Metade dos estados brasileiros estão com taxa de ocupação acima de 80% nas UTIs para Covid-19 da rede pública

RIO — Ao menos treze estados brasileiros estão com taxas de internação por Covid-19 acima de 80% nas UTIs da rede pública, segundo levantamento realizado pelo GLOBO nesta sexta-feira, a partir de informações das secretarias estaduais de saúde. São cerca de 29 mil pacientes internados pela doença em leitos de enfermaria e UTI do Sistema Único de Saúde (SUS). Especialistas alertam para a urgência em conter o avanço do coronavírus, que já provoca colapso em alguns estados.


Os estados com índices de ocupação considerados críticos são: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia e Santa Catarina, além do Distrito Federal.


Pará e Tocantins também estão com 77% de ocupação. São Paulo, Amapá e Minas Gerais não informaram a taxa específica dos leitos de Covid-19 da rede pública.


17 capitais com mais de 80% de taxa de ocupação de leitos


A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também fez um alerta: o SUS vive o pior cenário de internações por Covid-19 já observado no país. Segundo o novo Boletim do Observatório Covid-19 da Fiocruz, divulgado nesta sexta-feira, com base em dados apurados no dia 22 de fevereiro, 17 capitais apresentaram taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos de pelo menos 80%.


São elas: Porto Velho (100,0%), Rio Branco (88,7%), Manaus (94,6%), Boa Vista (82,2%), Palmas (80,2%), São Luís (88,1%), Teresina (93,0%), Fortaleza (94,4%), Natal (89,0%), Recife (80,0%), Salvador (82,5%), Rio de Janeiro (85,0%), Curitiba (90,0%), Florianópolis (96,2%), Porto Alegre (84,0%), Campo Grande (85,5%) e Goiânia (94,4%).


Eles destacam que essas cidades são as que concentram mais recursos de saúde e também populações


O estudo ainda aponta que 12 Estados e o Distrito Federal estão na zona de alerta crítica, com ocupação igual a 80% ou mais das UTIs; 13 Estados estão na zona de alerta intermediária, entre 60% e 80%, e somente um Estado está fora da zona de alerta, com menos de 60% de utilização.


Segundo a análise, a Região Norte se mantém em situação preocupante, com Rondônia (97,1%), Acre (88,7%), Amazonas (94,6%) e Roraima (82,2%) na zona de alerta crítica e Pará (76,0%), Amapá (62,3%) e Tocantins (74,1%) na zona de alerta intermediária.


No Nordeste, além de Ceará (92,2%) e Pernambuco (85,0%) na zona de alerta crítica se somaram o Rio Grande do Norte (81,4%) e a Bahia (80,2%). O Maranhão (77,7%) e o Piauí (77,2%) permanecem na zona de alerta intermediária, mas com incrementos significativos no indicador, enquanto Paraíba (62,4%), Alagoas (65,8%) e Sergipe (61,2%), que estavam fora


Padrão homogêneo no território nacional


A especialista em Saúde Pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ligia Bahia afirma que a situação mostra um espalhamento da doença, com um padrão quase homogêneo em território nacional.


— É preocupante porque não permite apoio de um estado para o outro, ou a concentração de mais recursos em determinado lugar. Tudo é urgente e relevante. É um problema enorme, já havíamos alertado que a pandemia iria interiorizar. É dramático demais. Significa que todos os recursos estão se esgotando, e ao mesmo tempo. Não adianta mais transferir paciente, por exemplo — explica.


Ela também afirma que o avanço da Covid-19 entre os mais jovens contribui para a sobrecarga dos sistemas de saúde:


— Agora a população mais suscetível é a jovem. É a tendência de qualquer processo transmissível pessoa a pessoa. E certamente isso complicou, porque os jovens ficam mais tempo internados — afirma a especialista.


Medidas de restrição urgentes


A sanitarista Tatiane Moraes, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde da Fiocruz e colaboradora do Observatório Covid-19, destaca que alguns estados já têm fila de espera para as UTIs, o que significa que já estão colapsando. Ela alerta que a tendência para as próximas semanas é de piora, devido aos efeitos do Carnaval e da volta de várias atividades este ano.


— Não é mais só prever o colapso, a gente sabe que onde tem fila de espera, tem pessoas que podem não resistir. A primeira medida necessária é bloquear a transmissão. É uma doença transmitida através do ar por pessoas próximas, então não existe outra maneira de reduzir, além da vacina, que já sabemos a dificuldade, que não seja diminuir esse contato intrapessoal. O lockdown é uma consequência desse raciocínio — afirma, e completa: — Algumas medidas devem ser adotadas em nível nacional, mas os estados não podem esperar essa decisão.


Ligia Bahia, afirma que a recomendação no momento é fazer um lockdown em um espaço curto, de 10 dias ou duas semanas, com medidas mais radicais do que as que foram adotadas até agora.


— Seria preciso fechar mesmo as atividades não essenciais, por um curto prazo. Comércios, bares, hotéis. É necessária uma medida nacional, com políticas efetivas, para dar apoio aos estados, com apoio financeiro tanto para as pessoas que ficam sem trabalhar quanto para as empresas. Mas a medida também precisa ser acordada com os estados — afirma a especialista.


Fiscalização


O pesquisador da Fiocruz e sanitarista Christovam Barcellos defende que as ações combativas à pandemia deveriam ter sido tomadas precocemente. Mas também alerta que medidas restritivas sem fiscalização podem gerar efeitos inversos aos desejados.


— É preciso tomar medidas restritivas, sim, mas não adianta ter medidas muito rígidas se não existe estrutura para fiscalizar e garantir que serão cumpridas. Não adianta proibir os bares de funcionar se não houver uma fiscalização severa, porque, se um bar abrir, todo mundo que deixou de ir para outros vai se aglomerar lá. Outro exemplo é o Carnaval. Muitas cidades registraram pontos onde havia uma quantidade enorme de pessoas aglomeradas, mesmo com os decretos de proibição — explica o sanitarista.


Barcellos ressalta que os governos deveriam tomar medidas dentro do que for possível de ser cumprido.


— Por exemplo, o estabelecimento de lotação mínima em bares e restaurantes, proibição total de festas, aumento da oferta de transportes para evitar a superlotação e permitir um afastamento entre os passageiros. Essa tem de ser uma ação nacional — defende o pesquisador.


Moraes também destaca a importância de melhorar ações de vigilância, testagem e isolamento de casos suspeitos para para conter o avanço da Covid-19.


— A estratégia de testagem e o acompanhamento de casos e contenção da transmissão  foi muito subutilizada no Brasil até agora. Por que não temos acesso a mais testes? É uma questão de prioridade. Mesmo que houvesse leitos para todos, ainda teria uma taxa de letalidade. Se não controlamos a transmissão, assumimos um número de mortes que poderiam ser evitadas — afirma a sanitarista.


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