Móveis perdidos, risco de doenças, falta de água potável e até mesmo alimentos, estes são alguns transtornos que os moradores atingidos pela cheia no Acre enfrentam. Porém, esta não é a única preocupação deles, muitos ainda temem os furtos praticados nessa época. É por esse motivo que a idosa Maria José da Silva, de 61 anos, que mora em Sena Madureira, no interior do Acre, preferiu não sair de casa por medo de ser furtada.
“Com todo sofrimento, prefiro ficar aqui porque roubam as coisas da gente”, justificou sobre a decisão de ficar, mesmo com a água até quase na metade da casa, sem água potável e sem energia elétrica”, desabafa Maria.
O estado do Acre vive uma situação complicada com dez municípios atingidos pela cheia de rios. Mais de 130 mil pessoas chegaram a ser atingidas pelas enchentes dos rios. O governo federal reconheceu o decreto de calamidade pública por causa dos alagamentos. Os municípios de Rio Branco, Sena Madureira, Santa Rosa do Purus, Feijó, Tarauacá, Jordão, Cruzeiro do Sul, Porto Walter, Mâncio Lima e Rodrigues Alves enfrentam dificuldades com parte da população desabrigada (encaminhada para abrigos) e desalojada (levada para casa de parentes).
Ela e o marido montaram um trapiche [estrutura suspensa feita com pedaços de madeira], dentro de casa e suspenderam o que deu de salvar e ficaram em casa. A cidade de Sena Madureira é uma das mais atingidas pela cheia, com o transbordo do Rio Iaco.
Para montar o que eles chamam de “acampamento”, Maria e o marido usaram tábuas para elevar o nível do chão, suspenderam os móveis que podiam, improvisaram um fogareiro e usam um galão para armazenar água. Eles também estão vivendo em cima da estrutura.
“Fiz esse trapiche aí e estou em cima, à noite é na base da lanterna. A água é aqui [dentro de um galão de 20 litros] não tenho mais geladeira, a água levou, não sei nem se ainda vai prestar. Temos o fogão, que também ficou molhado e estou no fogareiro”, contou.
Para ajudar os moradores, uma rede de solidariedade e mobilização se formou para tentar arrecadar donativos e enviar para os moradores das dez cidades afetadas pelas cheias dos rios. Alguns rios já começaram a vazar, mas a situação segue complicada pois, após a cheia, ainda vem a limpeza das cidades e casas atingidas pelos alagamentos.
Sem energia, família monta passarela e continua em casa alagada com medo de roubos
Policiamento
O tenente Fábio Diniz, do Batalhão da Polícia Militar na cidade, explica que são feitos patrulhamentos, mas que a situação é difícil de controlar.
“A gente vem fazendo, dentro da nossa possibilidade, patrulhamento noturno e à tarde. Ocorre que nós também temos a questão dos abrigos e das organizações criminosas. Estamos atuando fortemente para tentar evitar, mas é complexo”, disse.
PM diz que tem feito patrulhamento, mas situação é difícil de controlar — Foto: Polícia Militar do Acre
Cheia em Sena Madureira
A situação na cidade de Sena Madureira, no interior do Acre, ainda é complicada por conta da cheia do Rio Iaco. Mesmo com uma vazante (diminuição no nível das águas) de mais de dois metros nas últimas 24 horas, as águas do rio continuam atingindo 17 bairros e mais de 27,6 mil moradores.
O nível do rio continua baixando, mas o manancial segue acima da cota de transbordo, que é de 15,20 metros. Segundo dados do Corpo de Bombeiros, o rio marcou 17,36 metros nesta quinta-feira (25).
Essa é a maior cheia desde 1997, quando o manancial marcou 19,40 metros. Ainda conforme os dados, 1,7 mil famílias estão desalojadas, ou seja, foram levadas para casas de parentes e outras 299 estão desabrigadas, foram encaminhadas para abrigos públicos.
Informações do gabinete de crise instalado na cidade apontam que, ao todo, Sena Madureira está com 47 abrigos instalados em escolas, igrejas e repartições públicas. Ao todo, 17 bairros bairros estão atingidos pelas águas.
Em Sena Madureira, rio já atinge mais de 27, 6 mil pessoas — Foto: Marcos Vicentti/Secom
Limpeza
No bairro Vitória, um dos mais atingidos em Sena Madureira, a água ainda está alta, mesmo assim, a moradora Maria Francisca disse que vai se arriscar para fazer uma limpeza inicial na residência para ver se dá para tirar a lama. “Vou fazer a limpeza e ver se dá para limpar para não deixar a lama secar” contou.
Calamidade pública
O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) reconheceu, na segunda (22), em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), estado de calamidade pública em 10 cidades do Acre atingidas por inundações causadas pela cheia dos rios no estado.
Os municípios de Rio Branco, Sena Madureira, Santa Rosa do Purus, Feijó, Tarauacá, Jordão, Cruzeiro do Sul, Porto Walter, Mâncio Lima e Rodrigues Alves enfrentam dificuldades com parte da população desabrigada (encaminhada para abrigos) e desalojada (levada para casa de parentes).
O governador do Acre, Gladson Cameli, havia decretado calamidade em uma edição extra do Diário Oficial do estado (DOE) também nesta segunda. Pelo menos em oito dessas cidades atingidas os rios estão com vazante (diminuição no nível das águas) e com estabilidade. Mesmo assim, a cheia é considerada histórica e atinge cerca de 118 mil moradores do estado acreano.
Imigrantes ocupam a Ponte da União, em Assis Brasil — Foto: Raylanderson Frota/Arquivo pessoal
Pandemia, enchente, surto de dengue e crise migratória
O Acre registrou mais sete mortes por Covid-19 em apenas 24 horas. As informações são do boletim da Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre) desta quinta (25). São 376 novos casos da doença fazendo com que o número de pessoas infectadas passe de 55.881 para 56.257. O total de mortes agora é de 982.
Desde semana passada, alguns rios ultrapassaram a cota de transbordo atingindo milhares de família. A cidade de Tarauacá, no interior do Acre, chegou a ficar com 90% do território tomado pela água. O Acre chegou a ter 130 mil pessoas atingidas de alguma forma pela cheia dos rios na capital e no interior do estado. A Defesa Civil considera atingidas pela cheia casas onde a água chegou, desabrigando ou não os moradores.
Em menos de dois meses, o Acre registra mais de 7,5 mil casos suspeitos de dengue e outros 1.683 casos já confirmados da doença. Os dados são do boletim epidemiológico do Departamento de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre) e levam em consideração os registros entre os dias 1º de janeiro até essa terça (23).
Também nesta semana se agravou o cenário dos imigrantes que estão retidos na fronteira do Acre com o Peru desde o ano passado, quando o país vizinho decidiu fechar as fronteiras e impedir a passagem deles para o lado peruano. Os imigrantes já estavam sendo atendidos pela prefeitura de Assis Brasil, mas no último domingo (14) se rebelaram e ocuparam a ponte da cidade.
Pelo menos 40 imigrantes que fazem rota reversa pelo Acre e tentam entrar no Peru continuam a acampados na Ponte da Integração, quase 10 dias depois de ocuparem o local. Ao todo a cidade ainda tem mais de 300 imigrantes depois de ter mais de 500.