Às margens de uma pequena saída da Rio-Santos, em Itaguaí, 25 homens da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) posicionados para um ataque. Passando em velocidade moderada pela pista esburacada, um comboio de 12 criminosos, divididos em quatro carros. Após a reação à bala de um dos bandidos, estopim para um intenso tiroteio, a emboscada dos agentes da força-tarefa terminou não só com a morte de todos os ocupantes dos veículos como aplacou (em parte) uma preocupação imediata do estado: frear uma milícia que tenta estender por toda a Costa Verde um domínio que já consolidou na Zona Oeste e em cidades da Baixada Fluminense.
A explosão de violência, segundo autoridades, foi justificada. Em uma entrevista coletiva, delegados apresentaram o pesado armamento apreendido com o bando e descreveram o perfil de seus integrantes — os 12 tinham anotações criminais, sendo que três eram alvos de 18 mandados de prisão. De acordo com investigações, a milícia vem tomando territórios em Mangaratiba, Angra dos Reis e localidades vizinhas, sempre usando como rota o local onde houve o confronto.
Para avançar pela Costa Verde, a milícia, segundo policiais, contratou quadrilhas inteiras do tráfico da região. São grupos que trocaram a fidelidade a duas facções criminosas por uma sociedade na exploração de “negócios” como cobrança de taxas de segurança de moradores e comerciantes, exploração do transporte alternativo, controle sobre a venda de botijões de gás e comercialização de sinal pirata de TVs por assinatura. Criou-se, então, células paramilitares em diversas áreas que, até alguns anos atrás, só via armas na cintura de seguranças de condomínios de luxo.
“O objetivo da milícia é expandir território. Sabemos que está migrando para Mangaratiba, Angra e outros municípios. Quer tomar tomar tudo e, para isso, contratou ex-traficantes. Mas a morte de tantos milicianos afetou muito o plano” – FÁBIO FREITAS SALVADORETTI, delegado da Core
Além disso, a PRF e a Receita Federal detectaram que o Porto de Itaguaí está sendo usado pela milícia para esquemas milionários de contrabando. Em menos de uma semana, três operações resultaram na apreensão de quase cem mil aparelhos que captam sinais de TV por assinatura, o que representou um prejuízo de mais de R$ 1 milhão para a milícia. Nesta sexta-feira, a Polícia Civil fez uma nova operação, desta vez contra o braço financeiro do grupo, prendendo 18 suspeitos. Foram fechados, na Baixada, dezenas de estabelecimentos supostamente controlados por paramilitares, incluindo um restaurante, um pequeno shopping que vendia roupas falsificadas, uma farmácia, um depósito de botijões de gás e duas empresas que ofereciam o chamado “gatonet”.
O principal nome por trás dessa gigantesca onda de criminalidade que se formou em favelas da Zona Oeste e agora atinge a Costa Verde é o de Wellington da Silva Braga, o Ecko, de 34 anos, um dos criminosos mais procurados do estado. Pistas que levem à sua captura valem uma recompensa de R$ 10 mil do Disque-Denúncia (2253-1177). Ele assumiu o comando da milícia após a morte do irmão, Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, em abril de 2017, durante um confronto com a polícia. Desde então, coordena, de acordo com investigações, ataques a várias favelas que ainda são dominadas pelo tráfico.
No entanto, segundo a Polícia Civil, as muitas mortes em um intervalo de apenas 72 horas — além das 12 de quinta-feira, houve cinco numa operação realizada no dia anterior —, atingiram duramente a espinha dorsal do bando de Ecko.
— O objetivo da milícia é expandir território. Sabemos que está migrando para Mangaratiba, Angra e outros municípios daquela região. Quer tomar tomar tudo e, para isso, contratou ex-traficantes. Mas a morte de tantos milicianos afetou muito o plano, porque todos eles atuavam de forma violenta nas ações — disse o delegado Fábio Freitas Salvadoretti, da Core.
Candidatos de áreas de milícias terão de depor
Candidatos que estão fazendo campanha em áreas dominadas por milícias, nas quais outros não conseguem entrar, terão de se explicar à Polícia Civil. Com base em denúncias que chegaram ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), a força-tarefa que investiga grupos paramilitares vai convocar os políticos para depor e já apura um possível apoio de milicianos aos seus nomes, principalmente na Zona Oeste.
Nos próximos dias, candidatos terão que justificar, em delegacias, a razão de atuarem sozinhos em regiões controladas por paramilitares. Para investigadores, pode estar sendo montado um esquema de “voto de cabresto” para as eleições do mês que vem. A informação foi dada nesta sexta-feira pelo subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, delegado Rodrigo Teixeira de Oliveira.
A iniciativa foi tomada a partir da percepção de que já se instala uma tensão pré-eleitoral que pode estar por trás de crimes como os assassinatos de dois candidatos a vereador, num intervalo de menos de 15 dias, na Baixada Fluminense. Os crimes teriam relação com narcomilícias — traficantes e milicianos atuam juntos em comunidades da região. Além de candidatos, serão ouvidos presidentes de associações de moradores.
— A questão do processo eleitoral nos preocupa, e, obviamente, temos que nos fazer presentes para que a população usufrua da liberdade para expressar sua vontade. Sabemos que a milícia tenta direcionar votos. Estamos atentos a isso e vamos buscar cada candidato que está fazendo campanha eleitoral sozinho dentro de áreas de milícias. Eles terão de explicar como conseguem atuar em certas localidades e qual o tipo de envolvimento com lideranças locais — disse o subsecretário.
Há duas semanas, a Polícia Civil do Rio criou uma força-tarefa para impedir que grupos paramilitares influenciem no pleito eleitoral deste ano. Nos últimos dias, a corporação fez três operações, e parte delas foi realizada em áreas dominadas por milícias. Vários indícios de envolvimento de candidatos com criminosos foram colhidos.
— Sobre esse processo eleitoral, estamos atentos. O governo estadual não pediu apoio federal e isso nos dá uma grande responsabilidade. Não iremos admitir currais eleitorais nas áreas de milícias ou de tráfico de drogas — afirmou Rodrigo Teixeira de Oliveira.
Dois assassinatos
A força-tarefa da Polícia Civil foi criada depois de dois assassinatos este mês, supostamente relacionados a uma guerra por territórios. O mais recente aconteceu no último sábado, quando o candidato a vereador pelo DEM Domingos Barbosa Cabral, de 57 anos, foi morto a tiros no bairro do Cabuçu, em Nova Iguaçu. Em julho, ele havia sido preso em flagrante com uma pistola, durante em uma operação contra milicianos da região.
Mauro Miranda da Rocha (PTC), de 41 anos, também candidato a vereador em Nova Iguaçu, foi executado no dia 1º no bairro Rancho Fundo. Ele também já havia sido preso, em 2015, por porte ilegal de arma.