Aos 42 anos e empresário do ramo do direito musical e artístico, o ex-cantor sertanejo Maicon, que fez dupla com o irmão Marlon por mais de 30 anos, brinca que já viveu cinco das sete vidas.
Aos 12 anos levou um tiro na cabeça disparado acidentalmente por um amigo (e ele vive com a bala alojada até hoje); aos 22 anos, sofreu um grave acidente quando dirigia um micro-ônibus e ficou oito dias em coma e 45 na UTI; aos 33, sofreu um sequestro relâmpago em São Paulo e ficou horas sob a mira de uma arma; aos 34 anos, foi vítima de um assalto a mão armada em Florianópolis e, aos 39, teve um choque anafilático ao se submeter a uma cirurgia para correção de uma hérnia.
“Já escapei da morte cinco vezes. Se continuar nesse ritmo eu não chego aos 50 anos”, brinca Maicon enquanto conta à GQ Brasil os perrengues da a vida.
O acidente que lhe deixou com uma bala alojada na cabeça aconteceu em 1991, quando ele ainda morava em Criciúma, no interior de Santa Catarina.
Maicon estava com um amigo e eles decidiram ir até a casa de um outro colega para brincar. Ao chegar lá, ficaram impressionados ao ver que a parede da sala era decorada com várias armas.
“Imagine como é cabeça de uma criança, né? Ficamos curiosos. Meu amigo pegou uma das armas, apontou para mim e falou: ‘Já pensou se tivesse uma bala?’”, conta.
“Não sei como, se ele apertou gatilho ou não, mas a arma disparou”, relembra Maicon, que diz também não se lembrar se o amigo subiu em algum móvel para pegar a arma ou se ela estava ao alcance das mãos das crianças.
Com o barulho do disparo, Maicon sentiu uma fisgada e a primeira reação foi tentar se proteger, abaixar a cabeça e levar as mãos para o rosto. Ele não percebeu de imediato que tinha sido atingido, porque não sentiu dor.
Numa fração de segundos, o amigo o puxou pelos cabelos e ele, então, percebeu que as mãos estavam ensanguentadas.
“Naquela hora eu nem pensei na dor. A única coisa que veio na minha cabeça foi: ‘meu pai vai me matar’”, lembra o sertanejo.
Maicon foi levado para o hospital pela família do amigo. No primeiro atendimento, os médicos acreditaram que o tiro tinha passado de raspão pelo rosto, fizeram apenas um curativo e o liberaram.
Mas, ao chegar em casa, Maicon lembra que começou a sentir muita dor de cabeça e, ao passar a mão onde doía, sentiu que a bala estava ali ainda. Voltou para o hospital e um raio-x confirmou que a bala estava alojada na cabeça do menino.
“Achei que por estar superficial,era só abrir e tirar. Mas não é simples assim. O projétil está entre dois nervos e se mexer eu poderia perder a visão ou a audição.”
Para uma criança de 12 anos, o maior prejuízo de carregar uma bala na cabeça era não poder jogar bola e bater com a cabeça, uma de suas brincadeiras preferidas.
Por muito tempo Maicon também sentiu um desconforto local, mas nada que atrapalhasse a sua vida. “Viver com a bala se tornou algo corriqueiro. Ela é apenas mais uma de tantas situações difíceis que já passei na vida”, diz.
O cirurgião-geral Celso de Oliveira Bernini, que atuou por mais de 40 anos na cirurgia do trauma na emergência do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que nos anos 80 e 90 era muito comum receber pacientes vítimas de tiros acidentais por causa da facilidade de acesso às armas em casa.
“Chegávamos a operar de 10 a 15 casos por semana”, lembra. Segundo Bernini, é muito comum que os projéteis permaneçam no corpo da vítima. “Nosso objetivo no atendimento desse paciente é controle de danos, é estancar a hemorragia causada pelo projétil e não retirá-lo do corpo. Se a localização do projétil não causar prejuízos ou dores ao paciente, ele não precisa ser retirado. Mexer pode provocar uma lesão maior ainda”, explica o cirurgião.
Assim como Maicon, o comerciante Luciano Aparecido de Santana, de 41 anos, também vive com uma bala alojada na cabeça – mais precisamente atrás do globo ocular.
Ele foi atingido abaixo do olho direito por um fragmento de um tiro de fuzil durante uma tentativa de assalto a um ônibus de excursão – ele estava viajando para o Paraguai para fazer compras.
Era madrugada, e os criminosos atiraram no ônibus sinalizando que o motorista deveria parar. Ele não parou e, por isso, os assaltantes começaram a alvejar o veículo – ao todo foram mais de 70 tiros, segundo a investigação.
Um dos tiros acertou o motorista. Ele perdeu o controle do ônibus, que rolou uma ribanceira. Luciano estava dormindo, acordou com a confusão e ao sentir uma “pinçada” no olho.
“Quando percebi que fui atingido já estava sem enxergar. Levei a mão na nuca para ver se o tiro tinha atravessado. Saía muito sangue e eu usei uma coberta para estancar”, lembra.
Luciano perdeu a visão do olho direito e o fragmento da bala continua alojado atrás do globo ocular. Por cerca de seis meses ele passou por vários exames e tratamentos numa tentativa de recuperar a visão, sem sucesso.
“A bala quente queimou o nervo óptico. Não tenho mais chances de voltar a enxergar”, diz o comerciante, que afirma que a bala não o incomoda, não causa dor, nem atrapalha a sua vida, apesar de ele ter perdido a noção de profundidade por ser monocular.
“A bala não me causa dor física, mas causa uma dor emocional. Como perdi a visão eu sempre me lembro do assalto e do que aconteceu comigo”, finalizou.