Após a repercussão negativa de um trote que acabou com denúncia de homofobia contra o digital influencer Lucas Lima, de 19 anos, o Ministério Público do Estado do Acre (MP-AC) instaurou notícia de fato para apurar o caso.
O procedimento foi aberto pela Promotoria Criminal de Sena Madureira. Conforme o MP-AC, o promotor Thalles Ferreira reuniu material divulgado na imprensa e deve ouvir o jovem na próxima semana.
Durante a gravação de um grupo de humoristas responsável pelo canal no Youtube “Submundo”, no último dia 1º, o influencer foi chamado de ‘gayzinho’. Eles ainda falaram da sexualidade do jovem de forma pejorativa. Com a repercussão, a vítima chegou a ser expulsa da casa do pai.
Ainda segundo o órgão, o Centro de Atendimento à Vítima (CAV), órgão auxiliar do MP-AC que acolhe vítimas de violência doméstica, de violência contra a dignidade sexual e homofobia, entrou em contato com o jovem após as denúncias e está oferecendo informações jurídicas e apoio psicológico.
Encerramento das atividades
O grupo de humoristas responsável pelo podcast decidiu encerrar as atividades do canal após a repercussão do caso.
Nessa sexta-feira (4), o jovem disse que registrou um boletim de ocorrência na delegacia de Sena Madureira e contou ao G1que, após a repercussão do vídeo, foi expulso de casa por não ser aceito pelo pai, para quem ele nunca tinha assumido a orientação sexual por medo da rejeição.
Em nota, divulgada nas redes sociais, o grupo pede desculpas, inclusive a Lucas Lima, à comunidade LGBTQIA+ e todos que se sentiram ofendidos com as palavras. O comunicado afirma que os envolvidos reconhecem o erro e vão arcar com as consequências.
“Mesmo assim, não poderíamos deixar de prestar toda a nossa solidariedade e estamos à disposição a ajudar imediatamente no que for necessário. Não queremos nos justificar, temos consciência do nosso erro e que o limite do humor acaba quando não há graça ou risadas”, diz parte do comunicado.
Os humoristas seguem afirmando no comunicado que tentaram falar com o jovem, mesmo antes da repercussão da gravação, mas ainda não tiveram retorno. A nota destaca também que os humoristas receberam diversos conselhos e palavras de acolhimento e, com isso, continuaram ‘buscando evoluir para que erros graves como esses não ocorram novamente’.
“Informamos que em virtude de todo o ocorrido, encerramos as atividades do Submundo Podcast e queremos deixar claro que, conforme citado na live, Hudson Magalhães não faz parte do elenco do programa, sendo apenas convidado, portanto, não é responsável pelas ações da equipe”, pontua.
Gravação
Na gravação, que faz parte de um trote, segundo um dos membros do grupo, Geovany Calegário, um deles fala com Lucas, enquanto ele orienta sobre o que o outro deve falar com o influencer e faz um convite para que participe da cobertura da escolha do Miss Gay, que deve ocorrer na capital acreana, Rio Branco.
“Tem um evento que vai acontecer agora, que é o miss gay que vai rolar aqui na cidade de Rio Branco e como você é do meio, conhece, já é influenciador digital, a gente quer saber se você topa cobrir o evento?”, pergunta Jones.
Em um tom grosseiro, o entrevistador grita com alguém chamada Marta (que seria um personagem) e pede uma caneta e interrompe a conversa com o rapaz e fala palavrões.
“Porque como a gente sabe que você é homossexual, então, ficaria tudo em casa, conhece todo mundo, tem as perguntas certas, conhece o bajubá, conhece as gírias, você toparia fazer? Totalmente sem preconceitos. Ai é o seguinte, o que a gente poderia fazer é trazer você, pagar o hotel, hospedagem e você cobrir, dá um selinho em cada um, coisas que você sempre faz como você já é homossexual. A gente tentou pessoas daqui e as pessoas não aceitam, têm preconceito, estas coisas”, continua.
Logo em seguida pergunta quanto o rapaz cobraria para beijar os participantes no dia do evento. Do outro lado da ligação, Lucas pergunta se é possível conversar em outro lugar, é quando Jones grita novamente pelo personagem e manda agendar a conversa.
“Vou ligar pra você amanhã e resolver tudo isso. Marta, anota na minha agenda que amanhã eu vou conversar com um ‘gayzinho’ chamado Lucas Lima”, e desliga o telefone.
Lucas Lima disse que ficou constrangido com os comentários — Foto: Reprodução
Rejeição e homofobia
Com a repercussão, o jovem disse que teve que sair da casa do pai com quem morava até esta sexta. Ele disse que nunca tinha assumido a orientação sexual para ele justamente pelo medo de rejeição.
“Agora fui na casa do meu pai buscar minhas coisas porque ele me expulsou de casa. Falou que não me aceita e falei: então está bem, vou embora, isso em consequência desse vídeo porque parte da minha família nunca me aceitou, por isso que sempre evitava falar a verdade”, lamenta.
Lima disse que está com a mãe, que mora em outro estado, mas está visitando a família em Sena. Os dois estão na casa da avó materna dele.
“Foi um constrangimento porque eu não imaginava que estava em live, em trote, e ele me expôs ao ridículo me chamando de ‘gayzinho’ e falando aquelas palavras homofóbicas e falando de onde eu sou e esses vídeos começaram a viralizar”, desabafa.
Grupo fez ligação no dia 1º de junho — Foto: Reprodução
‘Brincadeira’
Ao G1, Calegário, que falou pelo grupo, disse que tudo não passou de brincadeira pesada.
“Obviamente que foi uma brincadeira pesada, mas tinha todo um contexto de a gente estar passando um trote, não é porque a gente estava ligando pra ele. A gente também foi ingênuo de pedir pras pessoas mandarem números e achei que estavam mandado números de amigos. Também foi um erro nosso, um equívoco, não sabia que ia tomar essas proporções”, diz.
Calegário afirma ainda que o vídeo foi retirado do canal, porém, a história já havia repercutido. O membro do grupo explica ainda que o canal tem um podcast, no qual fazem brincadeiras com a participação do público, com assuntos variados e uma das brincadeiras é passar o trote.
“Fiquei revoltado porque na hora me senti ofendido e não só eu, mas outras pessoas que são LGBTQIA+ e decidi dar minha voz para estas pessoas. Porque aconteceu comigo, mas não posso deixar acontecer com outras pessoas, fazer esse tipo de piada com outros e dar parte e ir a luta”, conta.
Mês do orgulho LGBTQIA+
Homofobia é crime e a pena pode chegar a cinco anos em casos mais graves. Durante o mês de junho, é celebrado o mês do orgulho LGBTQIA+. Sendo que o dia 28, é uma data lembrada mundialmente como o Dia do Orgulho LGBTIA+ em razão de um episódio ocorrido em Nova Iorque, nos Estados Unidos, em 1969, no bar Stonewall Inn, frequentado até hoje pelo público LGBT, que diariamente recebia batidas policiais.
Para Lucas, apesar da data que lembra o orgulho LGBTQIA+ e de todas as manifestações no combate a homofobia, diz que ainda há um longo caminho a ser percorrido.
“Para mim ainda não teve evolução ainda mais nesse mês do orgulho, eles virem com esse tipo de piada”, lamenta.