Vacina contra covida-19 produzida a partir do tabaco será testada no Brasil

Imunizante apresentou resultados promissores em um estudo clínico de fase 1 publicado nesta terça-feira (18) na revista científica Nature Medicine

Uma nova vacina contra a Covid-19, desenvolvida a partir do tabaco selvagem (Nicotiana benthamiana), apresentou resultados promissores em um estudo clínico de fase 1 publicado nesta terça-feira (18) na revista científica Nature Medicine. O imunizante CoVLP, produzido pela farmacêutica canadense Medicago R&D Inc em parceria com a GlaxoSmithKline (GSK), provocou uma resposta imune robusta no teste feito com 180 voluntários.


No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a realização do ensaio clínico de fase 3 desse imunizante. Segundo a agência, o estudo aprovado para ser feito no país é de fase 2/3, randomizado, cego e controlado por placebo. Vai avaliar a segurança, eficácia e imunogenicidade da vacina em adultos com 18 anos ou mais.


O ensaio clínico é composto por três estágios e o Brasil participará do estágio 3, com 3.500 voluntários. Ainda segundo a Anvisa, na fase 3 do estudo o objetivo da farmacêutica é incluir até 30 mil pessoas no Canadá, Estados Unidos, América Latina, Reino Unido e Europa. Se os resultados se confirmarem, essa poderá ser mais uma vacina para o combate à pandemia.


“Várias vacinas contra a covid-19 já foram aprovadas, mas nenhuma pode ser produzida em quantidades suficientes para atender à necessidade global com a rapidez de que precisamos. Por isso, diferentes opções serão necessárias para atender toda a população”, destacam os autores do estudo, liderado por Brian Ward, pesquisador da Universidade McGill, no Canadá, e membro da empresa farmacêutica Medicago.


COMO FUNCIONA

Trata-se de uma vacina aplicada em duas doses, com um intervalo de 21 dias entre elas. Segundo a biotecnóloga Larissa Brussa, doutora em genética e biologia molecular e membro da Rede Análise Covid-19, a tecnologia usa a planta Nicotiana benthamiana, que é o hospedeiro experimental mais utilizado em virologia de plantas, devido ao grande número de vírus que podem infectá-lo com sucesso.


Brian Ward, pesquisador da Universidade McGill, no Canadá, e membro da empresa farmacêutica Medicago Foto: Divulgação
Brian Ward, pesquisador da Universidade McGill, no Canadá, e membro da empresa farmacêutica Medicago Foto: Divulgação

Também é utilizada a bactéria Agrobacterium Tumefaciens que atua como vetor viral, sendo a responsável por inserir a sequência de fragmentos de DNA do vírus SARS-Cov-2 com as informações para produzir a proteína S (proteína Spike) em uma célula hospedeira (no caso, a célula da planta).


As plantas são submersas em uma solução contendo o vetor e, com o auxílio da aplicação de vácuo, esse vetor entra nas células das folhas e passa a se integrar ao seu material genético. Durante seis dias, o “maquinário celular” das plantas atua como minifábrica e passa a produzir as VLPs, que são nanoestruturas que imitam o vírus, sem conter o genoma do vírus – ou seja, sem ser capaz de causar doença. As plantas são colhidas para a extração das VLPs e o material para a produção da vacina é isolado. Por fim, as VLPs são purificadas para que se obtenha o material final necessário para a produção do imunizante.


“A bactéria agrobacterium é modificada para conter o material genético para a produção de uma partícula da proteína S [a proteína Spike do coronavírus, que é a responsável por infectar as células humanas] semelhante à encontrada no novo coronavírus, chamada de CoVLP”, explicou Larissa. Esse material genético é introduzido nas plantas, que passam a produzir essa partícula em grande quantidade. “As plantas não são geneticamente modificadas. Os processos celulares naturais das plantas produzem as VLPs”, disse a pesquisadora.


A farmacêutica Medicago desenvolve a vacina a partir do tabaco em parceria com a GlaxoSmithKline (Photo illustration by STR/NurPhoto via Getty Images) Foto: NurPhoto / NurPhoto via Getty Images

Os testes de fase 1 foram realizados nos Estados Unidos e no Canadá em um grupo controlado de 180 voluntários com idades entre 18 e 55 anos, entre os dias 13 de julho e 9 de agosto de 2020. A segunda dose foi aplicada após um intervalo de 21 dias – sozinha ou com um adjuvante (o AS03 ou o CpG1018), escolhidos de forma aleatória para avaliar qual deles traria um resultado melhor.


“O adjuvante é uma molécula que vai estimular o sistema imunológico a atuar de forma mais potente no local da vacinação. Ele vai amplificar a resposta imune do paciente”, explicou a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em neurociência e uma das divulgadoras científicas da Rede Análise Covid-19.


Segundo os resultados do estudo, os pesquisadores observaram que sem o uso do coadjuvante a CoVLP produziu uma resposta imune modesta. Mas, ao avaliar os dados dos pacientes que receberam o imunizante junto com qualquer um dos dois adjuvantes, a resposta foi significativamente maior. “Os participantes que receberam a CoVLP com o AS03 produziram anticorpos neutralizantes em nível 10 vezes maior do que aqueles observados em pacientes em recuperação da covid-19”, afirmaram os pesquisadores.


Para Mellanie, um dos diferenciais da CoVLP é o fato dela ser feita com base em uma tecnologia nova que, em tese, tem custo mais baixo. “Você infecta a planta, coloca parte do gene do coronavírus dentro dela e em seis dias essa planta se desenvolve e no processo celular cria as VLPs. É algo muito promissor porque é mais rápido, mais versátil e que facilita a produção global em larga escala num curto espaço de tempo”, avalia a biomédica.


A Medicago tem feito pesquisas usando plantas como biorreatores desde 2014 – os cientistas também usaram a Nicotiana benthamiana para auxiliar na produção de uma vacina da gripe comum, causada pelo vírus influenza. Em novembro do ano passado, a farmacêutica publicou seu primeiro estudo de eficácia dessa vacina, com resultados animadores. A pesquisa continua em andamento.


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