Os ataques violentos em Manaus entre ontem e hoje deixaram a população com medo de circular nas ruas da cidade e afetaram a rotina das repartições públicas. Aulas, vacinação contra covid-19 e transporte coletivo foram suspensos.
A auxiliar de saúde bucal Renata Eliza Camurça Afonso, 41, relata que não saiu de casa por medo da violência, o que a fez lembrar de uma onda de violência ocorrida em 2015. Na época ocorreram 34 homicídios e dez tentativas de assassinato.
“Nós também ficamos trancados no condomínio com medo. Só que desta vez foi pior porque o medo e os cuidados que temos aqui no bairro se espalhou para toda a cidade. Não tenho mais vontade de morar em Manaus há tempos. Quero ir para um lugar mais seguro.”
Próximo da casa da auxiliar de saúde, uma área da prefeitura onde ficam máquinas para reparos das ruas foi incendiada durante a onda de ataques. O fogo acabou se alastrando e alcançou uma área residencial.
“Domingo fecharam a avenida Brasil (a principal da zona Oeste de Manaus) e a polícia não apareceu. Incendiaram o Distrito de obras e só apareceram os Bombeiros. Mas quando foi para fechar o comércio tinha 20 viaturas na avenida Brasil”, reclama Renata.
Já na Zona Centro-Oeste de Manaus uma moradora, que pediu para não ser identificada, relatou que a madrugada foi de tensão, com barulho de gritos durante a noite.
Traficantes ficaram nas ruas e demonstravam preocupação da polícia invadir o ponto de venda de drogas.
“Passamos a noite com medo. Nem dormi.”
A dona de casa conta que tinha uma consulta médica marcada há duas semanas em uma UBS (Unidade Básica de Saúde), mas, ao chegar ao local, os atendimentos haviam sido suspensos.
Segundo ela, o clima é de medo porque a polícia está na rua encapuzada e fazendo abordagens e revistas.
“Pararam nossa moto e revistaram meu filho. Fiquei com medo. Estavam encapuzados.”
A aposentada Albertina Felipe, 62, chegou a ligar para os familiares pedindo que não saíssem de casa por conta da violência. “Uma situação dessas nós ficamos com medo que tudo piore e que as pessoas corram risco de morrer.”
‘Tocaram fogo em prédios’, diz prefeito
A 83,26 quilômetros, Careiro Castanho foi um dos seis municípios do interior alvo dos atentados após do tráfico neste final de semana. O prefeito Nathan Macena de Souza (Republicanos) afirmou que nunca viu nada parecido. “Tocaram fogo em prédios e atiraram na prefeitura.”
Nathan afirmou que a cidade com cerca de 38 mil habitantes conta com apenas 12 policiais militares. “Temos uma população espalhada e uma vasta área territorial. Este contingente mal atende a sede da cidade e coloca em risco até os policiais. Pedimos e vão reforçar”, disse o prefeito.
Na madrugada uma delegacia foi alvo de tiros que estilhaçaram os vidros das portas. Os incêndios avançaram para quatro municípios do interior do estado, que segundo a SSP (Secretaria de Segurança Pública) tiveram o policiamento reforçado.
Na manhã de hoje, outros registros de violência foram confirmados pela SSP-AM em bairros de Manaus. Desde o início da tarde, não houve novos casos.
Economia e ônibus
As rotas de transporte coletivo dos funcionários do distrito industrial também tiveram horários suspensos e alterados em função da onda de violência na cidade.
Parte do comércio fechou portas e o transporte público coletivo, um dos alvos dos traficantes, foi suspenso. Com isso, a circulação de pessoas nas ruas também diminuiu.
Segundo o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), os ônibus voltaram à circular com 30% da frota e aulas e a vacinação devem ser retomadas amanhã.
David informou que os prédios públicos atingidos pelos ataques passarão por reformas.
No total, 29 veículos foram incendiados, entre os quais 15 ônibus do transporte público, uma viatura da Polícia Civil, uma da Polícia Militar e tratores da prefeitura de Manaus.
Outros 24 incêndios foram registrados em prédios públicos e bancos. Nem escolas, ambulâncias e UBS foram poupadas. Em nenhum dos ataques foram registrados morte e agressões a civis ou policiais.
Os autores dos ataques gravaram vídeos enquanto queimavam ônibus e prédios ou atiravam nas delegacias.
Em coletiva, o secretário de Segurança Pública, coronel Loiusmar Bonates, afirmou que a inteligência não tinha como prever a reação do tráfico após a morte de uma das lideranças.
O oficial reconheceu que o contingente policial não é suficiente para garantir a segurança em Manaus e no interior, por isso, o governador Wilson Lima requisitou apoio da Força Nacional para que a cidade volte à normalidade.
Ele negou mensagens anônimas atribuídas às lideranças dos ataques que acusam policiais de “roubarem” drogas de traficantes para revenda.