Conselho empresarial lança estratégia para incrementar relação Brasil-China


Apesar dos recentes ruídos entre Brasília e Pequim, depois das reações da embaixada chinesa às críticas feitas pelo deputado Eduardo Bolsonaro esta semana, Brasil e China devem revisar, em 2021, o plano decenal de cooperação entre as duas maiores economias emergentes do planeta.


Isso pode determinar se a relação continuará apenas forte comercialmente ou pode se estender para outras áreas, como investimentos.


Para o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), que publica nesta quinta-feira “Bases para uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China”, o momento é do Brasil focar em três áreas específicas: tecnologia, infraestrutura e finanças.


O documento será entregue ao vice-presidente Hamilton Mourão, responsável no Brasil pela Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN)


— Uma revisão sobre a nossa relação com a China acaba nos forçando a uma reflexão sobre a nossa ideia de desenvolvimento nacional. Uma abordagem de longo prazo nos permite aproveitar as oportunidades desta relação. A China pode ser uma porta de entrada para nós nas transformações do século 21 — afirmou a diplomata e economista Tatiana Rosito, autora do estudo que será entregue ao vice-presidente e especialista no país, depois de servir nas embaixadas do Brasil em Pequim e Cingapura e ser representante-chefe da Petrobras na China de 2017 a 2019.


Rosito lembra que o plano estratégico é fundamental. O plano atualmente em vigor previa que o Brasil gostaria de diversificar suas exportações para a China, algo que não ocorreu: apenas três produtos — soja, minério de ferro e petróleo — passaram a última década representando de 75% a 80% das exportações brasileiras.


Para ela, ou o “nosso objetivo não era uma boa meta ou estamos utilizando os instrumentos errados”:


— A gente ouve muito isso: “a China sabe o que quer de nós, nós não sabemos o que queremos da China”, nos falta uma estratégia de desenvolvimento nacional. E estamos nos relacionando com um parceiro que tem um planejamento muito forte e que usa isso em suas relações.


A diplomata lembra que muitos países do mundo passam por revisões de suas relações com o gigante asiático:


— O Reino Unido acaba de sugerir que todas as divisões de seu governo, em todas as áreas, tenham ao menos um especialista de China. Não temos isso no nosso governo ou nas grandes empresas brasileiras.


Comércio como motor


Em sua visão, o comércio continuará como motor da relação, ainda mais após a China se mostrar, novamente, um parceiro comercial com uma complementaridade natural.


Na atual crise causada pela pandemia do novo coronavírus, assim como ocorreu em 2008, a China ganhou peso nas exportações brasileiras: se em 2019 comprou 28,1% dos produtos exportados pelo Brasil, neste ano, no acumulado até agosto, essa fatia subiu para 34,2%.


No mesmo período, os Estados Unidos reduziram de 13,2% para 9,7%. Na caso da União Europeia, o patamar se manteve estável, passando de 15,9% para 15,1%.


Mas só isso não basta, pondera Tatiana. O documento aponta que, além de aumentar o conhecimento sobre a China, é preciso focar em três agendas prioritárias: infraestrutura, finanças e tecnologia, todas com uma visão de sustentabilidade.


No capítulo infraestrutura, o documento aponta que é necessário “sinalizar compromissos de longo prazo com a atração de investimentos chineses para o setor; propiciar a criação de instâncias de diálogo entre estruturadores brasileiros, incluindo empresas e bancos privados, e estruturadores chineses, sobretudo as grandes empresas construtoras.


Fomentar a participação mais ativa dos bancos de desenvolvimento na discussão de projetos e de mecanismos de cofinanciamento, inclusive com outros bancos multilaterais”, também compõem a lista.


Na frente financeira, Rosito afirma que o país deve aproveitar os canais que já tem com a China, como o Banco dos Brics e aperfeiçoá-los, criando um mecanismo de compensação direta entre reais e renmimbi (ou yuan, como é mais conhecida a moeda chinesa), alé de uma maior integração de suas Bolsas de valores.


5G é oportunidade na tecnologia


Na agenda de tecnologia, o CEBC vê oportunidades em áreas como 5G, computação em nuvem, Internet das Coisas, inteligência artificial, e-commerce, nanotecnologia, biotecnologia, genômica, cidades inteligentes, energias renováveis, veículos elétricos, robótica, entre outros.


Entretanto, o Brasil vive um momento de tensão com a China, pois os EUA pressionam o país a banir a Huawei do 5G brasileiro e o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, gerou um atrito institucional esta semana com a embaixada chinesa.


— Espero que essa questão ideológica não atrapalhe a relação com a China, há um certo pragmatismo, que tem prevalecido dos dois lados, quando o presidente Jair Bolsonaro estava em Pequim ele deixou isso muito claro. Depois disso houve algum ruído, mas o lado chinês pensa muito no longo prazo. E há muitas opções, a China tem incentivado no Brasil, assim como ocorre em outros países, tem buscado uma aproximação com entes locais, como estados e municípios.


No documento, Tatiana Rosito afirma que é muito cedo pensar em um acordo de livre comércio com a China. Porém, como se trata da revisão de uma relação por longo prazo, ela acha importante que o Brasil aponte essa disponibilidade:


— Hoje um debate desse teria que ser com o Mercosul, mas temos que começar a debater acordos comerciais, que não precisam ser amplos, pode ser um acordo de preferências, na área regulatória, padrões de indústria, que podem ter impacto. Começar negociações mais específicas mirando algo maior. Hoje as barreiras estão cada vez mais altas. As regulamentações, principalmente ambientais, que nos restringe na Europa e nos EUA, em breve estarão na China, que está com um mercado cada vez mais sofisiticado.


O documento será apresentado nesta quinta-feira em um evento que terá a participação do vice-presidente Hamilton Mourão. Na sequência, haverá ainda um painel de especialistas que discutirão o conteúdo do estudo.


“Há muito o que fazer em matéria de dever de casa: investir em infraestrutura e capital humano, além de fortalecer e tornar mais ágil o ambiente de negócios, pré-requisitos essenciais para habilitar o Brasil a ser mais competitivo e eficiente no aproveitamento sustentável das janelas de oportunidade que a China oferece”, afirma, no documento, o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China.


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