Considerada uma planta rara, a costus Juruanus só pode ser encontrada no extremo oeste do Acre em uma terra indígena, às margens do Rio Tarauacá. Conhecida pelos indígenas e ribeirinhos também como cana-de-macaco ou cana-de-jabuti, a planta só foi reencontrada após alguns anos de expedição pelo Acre e depois de mais de um século desde que foi registrada pela primeira vez.
Junto com pesquisadores norte-americanos, Marcus Athaydes Liesenfeld, doutor em Ciências Florestais, professor de botânica e ecologia e pesquisador no Laboratório de Econatomia e Ecologia Vegetal da Universidade Federal do Acre, em Cruzeiro do Sul, viveu uma verdadeira aventura para achar a planta que só pode ser vista no estado acreano.
Liesenfeld explica que a família que a costus Juruanus pertence é comum e tem várias espécies, mas, essa só pode ser vista no Acre em um local bem específico.
“Fizemos outras expedições no Rio Acre, circulamos próximo a Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima, mas o único ponto que a encontramos foi nesse local no Rio Tarauacá, então a gente pode dizer que é rara, restrita àquela região entre o Rio Tarauacá e o Juruá-Mirim”, explica.
Depois de alguns anos de busca, ao reencontrar a planta, o professor conseguiu reproduzi-la em laboratório e no início deste ano já foi possível contemplá-la dando flores.
“Trouxe os brotos para plantar ela no laboratório e finalmente este ano a gente viu ela em flor. Foi bem interessante, porque tivemos a oportunidade de vê-la florindo e as pessoas podem conhecê-la em um local bem próximo sem precisar ir na mata”, explica o pesquisador.
Ele destaca também que outras espécies podem ser encontradas na mata atlântica, mas a costus Juruanus é bem específica.
O primeiro registro da planta foi feita em 1091 — Foto: Arquivo pessoal
Amostras perdidas em incêndios
Mas, para entendermos essas buscas, é preciso voltar em 1901, quando Ernst Heinrich Georg Ule, um botânico alemão que esteve envolvido em pesquisas na região amazônica entre 1900 a 1903, esteve no Acre e fez o primeiro registro da planta.
Segundo o pesquisador, Ule fez a descrição da espécie que ficou em um herbário em Berlim, mas o registro se perdeu após um incêndio no local durante a guerra.
“Já em 1929 um outro pesquisador achou essa mesma planta e, como não encontrava nenhum registro dela, considerou como nova, porque o registro havia sido perdido. Então, ela foi chamada de costus Productus. Mas, em 1977 o pesquisador Paul Maas achou uma cópia dessa mesma espécie e comparando achou que se tratava da mesma planta. Na botânica, o nome válido sempre é o mais antigo, vale o primeiro que foi dado para a aquela espécie”, disse.
Em 2009, o pesquisador entrou em contato com Liesenfeld e mais um professor para que uma expedição fosse feita na Amazônia. Seguindo as pistas das descrições passadas, eles conseguiram encontrar a planta registrada pela primeira vez há mais de 100 anos.
Expedições foram feitas na região amazônica seguindo pistas de registros anteriores — Foto: Arquivo pessoal
Tentativas
Dave Skinner saiu dos Estados Unidos para acompanhar as expedições que começaram em 2009. A intenção de Paul Maas é publicar uma revisão de toda a família Costaceae e, para isso, precisava confirmar que a costus Juruanus e a costus Productus eram realmente a mesma espécie.
“O primeiro registro dizia que ela foi encontrada no rio Juruá-Miriam, mas na época não conseguimos fazer a expedição lá porque não era seguro. Então, sugeri de a gente ir em um rio paralelo, que é rio Azul, porque lá teríamos chances de encontrar, mas não era certeza, estávamos indo às cegas. Encontramos várias espécies da costus, mas não não a Juruanus. Todas essas amostras foram coletadas e ele voltou em abril de 2019 para fazermos uma nova expedição no Rio Tarauacá, seguindo uma pista de uma coleta feita pelo Marcos Silveira [pesquisador], que havia achado uma costus, mas não tinha identificado a espécie”, conta.
Indígenas ao verem a foto identificaram que a planta existia dentro das terras indígenas às margens do Rio Tarauacá — Foto: Arquivo pessoal
Ajuda de indígenas
Montada a expedição, os pesquisadores contaram com ajuda de guias locais, entre eles um indígena que conhecia bastante a região. Ao saber o que os estudiosos procuravam, ele disse que o tio dele, que é cacique em uma aldeia próxima, saberia dizer onde encontrar a planta.
“Isso foi o que nos pegou de surpresa, porque o que a gente tinha de informação era o nome antigo daquela localidade. Nós não sabíamos que ali, onde era um seringal antigamente, tinha se tornado terra indígena e isso atrasou um bocado a expedição por conta das autorizações de subida e entrada nas terras. Procuramos em duas comunidades; na primeira o ponto que estávamos seguindo não existia mais porque o rio havia levado. Voltamos para a comunidade que o cacique ia nos receber e olhando a foto da planta ele disse que tinha essa planta lá e ia mostrar para a gente”, conta.
Agora, eles estavam cada vez mais próximos de achar a planta.
“Com ajuda de mais um guia, ele conseguiu nos levar lá e finalmente encontramos a costus Juruanus, abaixo da terra indígena, mas ainda na beirada do rio Tarauacá. Foi um sucesso mesmo, porque eu já estava desacreditado, mas a gente nunca desistiu e quando encontramos foi uma alegria muito grande”, relembra.
Todo esse material foi catalogado no campus Floresta, da Ufac, onde a costus Juruanus foi plantada e pode ser contemplada no herbário da universidade.
“As espécies crescem como arbustos e o que vai variar muito é altura e a forma como a flor aparece, ela pode aparecer na parte mais alta dos ramos ou pode aparecer partindo do solo, na terra, no pé dela. É um cone que de cada lado vai saindo essas pequenas flores e é uma ou duas por dia que vão nascendo desse cone. A costus Juruanus vai nascendo uma de cada lado, uma por dia ou uma a cada dois dias”, explica o pesquisador sobre a variedade da família que a planta faz parte.
Ele destaca também que algumas espécies dessa família são usadas pelos indígenas como diurético e como forma de combater pressão alta, melhorar circulação sanguínea, mas a Juruanus não tem uso medicinal por eles. “Eles só conheciam pela existência dela, por ser bonita. Não sabemos do uso dela de forma medicinal.”
Planta foi achada com a ajuda de indígenas da região — Foto: Arquivo pessoal
Próximos passos
O estudo sobre a as costus não para por aí. Liesenfeld diz que eles já têm indicação de buscar uma outra planta, também do mesmo gênero, que seria uma espécie nova.
“Estamos planejando uma viagem em abril para a Serra do Divisor para constatar, tentar coletar ela para levar a um especialista para verificar se tem indicativo de uma espécie nova e vai ser também uma espécie rara, porque só tem na Serra do Divisor”, diz.
Para os pesquisadores do Acre, a tarefa é sempre tentar melhorar a lista de espécies da família Costaceae.
“No Peru tem uma população dessa planta, mas o estudo genético vai ser feito para ver se ela é originária daqui ou se ela é endêmica de lá, porque tem essa descontinuidade, provavelmente essa nossa aqui é uma subespécie dessa costus Juranus, que só o resultado do teste genético vai poder comprovar”, conclui.