranquila, se agravou. Paula precisou sair do emprego de oito anos para acompanhar o pai no tratamento das sequelas da doença e busca se estabilizar com os filhos e com o apoio do atual marido.
De acordo com análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de junho de 2020, a renda de um idoso chega a contribuir com até 70% do orçamento familiar, principalmente nas residências com crianças. Caso morra, a diminuição de renda per capita pode chegar a 30%.
Com o alto índice de óbitos entre pessoas com mais de 60 anos de idade por Covid-19, a autora da análise, Ana Amélia Camarano, técnica de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, chama a atenção para o fato de que o idoso é vítima duas vezes na pandemia: é quem morre mais e quem é mais afetado pelo desemprego. “No entanto, o seu papel nas famílias é pouco reconhecido”, escreveu a pesquisadora.
Existe uma fala muito difundida, e cuja origem alguns apontam como africana, que diz ser preciso uma aldeia inteira para se criar uma criança. Celena, Crissia, João Lennon, Jonathas, Vinícius, David, Ester, Laura, Kauã e outros de órfãos pelo Brasil seguem à espera.