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Como o medo de ser um perdedor marcou a Presidência de Trump


Nas agora distantes primárias republicanas de 2016, o senador Ted Cruz venceu com folga a disputa no Partido Republicano em Iowa. Isso foi determinado por um método que ultimamente tem estado sob ataque, mas na época era considerado padrão: matemática elementar.


Donald Trump, um dos perdedores em Iowa, logo acusou Cruz de estelionato eleitoral. Ele disparou vários tuítes raivosos, um prenúncio do atual momento de teste da democracia americana: “Com base na fraude cometida pelo senador Ted Cruz durante o caucus de Iowa, uma nova eleição deve ocorrer ou os resultados de Cruz devem ser anulados”.


O episódio reflete o que aqueles que trabalharam com Trump dizem ser seu modus operandi para tentar escapar do xingamento humilhante que ele usa com frequência contra outros: perdedor.


— A primeira coisa de que ele chama alguém que o ofendeu é de perdedor — disse Jack O’Donnell, que dirigiu um cassino em Atlantic City para Trump na década de 1980. — Essa é sua principal palavra de ataque. A pior coisa em seu mundo seria ser um perdedor. Para evitar ser chamado de perdedor, ele fará ou dirá qualquer coisa.


Mas a aversão ao rótulo de perdedor agora atingiu seu auge. Desde que Joe Biden foi declarado o vencedor da eleição de 3 de novembro — e Trump, portanto, declarado o perdedor — o presidente tem repetido alegações infundadas de um processo eleitoral fraudulento e corrupto.


O que antes era considerado a peculiaridade de um empreendedor de Nova York tornou-se um constrangimento internacional, quase derrubando a sagrada transição de poder e deixando o país — que luta contra uma pandemia e uma economia oscilante — com um líder que se recusa a deixar o cargo apesar da matemática básica.


Na segunda-feira, o governo Trump finalmente autorizou um processo de transição, depois que o estado de Michigan certificou Biden como seu vencedor. Ainda assim, Trump continuou a iniciar ações judiciais quixotescas e a tuitar sobre fraude.


Os tuítes do presidente conseguiram semear dúvidas sobre os alicerces da República entre seus muitos milhões de seguidores. Em uma pesquisa recente da Reuters / lpsos, cerca de metade dos republicanos ouvidos acreditava que Trump havia “ganhado por direito” e 68% expressaram preocupação de que a eleição teria sido “fraudada”.


Michael Cohen, ex-advogado de Trump, disse em uma entrevista na semana passada que, para o republicano, “a realidade é secundária”.  Cohen, que foi condenado em 2018 por evasão fiscal e violação das leis de financiamento de campanha e desde então se tornou um crítico do presidente, deu vários exemplos em seu livro recente (“Desleal: uma memória”).


Em 2014, quando a CNBC estava preparando uma enquete com as 25 pessoas mais influentes do mundo, Trump, que inicialmente ficou em 187º lugar de um total de 200, ordenou que Cohen melhorasse sua posição, para que ele ficasse entre os 10 primeiros.


Cohen contratou alguém para avaliar as opções. Depois que essa pessoa determinou que a votação poderia ser manipulada, Trump gastou US$ 15 mil para comprar endereços IP para votarem secretamente no presidente. O esquema funcionou, e ele acabou em nono lugar.


“Em pouco tempo, Trump acreditava que realmente estava entre os dez primeiros e era considerado um homem de negócios profundamente importante”, escreveu Cohen.


Esse medo de ser visto como menos do que o melhor é um tema recorrente nos livros e artigos escritos sobre Trump. Muitos destacam a influência do patriarca, Fred Trump, que tinha sua própria versão da taxonomia binária da Humanidade: os fortes e os fracos.


Um dos exemplos foi a inauguração de seu cassino em Atlantic City, em 1990. De acordo com O’Donnell, que dirigiu o local, Trump pressionou para que o cassino abrisse antes da hora, porque temia a vergonha de um atraso após prometer ao mundo uma estreia cheia de celebridades. Mas o cassino não estava pronto; entre outras questões, apenas um quarto das máquinas caça-níqueis estava aberto, deixando parte do espaço silencioso e vazio.


O Taj Mahal pediu concordata no ano seguinte, para o desespero de muitos credores e investidores.


Trump expôs sua visão de mundo em uma entrevista de 2014 com o autor Michael D’Antonio.


— Você pode ser duro e implacável, mas se perder muito, ninguém vai te seguir, porque você é visto como um perdedor — disse. — Vencer é muito importante. O aspecto mais importante da liderança é vencer. Se você tem um histórico de vitórias, as pessoas irão segui-lo.


Ao tomar posse como 45º presidente dos Estados Unidos, em janeiro de 2017, seu governo afirmou que a cerimônia de inauguração tinha sido a maior de todos os tempos, apesar de todas as evidências em contrário. Mas qualquer sugestão diferente teria tornado Trump um perdedor em uma competição imaginária.


Agora, quase quatro anos depois, os cidadãos votaram, ações judiciais infundadas alegando fraude eleitoral foram indeferidas e os estados certificaram o voto. Ainda assim, o perdedor da eleição presidencial de 2020 continua a ver multidões que o resto do país não vê.


Termina da mesma maneira que começou.


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