No último dia 15, o Bispo Dom David Vicariato, de Puerto Maldonado, enviou uma carta aberta ao governo peruano pedindo que deixassem os imigrantes retidos em Assis Brasil passar pela fronteira para seguirem viagem. Nesta terça-feira (23), líderes dos imigrantes e religiosos se reuniram para reforçar o pedido.
Em Assis Brasil, no interior do Acre, cerca de 40 a 60 imigrantes que foram impedidos de entrar no Peru continuam acampados na Ponte da Integração, e mais de 250 estão nos dois abrigos da cidade. Nessa segunda-feira (22), um grupo com 20 imigrantes chegou na cidade na tentativa de atravessar para o país vizinho, segundo o prefeito Jerry Correia.
Agente da Pastoral do Migrante, Edmilson Lopes Pereira Júnior, acompanhou a reunião. Religiosos do Brasil e do Peru conversaram com representantes dos imigrantes.
“Nós tivemos uma escuta que a igreja católica possa viabilizar a saída deles para o território peruano, mas tudo que tinha que ser pedido já foi solicitado ao Estado do Peru, para que pudesse ter um olhar de misericórdia, mais carinhoso com as pessoas que estavam por aqui. Então a reunião quis reforçar novamente essa decisões que já foram tomadas, mas dependemos do Peru”, explica.
Ele diz ainda que vários grupos organizados têm ajudado no apoio aos imigrantes.
‘Queremos apenas passar’
Há um no Brasil, o africano Julio Amago estava em Santa Catarina onde trabalhou com diversas coisas. Agora, ele tenta ir para a Colômbia, onde sua família estar. Há semana retido, ele diz que não consegue falar com os familiares.
Ele teme pela saúde do grupo. Ele foi o escolhido para representar os imigrantes na reunião. Ele diz que temem a dengue e também a pandemia.
“Se a gente pegar dengue ou a Covid com certeza vai ser mais complicado sair. Então, a gente está lutando para ter uma forma do Peru liberar a gente de passar. A gente está querendo uma resolução urgente”, diz.
Ele diz ainda que conseguir sair do país é um direito.
“Os imigrantes têm direito de andar em todo lugar que quer, onde ficar seu coração, se não deu você pode continuar sua viagem, não é hoje que o imigrante está aparecendo, não é uma novidade. Se a pessoa tem coração, não deixa a gente nessa situação. Não temos nem pra onde voltar. A gente vai ficar na ponte até conseguir uma resposta”, finaliza.
Brasileia
Sem conseguir passar para o Peru, os imigrantes retidos no Acre tentam uma rota alternativa para chegar na Bolívia e de lá seguir viagem. Um grupo de mais de 40 pessoas foi barrado, no final da semana passada, já na Bolívia e mandado de volta por policiais bolivianos ao Acre após tentar fazer a nova rota.
A informação foi confirmada ao G1 pelo coordenador do Gefron, delegado Rêmullo Diniz. Segundo ele, o grupo teria chegado de avião em Rio Branco após sair de São Paulo e foi para Assis Brasil. De lá, se deslocou de táxi até a cidade vizinha de Brasileia, que faz fronteira com a Bolívia. A pé e sem levar bagagens, eles atravessaram a Ponte da Amizade, que liga Brasileia a Cobija, na Bolívia.
Na cidade boliviana, eles já tinham um ônibus aguardando para seguir viagem, segundo o delegado. O grupo então foi flagrado por policiais bolivianos já na estrada, tentando sair de Cobija.
“Nós identificamos que eles estavam passando sem bagagem e sem crianças. Então, nós já estávamos monitorando. Eles passaram a ponte entre Brasileia e Cobija como se fossem turistas e lá já tinha uma articulação de alguém por eles com ônibus fretado e eles iriam até La Paz. Inclusive foi pego a 40 quilômetros já de Cobija e foram mandados de volta”, contou o delegado.
O delegado informou que a passagem não está proibida para o país vizinho para compras em Cobija e que essa passagem pode ser feita até às 22h.
Passado esse horário, a polícia do país vizinho manda de volta as pessoas ou pede que fique nos hotéis da cidade. No entanto, a passagem para o país e de lá seguir viagem está proibida, assim como no Peru.
“Tem a limitação de horário, a partir das 22h está proibida circulação, mesmo sendo brasileiro, eles colocam de volta ou em hotel. Mas até esse horário que está livre a circulação somente em Cobija. Como é uma situação de competência da Polícia Federal, nós estamos subsidiando informações para a PF e para a PRF, porque fomos nós que descobrimos essa nova rota, e eles estão tomando as providências de controle imigratório. Não temos ainda indicativo de montar barreira lá, mas estamos com equipes do Gefron em Brasileia também”, disse Diniz.
Situação em Assis Brasil
Os imigrantes chegaram em cinco táxis lotados e, como a fronteira com o Peru segue fechada, não conseguiram seguir viagem, assim como os demais que continuam na cidade. O Grupo Especial de Fronteiras (Gefron) disse que esses imigrantes saíram de São Paulo, pegaram um voo até Rio Branco, onde pegaram os táxis até Assis Brasil.
