A filha biológica da deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD), Simone dos Santos Rodrigues, foi ouvida nesta segunda-feira pela Comissão de Ética da Câmara dos Deputados.
Ela foi chamada para prestar depoimento como uma das testemunhas da mãe, que responde a processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar. Simone voltou a admitir que deu R$ 5 mil para uma irmã matar o pastor Anderson do Carmo, como havia dito em janeiro deste ano, em interrogatório do processo criminal no qual é ré.
No entanto, a filha da parlamentar entrou em contradição em relação a outros pontos de seu depoimento anterior e acrescentou informações que não havia revelado na Justiça.
Uma das contradições entre os dois depoimentos foi a justificativa sobre o que motivou Simone a planejar a morte do seu padrasto, o pastor Anderson. No interrogatório na Justiça, ela relatou “investidas sexuais” de Anderson, sem detalhar qualquer episódio de abusos sofridos por ela. Já no depoimento nesta segunda, na Câmara, narrou situações de violência sexual e chegou a apontar que uma menor de idade também pode ter sido vítima do padrasto.
A confissão de Simone durante seu interrogatório na Justiça não foi suficiente para livrar sua mãe da acusação de ser mandante da morte do pastor Anderson do Carmo. O Ministério Público estadual considera que há provas contra Flordelis e pediu à Justiça que a deputada seja levada a júri popular. A juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói, ainda não decidiu sobre o pedido do MP.
Simone e outros seis filhos de Flordelis, além de uma neta, estão presos acusados de envolvimento na morte de Anderson. Flordelis só não está presa porque tem imunidade parlamentar.
Sobre as contradições encontradas pelo EXTRA, a advogada de Simone, Daniela Grégio, alega que a cliente se sentiu intimidada durante a audiência judicial.
– Ela não teve tranquilidade para prestar depoimento em juízo. Simone se sentiu intimidada por causa da postura da juíza, que foi extremamente rigorosa e ríspida. Hoje (segunda-feira), ficou mais à vontade – alegou.
Procurada para se manifestar sobre as críticas da advogada, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio afirmou que em razão da Lei Orgânica da Magistratura, é vedado ao magistrado opina sobre processo pendente de julgamento.
Veja, abaixo, cada um dos pontos de contradição entre os depoimentos levantados pelo EXTRA.
1) Relacionamento com pastor Anderson do Carmo
Na Justiça, ao ser questionada pela juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, Simone negou que tivesse se relacionado com o pastor Anderson antes de sua mãe. Testemunhas do assassinato já relataram que Simone e Anderson foram namorados na adolescência.
Já nessa segunda, na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, a filha de Flordelis contou uma história diferente e não negou envolvimento com Anderson antes de sua mãe.
— A única relação que tive (com Anderson) foi na minha adolescência, uma brincadeira de escola, aquelas brincadeiras de salada mista. Foi o único relacionamento que tive com ele. Não foi nada muito sério, foi coisa de adolescente. Eu deveria ter uns 12, 13 anos — afirmou ao ser questionada pelo deputado federal Alexandre Leite, relator do processo.
Ao EXTRA, a advogada de Simone, Daniela Grégio, afirma que não houve contradição.
– Não foi realmente um relacionamento que eles tiveram. Não passou de uma brincadeira na adolescência. Hoje minha cliente esclareceu melhor – disse.
2) Motivação para matar Anderson
Em seu interrogatório em janeiro, no processo criminal na 3ª Vara Criminal de Niterói, Simone alegou que planejou a morte do padrasto porque não aguentava mais suas investidas sexuais contra ela, sem narrar episódios de violência sexual.
— Ele sempre demonstrou (interesse), mas começou a dar a entender em 2012, quando ele começou a pagar meu tratamento (contra o câncer). Ele falava para eu olhar para ele com carinho. Disse que, se eu não andasse na cartilha dele, ele não pagaria meu tratamento — afirmou Simone à época.
Na ocasião, a filha de Flordelis chegou a relatar episódio no qual teria flagrado o padrasto se masturbando no pé de sua cama. Simone repetiu o relato nesta segunda-feira, na Comissão de Ética, mas foi além, narrando episódios de violência sexual.
— Todos os dias, pela manhã, ele (Anderson) entrava no meu quarto para me agarrar, tentava me violentar. Já conseguiu algumas vezes com força, na marra. E eu não aguentava mais — afirmou.
Durante a sessão da Câmara dos Deputados, Simone ainda detalhou um episódio que teria ocorrido em um dos banheiros da casa da família em Pendotiba, Niterói.
— Quando ele (Anderson) entrou no banheiro, eu estava me secando. Ele me agarrou com força, me jogou na pia do banheiro. Me segurou pelo braço e tentou penetrar em mim. Isso mão deixa de ser uma agressão — detalhou, ao ser questionada se já havia sido agredida por Anderson do Carmo.
3) Conhecimento de outras pessoas
A filha biológica de Flordelis também entrou em contradição nessa segunda-feira quando o relator do processo disciplinar na Câmara dos Deputados perguntou se alguém na casa tinha conhecimento dos supostos abusos e investidas de Anderson. Simone citou pessoas que, segundo ela, sabiam. No entanto, em seu interrogatório na Justiça, ela negou que qualquer pessoa soubesse do que acontecia.
Nessa segunda, ela afirmou que Flávia, uma amiga que permanecia na casa durante a semana, já tinha visto alguma situações nas quais tinha sido agarrada por Anderson. Ela citou o nome de outra pesso – Douglas – que também teria presenciado algumas situações.
Simone afirmou ainda que sua filha Rafaella e Flávia tinham conhecimento de mensagens no celular que Anderson mandava para ela.
4) Outras vítimas
Em seu interrogatório na Justiça, Simone não mencionou, em nenhum momento, ter conhecimento de que outra pessoa da casa, além dela, era assediada por Anderson do Carmo. Já no seu depoimento à Câmara dos Deputados, a filha da parlementar trouxe essa informação.
— Tem uma menor envolvida. Isso eu só vou falar em júri (popular). Minha advogada me instruiu — disse ela.
No último dia 15, em entrevista ao EXTRA, Flordelis trouxe, pela primeira vez, relato semelhante ao da filha, apesar de ambas não estarem tendo contato. A deputada também não tinha feito tal revelação em seu interrogatório na Justiça, em dezembro do ano passado.
— Eu ainda não sei ao certo, mas é algo que a gente está apurando para não falar de forma leviana, não quero ser leviana nas minhas declarações. Eu gosto de falar de coisas que tenho convicção. Mas já tem relatos de que esses abusos não foram só com a minha filha – afirmou Flordelis.
5) Mensagens incriminadoras contra Flordelis
Pela primeira vez, nessa segunda-feira, Simone afirmou que foi a responsável por enviar mensagens para seu ex-marido, André, do celular da mãe. Nas mensagens, cuja autoria é atribuída a Flordelis pelos investigadores, a deputada afirma que não poderia se separar, pois escandalizaria a obra de Deus, e também chama o marido de traste.
A filha da deputada não havia afirmado, em nenhum de seus depoimentos – na Justiça ou delegacia – que tinha sido a autora dos textos, considerados pelo Ministério Público estadual uma das provas do envolvimento de Flordelis na morte do marido.
Em sua entrevista ao EXTRA, no último dia 15, Flordelis também atribuiu a Simone a autoria das mensagens, o que também nunca havia falado em seus depoimentos.