País não acompanha surgimento de novas cepas do coronavírus

(crédito: Justus Liebig University Giessen/Katrina Friese/Divulgação)

Não é de hoje que os cientistas brasileiros chamam atenção para a necessidade de investir na identificação, rastreamento, monitoramento e isolamento das infecções da covid-19 como medida crucial para interromper a circulação da doença. Apesar de ter sequenciado em tempo recorde, em apenas 48 horas, em fevereiro do ano passado, o primeiro genoma do coronavírus que estava circulando no país, o Brasil sofre com uma escassez na vigilância de novos genomas. Pesquisadores apontam que há estrutura e pessoal capacitado, mas falta recurso. A alta do dólar também é apontada como um problema, visto que os reagentes necessários são todos importados.


Em meio a isso, o novo coronavírus ganhou espaço para, inclusive, evoluir, silencioso, para uma versão possivelmente mais contagiosa. A variante P.1, originada no Amazonas, foi primeiramente identificada do outro lado do mundo e encontrada em mais quatro países, antes de ser confirmada em São Paulo. Pesquisadores apontam que houve, de fato, uma redução do sequenciamento das mutações do vírus no segundo semestre do ano passado. Enquanto isso, o governo federal conta com ajuda da tecnologia de fora para ter mais informações sobre a variante, como informado pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.


Na última terça-feira, o general disse que o Brasil enviou amostra para ser estudada em Oxford. “Mandamos todo o material coletado para a Inglaterra para que a gente tenha uma posição exata sobre o grau de contaminação e agressividade dessa nova cepa”, afirmou, ponderando que os estudos também estavam sendo conduzidos no Brasil.


Pouco sequenciamento
De acordo com a plataforma Gisaid, na qual cientistas do mundo todo compartilham informações sobre o vírus, das 448,4 mil sequências publicadas, até 29 de janeiro, 191,6 mil (42,7%) têm origem no Reino Unido, 98 mil na América do Norte. Do outro lado, o Brasil sequenciou apenas 2.403 (0,5% do total). A própria linhagem P.1 foi evidenciada após um alerta feito inicialmente por pesquisadores japoneses, que identificaram a variante em quatro viajantes vindos do Amazonas para o país.


Desde então, a mutação também já foi identificada no Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos e Itália. Apesar dos indicativos de alta transmissão da P.1 ocorrendo no Amazonas, somente na última terça-feira (26) houve a confirmação de registro da variante em outra unidade federativa brasileira. O Instituto Adolfo Lutz identificou a nova variante em três pacientes de São Paulo.


Responsável por sequenciar a nova cepa no Brasil, Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), afirma que, apesar de o dado japonês ter ganhado visibilidade antes, estudiosos brasileiros já haviam sequenciado e informado o governo do Amazonas. A divulgação dos resultados, por parte dos pesquisadores, ocorreu dois ou três dias depois, segundo ela.


Ainda assim, a descoberta não significa poder de impedir que uma variante se espalhe. “Mas passa a informação correta para a gente entender o que está acontecendo. Saber que é uma outra linhagem é importante, e dá uma noção melhor de qual é o problema que Manaus está vivendo”, explicou.


Ester admite que houve uma redução nas ações de sequenciamento no último ano. “Acho que, realmente, o número de sequências foi menor no segundo semestre, e são várias questões que afetaram os vários grupos. A ciência precisa de apoio contínuo”, afirmou.


Para a pesquisadora do Laboratório de Bioinformática do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) Ana Tereza Vasconcelos, o país precisava ter sequenciado mais. Porém, ela explica que o sequenciamento é uma técnica cara. “Para se fazer um rastreamento e identificar as mutações, você precisa sequenciar. É uma técnica cara. Pela dimensão e pela conjuntura do Brasil, não teria condições de fazer um estudo desse tamanho”, disse.


A geneticista ressalta que os pesquisadores possuem boas estrutura para fazer a vigilância genômica no país, com laboratórios bem equipados e pessoal. O problema, entretanto, é financeiro. “O nosso maior problema são os consumíveis, como os reagentes, e bolsas para alunos de pós-graduação, que ajudam muito nessa tarefa”, explicou.


Segundo Ana Tereza, a crise econômica também atrapalha, visto que um projeto pode começar com uma previsão de valor, mas a cifra pode subir no decorrer da pesquisa. Além disso, o corte nos investimentos em ciência e tecnologia complica o rumo das pesquisas sobre o novo vírus. No entanto, a geneticista ressalta que não é apenas a fraca vigilância genômica do SARS-CoV-2 que faz com que seja difícil controlar a transmissão no país.


Transmissão
A convicção das próprias autoridades de saúde é de que a linhagem P.1 se espalhou por todo o país. “Acreditamos que já há variantes no Brasil inteiro, diante das características da atual curva de contágio. Por isso, temos que vacinar com a maior velocidade possível, mantendo as medidas de distanciamento e os cuidados com higienização”, destacou o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Carlos Lula.


Ester Sabino afirma que, de fato, a mutação é mais transmissível, ainda que, por hora, não haja informações para saber o quanto. Ela disse, ainda, que é provável que esta nova cepa tenha começado a expandir em dezembro, visto que dados anteriores não tinham detectado a sua presença.


Ao sequenciar 250 genomas do Amazonas, a Fiocruz identificou a linhagem P.1 em 51% das amostras de dezembro e, reforçando o alto potencial transmissor, foi identificada em 91% das amostras na primeira quinzena de janeiro.


Um levantamento paralelo, feito pelo Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde), que reúne pesquisadores brasileiros e britânicos, chegou a resultados parecidos, identificando a nova linhagem em 85,4% das amostras analisadas.


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