A China anunciou nesta segunda-feira (31/05) que permitirá que os casais tenham até três filhos, depois que dados do censo nacional mostraram um declínio acentuado nas taxas de natalidade.
Na década de 1970, a China adotou uma política de filho único por casal, para tentar controlar a alta taxa de natalidade da época. A China abandonou essa política em 2016, substituindo-a por um limite de dois filhos. Mas isso não foi suficiente para levar a um aumento sustentado de nascimentos.
O custo de criar os filhos nas cidades desencorajou muitos casais chineses.
‘Exaustivo’
Um censo populacional que ocorre uma vez a cada década mostrou que o número de nascimentos na China caiu para o nível mais baixo desde 1960 — levando alguns a defender a erradicação das políticas de controle de natalidade. Mas alguns na China dizem que essas políticas não são o único obstáculo.
Apesar de ser incomodada por sua mãe sobre isso, Lili*, moradora da capital Pequim, não planeja ter filhos tão cedo.
A jovem de 31 anos, casada há dois anos, quer “viver a minha vida” sem as “preocupações constantes” de criar um filho, disse ela.
“Tenho muito poucos colegas que têm filhos e, se os têm, ficam obcecados em conseguir a melhor babá ou matriculá-los nas melhores escolas. Parece exaustivo.”
Lili falou à BBC sob condição de anonimato, destacando que sua mãe ficaria “arrasada” se soubesse como sua filha se sentia.
Mas essa diferença de opinião entre as gerações reflete a mudança de atitude de muitos jovens chineses urbanos em relação a ter filhos.
Os dados falam por si.
O censo da China, divulgado no início deste mês, mostrou que cerca de 12 milhões de bebês nasceram no ano passado — uma diminuição significativa em relação aos 18 milhões em 2016, e o menor número de nascimentos registrados desde 1960.
Embora a população geral tenha crescido, ela vem aumentando no ritmo mais lento em décadas, agravando as preocupações de que a China possa enfrentar um declínio populacional antes do esperado.
O encolhimento das populações é controverso devido ao problema econômico da pirâmide de idade invertida, em que há mais idosos do que jovens.
Quando isso acontece, não há trabalhadores suficientes no futuro para sustentar os idosos, podendo haver um aumento da demanda por saúde e assistência social.
Ning Jizhe, chefe do escritório nacional de estatísticas da China, disse em uma apresentação do governo que as taxas de fertilidade mais baixas são resultado natural do desenvolvimento social e econômico da China.
À medida que os países se tornam mais desenvolvidos, as taxas de natalidade tendem a cair devido à educação ou outras prioridades, como carreiras profissionais.
Países vizinhos como Japão e Coreia do Sul, por exemplo, também registraram queda em nível recorde nas taxas de natalidade nos últimos anos, apesar de vários incentivos governamentais para casais terem mais filhos.
O grave desequilíbrio de gênero
Mas os especialistas afirmam que a situação da China pode ser agravada dado o número de homens que está tendo dificuldades para encontrar uma esposa.
Há um grande desequilíbrio de gênero no país — no ano passado, eram 34,9 milhões a mais de homens do que mulheres.
É uma consequência da rígida política do filho único do país, que foi introduzida em 1979 para desacelerar o crescimento populacional.
Em uma cultura que historicamente favorece os meninos em vez das meninas, a política levou a abortos forçados e a um suposto excesso de meninos recém-nascidos da década de 1980 em diante.
“Isso representa problemas para o mercado de casamentos, especialmente para homens com menos recursos socioeconômicos”, diz Mu Zheng, do Departamento de Sociologia da Universidade Nacional de Cingapura.
Em 2016, o governo acabou com essa política e permitiu que os casais tivessem dois filhos.
No entanto, a reforma não conseguiu reverter a queda da taxa de natalidade do país.
‘Quem se atreveria a ter filhos nesta situação?’
Especialistas afirmam que também faltam medidas de apoio às famílias — como auxílio financeiro para educação ou acesso a creches.
