A construção da estrada que vai ligar o Acre ao Peru pelo Parque Nacional da Serra do Divisor, no Vale do Juruá, vai ser investigada em um inquérito civil do Ministério Público Federal (MPF-AC) após pedido da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRCD). A solicitação para apurar supostas irregularidades que possam ser cometidas durante o obra foi feita em outubro de 2020.
Nesta segunda-feira (8), o MPF-AC anunciou que instaurou o inquérito de investigação. A rodovia deve ligar os municípios de Cruzeiro do Sul, no interior do Acre, a Pucallpa, no Peru.
Em visita ao Acre no dia 25 de setembro do ano passado, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, anunciou recursos de R$ 45 milhões destinados para obras em rodovias no interior do estado.
Em novembro do mesmo ano, foi dado o primeiro passo para a construção da estrada com abertura de uma trilha de cerca de 90 quilômetros até o município peruano de Puccalpa.
Na época do pedido da Procuradoria, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) no Acre informou que o processo estava em fase inicial e que a previsão era de que até o final de 2020 fosse lançado o edital para contratação de estudo de viabilidade técnica da obra.
Contudo, o superintendente do Dnit, Carlos Moraes, explicou ao G1 que o processo de contratação dos estudos iniciais é conduzido pelo Dnit em Brasília (DF). Devido à pandemia, ele disse que houve um atraso e a nova previsão é para o final de março.
“No final de março deve sair o termo de referência de contratação dos estudos iniciais. Nem se fala em obra ainda, está bem distante de obra, primeiro tem que ser feito os estudos, o licenciamento ambiental, ouvir os povos indígenas, os ICMBios, pessoal da conservação, audiências públicas, elaboração dos projetos executivos e só aí é que vem a obra. Ainda está muito distante”, pontuou.
Inquérito
Sobre a abertura da investigação, Moraes afirmou que o Dnit ainda não foi notificado ou informado oficialmente do procedimento investigatório. “Tenho acompanhado na imprensa, vi que está no site do próprio MPF e, creio eu, em breve devemos receber algo”, destacou.
Na divulgação, o MPF-AC destaca que um dos motivos para a abertura do inquérito foi levado em conta ‘a missão de proteção dos povos indígenas e do meio ambiente na região do Vale do Juruá, bem como os fatos apontados pela representação encaminhada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC)’.
Os trabalhos de investigação vão ser conduzidos pelo procurador da República Bruno Araújo de Freitas. A primeira fase consiste em recolhimento de informações e cumprimento de diligências.
Um dos principais pontos questionados pela PRDC para a construção da obra é que os povos indígenas e comunidades tradicionais ainda não foram consultados sobre o projeto. ‘Além disso, existe a necessidade de averiguação da legalidade da licença ambiental para a obra, que deve ser obrigatoriamente expedida por órgão federal, com acompanhamento da Funai’.
Sobre esses questionamentos, o superintendente do Dnit argumenta que todos os povos tradicionais e moradores da região vão ser ouvidos sobre a construção da estrada.
“Serão ouvidos, mas, no momento em que o empreendimento avançar, não podemos ouvi-los só com a intenção de fazer o empreendimento, estudo. Não sabemos nem por onde a rodovia vai passar, as propostas mais viáveis de locação estão em amadurecimento. Tem que ter o mínimo de estudo, alternativa para iniciar o processo”, justificou.
PL que tira proteção integral de parque
A estrada, pelo que foi divulgado pelo governo, deve ter seu traçado por dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor, unidade de conservação de proteção integral, considerado um dos locais de maior biodiversidade do planeta, onde estão localizadas duas terras indígenas (Nukini e Nawa).
Em janeiro de 2020, a deputada federal Mara Rocha (PSDB) apresentou um projeto de lei que quer modificar a categoria da unidade de conservação Parque Nacional da Serra do Divisor. A mudança permite a ocupação humana e exploração dos recursos naturais no local.
No texto, a deputada disse ainda que a reclassificação da unidade de conservação vai ser importante para “alavancar” a construção do trecho da BR-364 que vai até o Peru. A proposta gerou inúmeras críticas à deputada federal, que usou o perfil oficial no Facebook para divulgar um vídeo defendendo a aprovação da mudança, dizendo que a intenção, com isso, é fomentar o turismo no Vale do Juruá.
Além de alterar a categoria da unidade de conservação, o projeto apresentado sugere a redução dos limites da Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex) em quase oito mil hectares.
Logo após a divulgação, foi iniciada uma petição online para o arquivamento do PL. O abaixo-assinado foi criado no dia 27 de janeiro do ano passado pelo engenheiro florestal Lucas Matos e chegou a mais de 85 mil assinaturas. O G1 tentou contato com o engenheiro para saber se há novidade na petição, mas não obteve retorno.
Já a assessoria jurídica da deputada Mara Rocha informou que o PL ainda aguarda nomeação de relator na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia. Essa é a primeira comissão por onde o projeto deve passar. A equipe da deputada espera que essa comissão deve ser instalada ainda esse ano.