“Depois de dez anos no swing, fui descoberta pela família e julgada pela igreja”


Me casei com Márcio há 21 anos, mas a gente se conhece desde criancinha. Nossos pais frequentavam a mesma igreja evangélica. Quando crescemos, ele já não ia regularmente à igreja por muitos anos. Mas, por insistência da família, foi uma vez e me viu cantando. Fomos apresentados, nos abraçamos. E não nos largamos mais.


Somos de famílias tradicionais evangélicas, então ir para o swing era uma coisa completamente impensável. Tanto que nos primeiros seis anos de casamento, nunca tínhamos ido nem em balada. Até o dia em que saímos para comemorar um aniversário de casamento e, no meio do caminho, um olhou para o outro e disse: ‘Vamos fazer alguma coisa diferente hoje?’. Entramos então em uma casa de swing, por pura curiosidade. A gente nem pensava em se relacionar com outras pessoas, e, de fato, só tivemos algumas interaçõezinhas de toques. Nada além disso. Saímos de lá, dizendo que nunca mais voltaríamos. Aquilo era completamente contra tudo o que acreditávamos.


Depois disso, começamos a transar todo dia, lembrando da experiência. E veio a dúvida: será que tinha sido legal? Como, se é errado? A vida inteira haviam nos ensinado que coisas assim são ruins, capazes de destruir vidas. Só que estávamos vivendo exatamente o contrário.


Resolvemos voltar para o swing. Uma vez, duas, muitas. E sempre saíamos de lá mais felizes, mais unidos, mais fortalecidos. Começamos então a questionar se o que haviam dito para nós era verdade. O que é swing de verdade? É transar, fazer troca de casais? Fomos entrando nesse universo cada vez mais. O ano era 2005.


Márcio sentiu uma grande mudança em mim, muitos problemas de autoestima que eu tinha simplesmente sumiram. Apesar de não ter informação na época, tínhamos muita vontade de contar o que estava acontecendo. Por isso, fizemos um blog e começamos a entender que também era legal trocar informações sobre o tema. Coisas que buscávamos saber e não encontrávamos em lugar nenhum.


Pesquisamos muito, mas estudamos realmente. História, antropologia. Com isso, fomos entendendo todo o funcionamento da religião cristã, como foi criada, para que servia, as castrações todas, a questão do feminismo… Como entendemos tudo isso, o sentimento de culpa nunca existiu. Tentamos levar as duas filosofias paralelamente, até porque nós também não deixamos de acreditar em Deus. Acreditamos em Deus, no céu, no diabo.


A gente só não acredita mais em regras de religião. E entendemos que cada uma coloca suas regras para controlar as pessoas e não têm nada a ver com Deus. Deus é, inclusive, o criador do sexo. No fim, essa ‘vida dupla’ acabou não sendo tão difícil, afinal, nossa vida é uma só.


Durante 15 anos, ninguém da nossa família ou de nosso circulo social soube que fazíamos swing. Até que, em setembro, demos uma entrevista para um portal e mandamos algumas fotos para ilustrar a reportagem. Nelas, eu estava usando peruca e o Márcio, óculos escuros e um boné da nossa marca, Marina e Márcio. No fim do dia, um sobrinho dele telefonou dizendo que havia nos reconhecido. Em pouco tempo, a família toda estava sabendo. E logo a história chegou à comunidade da igreja.


O ponto dessa ‘grande tragédia’ foi justamente o seguinte: além de termos fama na religião, também temos fama no swing. Eu sempre fui de música, desde pequena canto e toco. E minha família também. Tenho vários CDs gravados, já me apresentei em vários congressos, sou professora de música na escola da igreja. Minhas irmãs e minha mãe, de 70 e tantos anos, cantavam comigo. Para minha mãe está sendo muito, muito difícil.


De tantas coisas que me chatearam, o que me deixou realmente abalada foi ter deixado minha mãe triste. Ela não aceitou nenhum tipo de conversa comigo. Sei que ela me ama e, quando conseguir, vai me procurar. Mas, mesmo sofrendo, entendi o lado dela. Levei anos para me adaptar a essa vida, por que ela não precisaria do tempo dela?


Nossos pais tinham muito essa projeção de exibir os filhos, além da relação com a comunidade da igreja. A primeira coisa que eles se preocuparam, quando falaram com a gente, foi o que os outros iriam pensar. Não se a gente está bem, feliz. Isso nem passou pela cabeça deles.


Fui questionada sobre absolutamente tudo. Como mãe, como profissional. As pessoas só me veem transando agora. Ficamos sabendo durante uma viagem e alguns comentários chegaram em nós. Especialmente de gente que achou um absurdo que ‘largamos’ os filhos para fazer festa.


A gente nunca falou 100% a verdade para nossos filhos, hoje com 18 e 15 anos. Eles perguntavam em que a gente trabalhava e dizíamos que cuidávamos de um site, que ajudamos casais nos relacionamentos. Sempre dessa forma, de acordo com a idade deles.


Meu caçula sempre questionava o porquê de a nossa marca se chamar Marina e Márcio se aquele não era meu nome – Marina é meu pseudônimo no swing. Até dois anos atrás, quando encontrou um material de nossos cursos em casa e descobriu o endereço do blog. Ele entrou, leu tudo. Mas ficou pianinho, não falou nada.


Depois que a história foi revelada para o restante da família, o mais velho falou que também já sabia. E os dois ficaram competindo para ver quem conhecia melhor nossa história. ‘Sabia que eles têm vídeos no YouTube com mais de 40 mil visualizações?’ Dizia um para o outro. Muito carinhosos, eles disseram que o importante é a família estar feliz.


Sempre falamos muito sobre respeito, principalmente às mulheres. Agora, conversamos também bastante sobre como lidar com os olhares e comentários dos outros, como se proteger sem usar de agressividade. ‘A maioria dos nossos amigos tem a família meio que destruída, pais que sempre brigam… A nossa é feliz, meus pais são felizes’, me disse o caçula estes dias.


Agora que nossa história saiu na mídia, os celulares de alguns amigos estão chovendo de mensagens, inclusive com vídeos que não são nossos, dizendo que somos nós.


Uma única amiga da igreja me procurou. O que ela disse, a gente já tinha percebido. ‘Não sei se você sabe, mas a comunidade inteira inveja vocês. Felizes, bonitos, sempre juntos.’ Garanto que se houver julgamento divino, o julgamento será a nosso favor.


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