Já são quase dez dias que a tensão na fronteira tem aumentado, porque imigrantes, em sua maioria haitianos, tentam atravessar para o Peru, cujas fronteiras estão fechadas por causa da pandemia do novo coronavírus.
A secretária de Assistência Social, dos Direitos Humanos e Políticas para Mulheres do Acre (Seasdhm), Ana Paula, confirmou que 12 imigrantes que estavam em Assis Brasil estão em um abrigo montado no Centro Dia, que fica anexo à secretaria. Os outros 20 imigrantes que saíram da cidade do interior do Acre seguiram viagem de volta para São Paulo.
Testagem de Covid
Após uma imigrante testar positivo para Covid-19, a prefeitura de Assis Brasil se prepara para fazer a testagem dos quase 300 imigrantes que estão na cidade tentando atravessar a fronteira do Acre com o Peru. Segundo o prefeito, essa testagem deve começar até esta quarta-feira (24).
“Nós recebemos testes do governo e junto com os técnicos da saúde do governo estamos preparando um plano de testagem. Nós temos dois problemas; primeiro a resistência deles, e a gente não pode forçar e segundo que nós não temos, em eventuais casos positivos, onde colocar e isolar. Já falei isso até com a presença do representante do governo federal. Não temos suporte médico suficiente nem para a população”, disse.
Uma haitiana de aproximadamente 35 anos foi levada para o hospital regional de Brasileia, e agravou o quadro e foi transferida para Rio Branco. O plano deve ser apresentado para iniciar a testagem nesta segunda-feira (22).
A Secretaria Estadual de Saúde (Sesacre) informou que o estado ofertou 600 testes que estão sob responsabilidade da unidade estadual mista de Assis Brasil e serão disponibilizados ao município após a entrega do plano ao Comitê Operacional de Emergência da secretaria. Para isso, o município precisa elaborar um plano de testagem, considerando que não pode ser em massa, uma vez que a doença tem o tempo de janela imunológica para aparecer no teste rápido.
A secretaria informou ainda que orientou o município para que a testagem não seja no abrigo e nem nas unidades sentinelas para Covid. Na intenção de não misturar os usuários do SUS. Além disso, a testagem também deve funcionar como um cadastro dos imigrantes.
O imigrante novo que chegar, ao solicitar acesso ao abrigo, deverá ser direcionado ao centro de testagem e atendimento médico ao imigrante para que, de acordo com a triagem e, se houver necessidade do teste rápido, esse imigrante tenha um destino correto, sem possibilidade de contaminar os imigrantes já alojados.
Ocupação
A situação dos imigrantes começou a ficar tensa no último domingo (14), quando cerca de 400 imigrantes deixaram os abrigos que ocupavam e se concentrarem na Ponte da Integração, na fronteira com o Peru. Os imigrantes tentavam deixar o país, mas foram barrados pelas autoridades peruanas.
Na terça (16), os imigrantes enfrentaram a polícia peruana e invadiram a cidade de Iñapari, no lado peruano da fronteira. Depois de confronto, o grupo foi reunido pelos policiais peruanos e mandado de volta para Assis Brasil.
A cidade de Assis Brasil registrou até sábado (20), 1.044 casos de Covid-19. De acordo com o boletim da Sesacre, o município tem a maior taxa de contaminação pela doença no estado com 1.385 caos a cada 10 mil habitantes.
Fronteira
No último dia 18, a Força Nacional foi autorizada a atuar na fronteira. Sobre a situação na fronteira , o secretário de Segurança Pública, Paulo César Santos, informou que as forças estaduais vão continuar na região fazendo o fortalecimento do policiamento ostensivo, no sentido de garantir tranquilidade pública, que as pessoas que se encontram em abrigos, principalmente aquelas que tem sintomas de Covid, evitando que a crise sanitária também se alastre naquela região e no combate ao tráfico internacional de pessoas. A fronteira do lado brasileiro não deve ser fechada.
“Quanto a Força Nacional, o ato normativo publicado pelo Ministério da Justiça, a princípio está com vício, está sendo corrigido, que é derivado da competência para realizar polícia de fronteira. Consequentemente a Polícia Federal, junto com a Senas, entraram em contato com o ministro no sentido de rever os termos da portaria e consequentemente, o que foi destinado ao estado permanece com a União em apoio a PF que já se encontra na região de fronteira bem como a Força Nacional e vão passar a cuidar das questões de alfândega e a migração”, disse.
Rotas
São duas situações que fazem com que o número de imigrantes cresça na cidade de Assis Brasil; a primeira, a de imigrantes que entraram no Brasil entre 2010 e 2016 em busca de uma vida melhor e, com a crise da pandemia, tentam sair do país para seguir viagem até México, Canadá, Estados Unidos e outros países.
A segunda é que o Peru, mesmo fechando a passagem para a entrada de imigrantes, libera a saída deles para o lado brasileiro, então é uma porta de entrada para venezuelanos.