No dia 14, com hospitais lotados e falta de oxigênio hospitalar, o governador Wilson Lima (PSC) assinou um decreto impondo medidas como toque de recolher, menos severas que o lockdown — que implica no fechamento quase total de todas as atividades não essenciais e a proibição da circulação de pessoas nas ruas.
Procuradas pela reportagem, as assessorias do Governo do Amazonas e do Ministério da Saúde não negaram o teor das conversas, mas não responderam aos questionamentos específicos sobre a reunião.
O governo estadual argumentou que decisões sobre restrições são tomadas com base em “indicadores epidemiológicos e da rede de assistência à saúde” e defendeu as medidas tomadas na fase atual. Já o ministério citou o “apoio irrestrito aos estados e municípios” na aquisição de equipamentos e ressaltou que as partes têm autonomia para definir estratégias para o enfrentamento ao coronavírus.
O Amazonas vive uma das piores crises sanitárias da história. Desde o início de janeiro, houve um aumento acelerado no número de casos da doença e de internações em hospitais das redes públicas e privadas. No dia 14, a situação chegou ao ápice, com hospitais e outras unidades de saúde relatando falta de oxigênio para os pacientes internados
Levantamentos preliminares feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) apontam que pelo menos 29 pessoas teriam morrido por falta de oxigênio. Diante do caos, a expectativa era de que o governo decretasse medidas severas para impor o isolamento social.
A indicação sobre a reunião está em um documento produzido pela Secretaria Executiva do Ministério da Saúde cujo título é: “Dados do Centro de Operações: Ações realizadas pelo Ministério da Saúde na Operação Manaus”.
O documento traz um resumo das atividades da equipe enviada pelo Ministério da Saúde a Manaus e indica que o grupo chegou a fazer uma “avaliação” sobre um eventual lockdown no estado. “Avaliação da implementação de lockdown no estado do Amazonas e prazo do mesmo”, diz um trecho.
Em outro trecho, o relatório indica que, às 14h do dia 10, foi realizada uma reunião entre o Ministério da Saúde e representantes do governo do Amazonas como o secretário estadual de Saúde, Marcellus Campêlo, e o governador Wilson Lima. Na ocasião, chegaram a discutir até um prazo para a validade do decreto.
“Reunião às 14 horas com o Secretário de Estado da Saúde, governador e outros para definir o lockdown e elaboração do decreto — 15 dias com possibilidade de prorrogação”, diz o documento.
De acordo com as duas fontes ouvidas pelo GLOBO, após a reunião, membros da equipe técnica do Ministério da Saúde pediram, em caráter reservado, que o governo do Amazonas optasse por um “meio-termo”. Segundo essas fontes, tratou-se de uma indicação direta à adoção de medidas menos rígidas que o lockdown.
Apesar dos pedidos, o governador Wilson Lima não era obrigado a seguir orientações do governo federal. Uma decisão do STF do início do ano passado deu autonomia aos estados para escolher quais medidas adotar para conter o avanço da Covid-19.
Quatro dias depois, pressionado pelos relatos de mortes por asfixia e hospitais lotados, o governador Wilson Lima assinou um decreto impondo medidas menos restritivas que o lockdown como o toque de recolher entre 19h e 6h.
Governador havia recuado de medidas de isolamento social em dezembro
Esta não foi a primeira vez que o governador Wilson Lima optou por medidas menos severas diante do avanço da Covid-19 no Amazonas. No dia 23 de dezembro, quando os indicadores já apontavam para um aumento no número de casos, Lima assinou um decreto impondo medidas de restrição ao comércio. A medida, no entanto, foi criticada por políticos e empresários e, no dia 27, Lima recuou e afrouxou as regras permitindo o retorno das atividades do comércio local.
Com a explosão dos casos de Covid-19 e a falta de oxigênio hospitalar, Lima vem, desde o dia 14, impondo medidas mais restritivas como o toque de recolher e, mais recentemente, a proibição da circulação de pessoas por 24 horas, exceto para compra de alimentos, idas a farmácias, unidades de saúde e exercício de atividades consideradas essenciais.
Neste momento, há três investigações em curso para apurar situações ocorridas em meio à crise no Amazonas.
No dia 15, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito para apurar suposta coação para o uso de remédios sem comprovação científica no tratamento da Covid-19 no estado, além da falta de oxigênio em unidades de saúde amazonenses. No dia seguinte, o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou a abertura de um inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para apurar eventual omissão do governador Wilson Lima da prefeitura de Manaus no combate à pandemia.
Nesta segunda-feira, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, instaurou um inquérito para investigar a conduta do ministro Eduardo Pazuello em relação à crise na saúde pública de Manaus. A apuração foi aberta a partir de um pedido feito por Aras, no último sábado, motivado por representações de partidos políticos, que relataram omissão de Pazuello e de sua equipe. Lewandowski determinou ainda o interrogatório de Pazuello em até cinco dias depois da intimação
Em resposta, governo do AM afirma autonomia de decisão
Questionado por que adotou medidas menos rígidas e se elas foram resultado do pedido feito na reunião do dia 10 pelo Ministério da Saúde, o governo do Amazonas respondeu, em nota enviada pela assessoria de comunicação, que “todas as decisões sobre aumento de restrições ou de flexibilização de medidas de distanciamento social, desde o início da pandemia, são tomadas pelo Governo do Amazonas com base em indicadores epidemiológicos e da rede de assistência à saúde, que são monitorados diariamente pelo Comitê Estadual de Enfrentamento à Covid-19”.
Ainda segundo o governo do Amazonas, mesmo essas decisões são discutidas com representantes de órgãos de controle e de entidades da sociedade civil “para que se encontre a melhor alternativa”.
“Neste momento, o decreto de restrição de circulação de pessoas por um período de 24 horas, permitindo o funcionamento apenas de serviços essenciais em horários também restritos, foi considerada a melhor medida a ser adotada na fase atual de enfrentamento da pandemia de Covid-19”, respondeu, na quarta-feira.
“Cabe ressaltar que o Sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite, e, assim, estados municípios têm a autonomia para definir estratégias para o enfrentamento ao coronavírus — de acordo com indicadores como dados epidemiológicos e capacidade de atendimento da rede saúde, por exemplo”, concluiu a pasta.