Mulher confundida com mãe do Jacarezinho em vídeo sofre com ameaças de morte

“Nesses últimos dias, as nossas vidas se tornaram um pesadelo. Estamos sendo ameaçadas de morte, as pessoas nos julgam, debocham e fomos condenadas por uma coisa que não existe. Está sendo horrível tudo isso”.

O desabafo é da empregada doméstica desempregada Rosana Contas do Carmo, de 49 anos, e de sua mãe, a costureira Vera Lúcia Coutas, de 69.


Ambas tiveram um vídeo divulgado, na última sexta-feira, horas após a operação da Polícia Civil, no Jacarezinho, em que 28 pessoas morreram, entre elas, um policial.


As duas, que ontem procuraram a polícia porque estão sendo ameaçadas, contam que as cenas foram gravadas na festa de aniversário de um dos filhos e que as armas eram de brinquedo.


— Quando eu virei, eu vi que um dos meus netos estava gravando. Não era para ter gravado aquilo. Eu pedi para que ele apagasse — conta Rosana, dizendo que os netos, que são youtubers e gravam uma série amadora com armas de paintball, não a obedeceram. — Eu sinto muita vergonha. Sei que eu não deveria ter brincado daquele jeito. Mas era um momento de família que ninguém tinha o direito de expor como fizeram.


O vídeo, que viralizou nas redes sociais, foi usado contra outra mãe, Adriana Santana de Araújo, que perdeu o filho na operação policial do Jacarezinho, no último dia 6.


Marlon, de 23 anos, é considerado suspeito de integrar o tráfico da favela. Ele tem uma anotação por posse de drogas para uso pessoal, de 2016, cujo processo foi arquivado.


Desde as primeiras horas após a ação na favela, Adriana acusa policiais de execução:


“eles entraram para matar”. À dor da perda, somou-se a do ataque à sua integridade, após muitos compartilharem o vídeo afirmando que era ela nas imagens.


“Sou mulher guerreira”


Em entrevista anteontem ao RJ1 da TV Globo, Adriana disse que sempre “batalhou” e que nunca tinha pegado em armas.


“Jamais eu iria segurar um fuzil, nunca nem peguei nisso. Quem me conhece sabe a mulher guerreira e batalhadora que eu sou”.


Ela disse que sofria ameaças por causa das postagens feitas por milhares de pessoas.


“Você também tem que morrer, você também vai morrer, que pena que não estava lá na hora”, relatou ela sobre algumas das reações à fake news.


Mesmo depois de a Polícia Civil ter negado, no sábado, que a mulher do vídeo fosse a mãe de Marlon, os posts não cessaram.


Rosana, que é parecida com Adriana, se solidariza com ela e diz que também foi prejudicada.


Junto coma mãe, ela esteve na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática e promete processar os responsáveis pela mentira.


Entre eles, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos — alvo de investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) por disseminar informações falsas com ataques a autoridades e à democracia — e o deputado estadual Fillipe Poubel (PSL).


Por nota, Poubel disse que, após tomar conhecimento dos questionamentos, retirou o vídeo do ar e está disposto a prestar esclarecimentos, se for necessário. Allan dos Santos, que deixou o país, não foi localizado.


Rosana conta que os simulacros de armas seriam usados numa série produzida pelos filhos.


A família mora em Vila Ideal, Caxias. Ela diz que, durante o aniversário do filho, um dos netos lhe entregou uma peça de fuzil.


— Um dos meus netos pega uma airsoft (réplica usada em jogos de combate) e diz: “toma, vovó, toma, vovó, vem dançar” — recorda-se, dizendo que, por ironia do destino, a série dos filhos sobre tráfico busca passar a mensagem de que o crime não compensa.


Vizinho de Rosana e Vera Lúcia, o advogado Wellington Assis da Silva disse que resolveu ajudá-las:


— Os filhos dela têm uma telenovela.


Antropólogo e professor da Universidade de Virgínia, nos EUA, David Nemer diz não ter sido surpreendido pela fake news:


— As pessoas circulam essas coisas como se não tivessem consequências nas vidas offline. É um padrão de comportamento que vejo desde a morte da Marielle, quando houve a notícia falsa de que ela era mulher de bandido.


 


Blindado da Polícia Civil durante a operação no Jacarezinho
Blindado da Polícia Civil durante a operação no Jacarezinho Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo

 


Colaborou Felipe Grinberg


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