Família que mergulhou em casa submersa para salvar móveis no AC perdeu enxoval de bebê que nasceu há cinco dias

Foto: Ciro Souza/Arquivo pessoal

Ciro Souza, morador de Sena Madureira, no Acre, ficou conhecido no país após registro da família se arriscando ao mergulhar pela janela de uma casa submersa na tentativa de salvar os móveis. Na última sexta-feira (26), a família ganhou mais um integrante, nasceu a pequena Isis, que perdeu todo o enxoval durante a cheia no município, um dos mais afetados no estado.


Souza diz que sobrou pouca coisa do que a família tinha, mas, conta que agora o que mais preocupa é conseguir comprar o enxoval da filha. A criança nasceu em uma unidade de saúde que não foi afetada pela cheia na cidade.


“Deu para salvar alguma coisa do enxoval dela, mas a gente tinha ganhado um carrinho usado que não conseguimos tirar da casa, ficou afundado, e agora não presta mais. Ainda não dá para entrar na casa e limpar tudo para voltar, porque ainda tem uns 50 centímetros de água acima do chão. Estamos na casa de um primo que fica em uma invasão na parte alta, minha esposa está lá com ela [filha].”


Souza é um dos moradores do município de Sena Madureira, que teve a casa afetada pela cheia do Rio Iaco. O manancial chegou ao nível de 18 metros. Essa foi a maior cheia desde 1997, quando o rio marcou 19,40 metros. Mais de 27, 6 mil pessoas chegaram a ser atingidas (quando a água afeta direta ou indiretamente de alguma forma uma família) pela cheia.


Nesta terça-feira (2) o rio marcou 15,92 metros, acima da cota de transbordo (15,20 m). O manancial só chega a um nível considerado baixo quando estiver abaixo da cota de alerta (14 metros) e a de inundação é de 15,20.


Enquanto não consegue entrar na casa dele para limpar tudo, está na vizinhança ajudando os amigos com a limpeza de suas casas.


“Estou por aqui ajudando os parentes e amigos a limpar a casa deles. É difícil de entrar na minha casa porque, como ainda tem água, a porta está emperrada devido à lama. Além do carrinho, não conseguimos tirar a geladeira e a máquina e não teve jeito de aproveitar, ainda subimos os móveis, mas não dava para saber que o rio ia subir tanto. Além disso, as casas aqui dá para ver que ficaram danificadas, as paredes estão todas tortas”, fala.


Recomeço

De poucas palavras, mas confiante, Souza diz que agora o que ele mais quer é recomeçar. “Ainda não dá para trazer a neném para cá, porque tem muito bicho na água, tem que limpar tudo, tirar a areia, não dá para trazer uma criança recém-nascida, estou pensando em deixar ela com minha esposa na casa do eu primo mesmo.”


Sobre o risco que correu em ter mergulhado com os parentes para salvar as coisas, Souza fala que foi a forma que encontraram de não perder o pouco que tinha restado por causa da ação de bandidos que aproveitam o momento e ainda entram nas casas pelo telhado para furtar.


“Arrombaram minha casa e do rapaz do lado. Ainda tem gente arrombando casa e levando o que a gente já não tem. Isso diante desse sofrimento que estamos passando, é muita falta de humanidade, falta consciência de um ser humano desse. Agora, estamos aqui tentando tirar o resto das coisa para não levarem”, desabafa.


O tenente Fábio Diniz, do Batalhão da Polícia Militar na cidade, explica que são feitos patrulhamentos, mas que a situação é difícil de controlar.


“A gente vem fazendo, dentro da nossa possibilidade, patrulhamento noturno e à tarde. Ocorre que nós também temos a questão dos abrigos e das organizações criminosas. Estamos atuando fortemente para tentar evitar, mas é complexo”, disse.


Ruas cobertas por bancos de areia

Ao G1, o secretário Municipal de Serviços Urbanos da (Semsur) na cidade, Jeocundo César, informou que os trabalhos de limpeza da cidade iniciaram na última terça-feira (23) depois que o rio começou a apresentar vazante. Após a baixa das águas, o que se vê pela cidade são ruas tomadas pela lama, galhos de árvores e entulho.


De lá até sábado (27), foram retiradas mais de oito toneladas de lixo das ruas. Ele disse que pelo menos 40% da cidade já está limpa. A previsão é que o trabalho de limpeza de todo o município seja concluído em cerca de 15 dias.


“Iniciamos o trabalho nos bairros da parte alta da cidade, Centro, Cohab e Jardim Primavera. E, desses locais, demos uma prioridade para o Centro da cidade, porque é onde funciona prefeitura, bancos, comércio, ou seja, é onde tem uma movimentação maior de pessoas. É muita lama, muitos entulhos, a cidade está completamente acabada, além de trazer os prejuízos que essas enchentes trazem, agora vem o prejuízo de infraestrutura da cidade. No Segundo Distrito, por exemplo, parece praia mesmo, as ruas estão tomadas por bancos enormes de areia, porque lá o rio tinha uma correnteza”, disse o secretário.


Cheia em Sena Madureira

A cheia do rio chegou a atingir mais de 27,6 mil pessoas do município. Essa é a maior cheia desde 1997, quando rio marcou 19,40 metros. Ainda conforme os dados, 5,7 mil pessoas ficaram desalojadas, ou seja, foram levadas para casas de parentes e outras mais de 1,5 mil desabrigadas.


Informações do gabinete de crise instalado na cidade apontam que, ao todo, Sena Madureira tem 47 abrigos, instalados em escolas, igrejas e repartições públicas. A estimativa é que cerca de 70% da cidade tenha sido atingida pela cheia. Pelo menos 12 bairros foram 100% atingidos pela alagação.


Calamidade pública

O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) reconheceu, na segunda (22), em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), estado de calamidade pública em 10 cidades do Acre atingidas por inundações causadas pela cheia dos rios no estado.


Os municípios de Rio Branco, Sena Madureira, Santa Rosa do Purus, Feijó, Tarauacá, Jordão, Cruzeiro do Sul, Porto Walter, Mâncio Lima e Rodrigues Alves enfrentam dificuldades com parte da população desabrigada (encaminhada para abrigos) e desalojada (levada para casa de parentes).


O governador do Acre, Gladson Cameli, havia decretado calamidade em uma edição extra do Diário Oficial do estado (DOE) também nesta segunda. Pelo menos em oito dessas cidades atingidas os rios estão com vazante (diminuição no nível das águas) e com estabilidade. Mesmo assim, a cheia é considerada histórica e atinge cerca de 118 mil moradores do estado acreano.


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