O número de crianças de até 14 anos com Covid-19 que precisaram ser internadas na capital paulista cresceu 85% em um mês. Se em outubro foram 35 hospitalizadas com síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causada pelo coronavírus, em novembro a quantidade subiu para 65. Os dados, da Secretaria Municipal da Saúde, somam pacientes das redes pública e privada na cidade.
As internações se concentram entre os mais novos, na faixa de 0 a 4 anos (20 em outubro; 40 em novembro). Entre 5 e 9 anos, os casos foram de quatro para 17, enquanto no grupo de 10 a 14 anos caíram de 11 para oito. Os números, apesar de os meses já terem passado, ainda estão sendo atualizados pela pasta e até podem crescer.
Segundo a secretaria, o aumento de crianças com Covid-19 nos hospitais, fenômeno que passou a ser visto desde setembro, acompanha a elevação geral da doença na cidade a partir daquele mês.
Francisco Ivanildo Oliveira, gerente médico do Sabará, hospital de referência no atendimento infantil na rede privada, faz a mesma análise. Por lá, as internações subiram de três em outubro para 12 em novembro. Em dezembro, até esta quinta-feira (17), já foram cinco.
— O que acontece com as crianças é resultado do que acontece na casa delas — afirma o infectologista.
Para ele, a reabertura de creches e escolas, ainda muito limitada, não explicaria o fenômeno, que depende mais do comportamento das famílias:
— Além de um aumento no adoecimento da população jovem, que despirocou, foi para a rua, encheu os bares e está vivendo como se não houvesse amanhã, nós vemos também um aumento entre os adultos um pouco mais velhos, que são em grande parte os pais dessas crianças. Eles também voltaram a ter uma vida social mais intensa. Basta abrir as redes sociais para ver que voltou a ter festa de aniversário, batizado… Houve uma mudança lenta, insidiosa, e esse é o resultado — analisa Oliveira.
No Sabará, a quantidade de diagnósticos positivos do Sars-Cov-2 entre crianças também saltou. Em outubro, foram 54. Em novembro, em torno de cem, número semelhante ao que se encaminha para dezembro, uma vez que até o momento já foram registrados 49 casos no mês.
O cenário de crescimento também aparece em outros hospitais particulares consultados pela reportagem que não atendem apenas o público infantil. No Hospital 9 de Julho, por exemplo, das 61 crianças que testaram positivo para Covid-19 no ano, quatro casos foram em outubro e 24 em novembro. No semestre, por lá, porém, houve apenas uma internação. Já nas unidades do São Camilo, durante novembro, foram nove internações, contra cinco em outubro. No Einstein, o patamar se manteve: duas crianças hospitalizadas com Covid-19 em cada um desses meses.
Anormalidade
Em relação ao quadro geral, as internações e as mortes pelo novo coronavírus entre as crianças são pequenas. Um levantamento da Vital Strategies, organização internacional voltada a estratégias de políticas de saúde pública, indica que no Brasil os menores de 10 anos correspondem a 1,43% do total de hospitalizações e a 0,31% das mortes por SRAG provocadas pela Covid-19.
Nem por isso, destaca Fátima Marinho, médica epidemiologista e pesquisadora sênior da Vital Strategies, são vidas que podem ficar em segundo plano.
— É preciso ver que as crianças não são invulneráveis. E a morte de uma criança é a morte de uma vida inteira que existia pela frente. Temos, sim, que ficar preocupados — diz ela.
No país, de março a novembro, foram 525 mortes de crianças entre 0 e 9 anos com SRAG causada pela Covid. O levantamento foi feito com dados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe). Nos Estados Unidos, em contraste, foram 103 mortes até 10 de setembro, observando-se uma faixa etária maior, de 0 a 18 anos, conforme dados da American Academy of Pediatrics.
Marinho ressalta ainda o registro de 1.179 mortes nessa faixa etária e nesse mesmo período de tempo por SRAG sem uma causa especificada, uma situação incomum em outros anos no Brasil, como mostram comparações com 2018 e 2019. Uma explicação para isso ainda não está clara, mas é provável que estejam dentro dessas estatísticas casos de Covid-19 não identificados.
— Nos Estados Unidos, nessa situação de síndrome aguda grave respiratória não identificada, até setembro, foram só 4 mortes — afirma Marinho.
Outra informação que chamou a atenção dos pesquisadores da organização, que preparam para breve um painel público com esses dados, são os números mais elevados de hospitalização e mortalidade entre as crianças negras brasileiras com Covid-19.
— Isso provavelmente está relacionado com uma maior exposição e também com uma maior perda de saúde dessas crianças. Historicamente, a mortalidade infantil de crianças negras é maior no Brasil.
De olho
Além da pouca testagem, que leva à subnotificação, a falta de conhecimento dos sintomas da Covid-19 em crianças também é uma barreira para que o atendimento seja feito de forma precoce. Os pais devem ficar atentos a queixas de dor abdominal, dor no peito e sintomas gastrointestinais, como a diarreia, explica Marinho, e não só a febre, tosse e falta de ar, como convencionou-se reparar com maior atenção nos adultos.
— A gente vê poucas crianças chegando com falta de ar — conta Oliveira.
A situação, ele diz, é mais comum nos pequenos que já têm bronquite ou asma. Para os demais, entender o que está acontecendo pode ser mesmo um desafio para as famílias:
— Principalmente as crianças até 2 anos não sabem dizer o que estão sentindo. É importante observar a irritabilidade, aquele choro inconsolável, se estão sonolentas ou se pararam de se alimentar. E esses são sintomas super inespecíficos, porque qualquer infecção pode se manifestar assim em crianças.
Com os planos de vacinação ainda distantes de incluir as crianças e sem nenhum teste dos novos imunizantes ainda feito nesse grupo (todos foram testados apenas em adultos e idosos por enquanto), os especialistas destacam que a convivência delas com o vírus ainda deve ser longa, e, por isso, a atenção precisa ser mantida.
— É preciso começar a pensar em vacina para as crianças também, especialmente para as que já têm uma comorbidade, como asma, e também para as que são socioeconomicamente mais vulneráveis — opina Marinho. — A gente tem que começar a pensar na frente. Não podemos deixar que a política de combate ao vírus seja liderada pelo vírus, só correndo atrás de onde ele vai. Temos que nos antecipar ao vírus.