Um médico pediatra de Santos, no litoral de São Paulo, usou as redes sociais para receitar o medicamento ivermectina como forma de prevenir o contágio pela Covid-19. Mauricio Lahan, de 72 anos, compartilhou uma imagem que dizia ser uma campanha nacional, o “Dia de Tomar Ivermectina”. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o fabricante do vermífugo já alertaram que ele não é eficaz contra a Covid. Recentemente, entidades médicas disseram que o uso de medicamentos sem comprovação científica, como a ivermectina, deve ser banido.
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A publicação do médico dá orientações de dosagens para quem quiser tomar o antiparasitário. Nos comentários, seguidores fazem perguntas sobre como tomar o remédio. Para o Conselho Regional de Medicina, a divulgação e prescrição de medicamentos, por meio de canais públicos, pode configurar infração ao Código de Ética Médica (leia mais abaixo).
Em entrevista ao G1 nesta quinta-feira (25), Lahan afirmou que começou a receitar este e outros medicamentos, como a hidroxicloroquina e azitromicina, para conhecidos, após se curar da doença com o uso dos remédios.
“Eu sou de uma linhagem que aprendeu, há 45 anos, que não existia uma medicação específica para vírus”, explica. De acordo com o profissional, no período em que contraiu a Covid-19, ele se automedicou com o uso de hidroxicloroquina e azitromicina, e percebeu que o tratamento havia funcionado.
Lahan tem receitado medicamentos como tratamento precoce para a Covid-19, o que não é reconhecido por entidades médicas ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas, segundo o profissional, eles não podem ser utilizados para tratar pacientes que estão na fase aguda da doença. Assim, aqueles que fazem uso das medicações ainda não têm o diagnóstico positivo para o vírus, segundo médico.
De acordo com o médico, muitas pessoas já foram curadas porque ele passou o tratamento. “Sarei muita gente, curei muita gente baseado em experiência pessoal”. O profissional reitera que fez favores e não cobrou por consultas. “Vieram me procurar, foi senso médico humanitário, eu só trato criança, sou pediatra. Isso é um senso médico que a gente se baseia”. Segundo Lahan, ele está ciente de que os órgãos oficiais pensam diferente dele, no entanto, o profissional defende as drogas.
“Eu tenho absoluta certeza de que os órgãos oficiais pensam diferente de mim, a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Associação Médica Brasileira, a Organização Mundial da Saúde. A gente usa a medicação off label, fora da bula, por experiência pessoal, baseado no Protocolo de Helsinque, que diz que o médico pode receitar o que ele acha necessário, desde que ele se responsabilize pelo o que ele receitou”, finaliza.
Eficácia científica
Na última terça-feira (23), a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou um boletim no qual condena o uso de hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina, colchicina e outras drogas, por não possuírem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da Covid-19.
O G1 também ouviu o médico infectologista Marcos Caseiro, que definiu o caso como charlatanismo.
“Todos os trabalhos são unânimes em mostrar que essas drogas não funcionam, existem mais de 36 publicações sérias mostrando que isso não funciona. Eu também gostaria de prescrever medicamentos, esse é o desejo de todo mundo, agora, prescrever algo que não funciona é charlatanismo”.
Segundo Caseiro, o fato de algo ter “funcionado” com uma pessoa não significa que vai surtir o mesmo efeito em outras. “Se você não tem conhecimento do método científico, é intuitivo dizer que tomou algum remédio e se curou, isso é um clássico da medicina”, explica. O infectologista também citou o posicionamento das sociedades médicas, que são contra o uso destes medicamentos. “Nenhuma sociedade médica, nenhum país recomenda isso, só no Brasil. Nenhum recomenda, nós que somos os ‘espertões’. É terrível isso”.
De acordo com o especialista, além de não haver comprovação científica da eficácia no tratamento da Covid-19, as medicações podem provocar ou intensificar problemas de saúde. “A cloroquina é uma droga que pode dar arritmia cardíaca. Este medicamento, junto com a azitromicina, aumenta o risco de arritmias fatais. Tem a hepatotoxicidade e uma série de efeitos adversos e alterações medicamentosas que precisam ser levadas em conta quando prescrevidas”, explica.
Ainda segundo o infectologista, mais da metade das pessoas que estão nas UTIs realizou tratamento precoce com algum destes medicamentos. “Cerca de 60% dos pacientes que estão internando hoje nas UTIs têm histórico de tratamento profilático, que é o tratamento precoce com hidroxicloroquina, azitromicina ou ivermectina, e eles estão morrendo, porque não serve para nada”, desabafa.
Conselho Regional de Medicina
Procurado pelo G1, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) informou que foi publicado um livro, chamado ‘Manual das Melhores Práticas Clínicas na Covid-19’, que reúne orientações sobre as condutas médicas com maior respaldo científico. Segundo o conselho, a prescrição de forma off label deve discutida com o paciente, que deve consentir com a prescrição.
Em relação à divulgação de tratamento com medicamentos sem comprovação científica por meio de redes sociais, o órgão informou que a prática pode configurar infração ao Código de Ética Médica. Confira a nota na íntegra:
“O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo [Cremesp] informa que publicou um livro, intitulado ‘Manual das Melhores Práticas Clínicas na Covid-19’, em que reúne orientações sobre as condutas médicas com o maior respaldo científico.
Já no caso da prescrição de forma off label de medicações já aprovadas, ou seja, para fins outros que não os que constam em bula, os riscos e a ausência de evidências devem ser bem discutidas com o paciente, que deve consentir com a prescrição.
Pela falta de evidências, contudo, o médico não pode divulgar o tratamento com tais medicamentos como eficaz. A divulgação e prescrição de medicamentos/protocolos informais e sem comprovação científica relevante, por meio de canais públicos, como redes sociais e imprensa, por exemplo, pode configurar infração ao Código de Ética Médica”.