Muitas pessoas simplesmente não têm dinheiro para criar filhos em meio ao aumento do custo de vida.
“A relutância das pessoas não está no processo de ter os filhos em si, mas no que vem depois”, diz Mu.
Ela diz que a noção do que torna uma pessoa bem-sucedida também mudou na China — pelo menos para aqueles que vivem nas grandes cidades.
O sucesso não é mais definido por elementos tradicionais na vida, como casar e ter filhos — em vez disso, valoriza-se o crescimento pessoal.
Ainda espera-se que as mulheres tenham papel predominante na criação dos filhos, seguindo as convenções de gênero no país.
Embora a China em teoria tenha 14 dias de licença-paternidade, é incomum que os homens a aceitem — e é ainda mais raro que eles se tornem pais em tempo integral.
Esses temores podem fazer com que as mulheres não queiram ter filhos se sentirem que isso pode atrapalhar suas perspectivas de carreira, diz Mu.
Nas redes sociais chinesas, o assunto é um tema quente, com a hashtag “por que essa geração de jovens não deseja ter filhos” sendo compartilhada mais de 440 milhões de vezes na plataforma Weibo.
“A realidade é que não existem muitos empregos bons para as mulheres, e as mulheres que têm bons empregos farão de tudo para mantê-los. Quem ousaria ter filhos nesta situação?”, pergunta uma usuária.
Embora algumas cidades tenham estendido os benefícios da licença-maternidade nos últimos anos, dando às mulheres a opção de solicitar licença além dos 98 dias padrão, as pessoas dizem que isso só contribuiu para a discriminação de gênero no local de trabalho.
Em março, uma candidata a emprego em Chongqing foi forçada por um empregador em potencial a garantir que largaria o emprego assim que engravidasse.
É tarde demais para reverter a situação?
O anúncio da mudança da política de natalidade — permitindo três filhos por casal, ao invés de dois — foi feito nesta segunda-feira (31/05).
Espera-se que as restrições de nascimento sejam totalmente suspensas em um futuro próximo, com fontes dizendo à Reuters que isso pode acontecer nos próximos três a cinco anos.
Alguns pedem que a China abandone suas políticas de controle de natalidade imediatamente.
“O fim de qualquer restrição deve acontecer agora, quando há alguns residentes que ainda querem ter filhos, mas não podem”, disseram pesquisadores do Banco Central da China, em um artigo publicado em seu site.
“É inútil liberalizar quando ninguém quer ter filhos (…) não devemos hesitar”.
Mas alguns especialistas apontam a necessidade de se agir com cautela, chamando a atenção para a enorme disparidade entre moradores da cidade e camponeses.
Por mais que as mulheres que vivem em cidades caras como Pequim e Xangai desejem adiar ou evitar o parto, as que vivem no campo provavelmente ainda seguirão a tradição de querer famílias numerosas, afirmam.
“Se liberarmos a política, as pessoas no campo podem estar mais dispostas a dar à luz do que as das cidades, e pode haver outros problemas”, disse uma fonte à Reuters, observando que isso pode levar à pobreza e pressões de emprego nas áreas rurais.
Parece que não existe uma solução única para todos, mas o especialista em demografia, Jiang Quanbao, da Universidade Xi’an Jiaotong, diz estar otimista de que ainda é possível a China reverter seus problemas populacionais.
Embora as taxas de fertilidade estejam caindo, a taxa “ainda é elástica” porque continua sendo a norma da sociedade que os chineses se casem e tenham filhos, disse ele.
Desde que haja mais medidas de apoio às famílias nos cuidados infantis e na educação, por exemplo, há esperança de mudança: “Não é tarde demais”.
Até Lili* pode ser convencida a mudar de ideia.
“Se ficar menos competitivo para as crianças obterem os recursos de que precisam, posso me sentir mais preparada mentalmente e menos estressada por ter um filho. Minha mãe ficaria muito feliz em ouvir isso”, disse ela.
* nome alterado a pedido da entrevistada