“A brincadeira do Gil sempre foi o estudo. Ele nem ia para o recreio na escola. Pedia para a professora de matemática ensinar as coisas a ele. Ela, muitas vezes, também nem comia para ajudá-lo. Era assim também depois das aulas. Quantas vezes ele não passou do horário, ficando duas horas a mais, só para aprender”, conta a mãe de Gil, Jacira Santana.
O estudo foi para Gil o refúgio de uma vida cheia de privações. De dinheiro e de afeto. Quando nasceu, mais claro do que as duas irmãs mais velhas, Jacira ouviu do ex-marido: “ele não é preto para ser meu filho”. “Ele achou, na cabeça dele, que Gil não era dele, que eu tinha traído. E eu nunca fiz isso. Ele nem quis saber do menino”, relata a mãe.
Jacira manteve o casamento durante dez anos. Mas não suportou mais as agressões sofridas. Numa conversa com Caio, na última quinta-feira, o professor narrou parte de sua vivência na infância. “Eu dormi na rua, não tinha nem o que comer direito. Meu pai batia muito na minha mãe, era viciado… Então, eu sonhava. Eu pensava quando minha mãe trazia uma banana para casa que aquilo era um bife bem gostoso. Que um dia eu teria uma casa bonita, chique. Que seria alguém conhecido. Eu só tinha o sonho, a vontade. E todos os dias eu pensava que a vida seria melhor”, contou.
Em busca dessa realização, aos 13 anos, Gil cismou que seria modelo. “Mas a gente não tinha dinheiro para as fotos. Então, ele arrumou uma roupa emprestada e se inscreveu num concurso de modelo. Tenho uma única foto dele na passarela, porque não dava para pagar o fotógrafo do evento. Ele não ganhou, mas foi lá, bem bonitinho, participou. E eu sempre apoiando ele em tudo”, se emociona Jacira, que faz aniversário neste sábado, 3.
Enquanto Jacira o apoiava, Gil continuava querendo a aprovação do pai. Ao convidá-lo para o desfile, sentiu na pele o preconceito que viria conhecer mais tarde pela sua sexualidade. “O pai disse que era coisa de bicha, que Gil era uma vergonha para ele… Aí, já viu, né”, relembra a mãe.
Depois disso, Gil não procurou mais o pai, que segundo a família é dependente de crack e álcool. O mergulho nos livros ficou ainda maior depois disso. E também na doutrina da igreja adventista. Ainda no papo com Caio, ele falou de como se sentia: “Na Bíblia estava escrito que era pecado um homem se deitar com outro. Que Deus não aceitava isso. Durante muito tempo achei que Deus não ia me amar por eu ser bicha. Então, eu sei o que isso representa para muitos como eu. Estar aqui no ‘Big brother’”.