O SUS (Sistema Único de Saúde) foi inserido em nosso sistema normativo junto da Constituição de 1988, quando ficou determinado por lei que o acesso à saúde seria direito universal e de responsabilidade do Estado. No entanto, a lei que instituiu o sistema só foi promulgada dois anos depois, em 19 de setembro de 1990.
Neste sábado, a legislação que regulamenta o SUS completa 30 anos, em meio à pandemia da Covid-19 e obstáculos que permanecerão mesmo depois da crise do novo coronavírus.
A crescente desigualdade entre as regiões e a defesa que aparece de tempos em tempos pelo fim da gratuidade universal são alguns dos desafios que o sistema deve continuar a enfrentar nos próximos 30 anos.
Pandemia
Uma prévia de uma pesquisa da OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgada na última sexta-feira (18) mostra que o acesso à saúde universal e medidas contra as desigualdades aprofundadas pelo momento são as principais prioridades apontadas pelos brasileiros para os próximos anos.
À CNN, Mariângela Simão, vice-diretora geral da área de Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos da OMS (Organização Mundial da Saúde), avaliou que os seis meses de pandemia mostraram a resiliência do SUS.
“Esses seis primeiros meses, no Brasil, mostraram, em parte, a resiliência do Sistema Único de Saúde”, defendeu. “O SUS é um sistema robusto, mas tem em algumas partes do país – mais em algumas e menos em outras, e isso se reflete, por exemplo, num menor número de mortes em alguns estados e cidades”.
A mesma visão é partilhada por Oswaldo Tanaka, diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo). “Acredito plenamente que o SUS foi essencial para o Brasil. Se não o tivéssemos, em um país de 200 milhões de habitantes, com essa extensão, haveria muito mais mortes”.
Ele conta que a resposta rápida do sistema público à pandemia foi essencial para a qualidade da resposta. Essa capacidade de organização faz parte da constituição do sistema, que dá muita autonomia entre os poderes. Tanaka também destaca as Unidades de Saúde Básica, que prestam o primeiro atendimento e encaminham para especialidades, caso seja necessário.
Entretanto, esse ponto de vista não é unânime. Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), César Eduardo Fernandes, disse que a resposta do SUS à pandemia foi “de razoável para boa”.
Ele destacou que muitos hospitais foram reequipados e as equipes médicas ganharam reforços nos últimos meses, mas questionou se essa resposta não poderia ter sido melhor se a atenção básica não tivesse perdido investimento ao longo dos últimos anos.
“Nesse período de pandemia, os profissionais estariam mais preparados para dar o primeiro atendimento e uma filtragem correta desses casos, não haveria necessidade dessa ida em massa para os serviços hospitalares”, declarou.
Desafios
Para Oswaldo Tanaka, da USP, para além do atendimento dos casos de Covid-19, a importância do SUS é imensurável.
“O SUS é a política pública de maior inclusão social que esse país teve nos últimos 30 anos, porque determinou que todos tivessem direito à saúde. Que todo município desse país tivesse uma equipe de saúde. Permitiu que o setor público tivesse postos médicos nos vários rincões do Brasil”, diz.
No entanto, essa capilaridade é também a raiz de um dos maiores desafios do sistema. “O desafio de hoje é o sucesso de ontem. Se o SUS não tivesse integrado tanta gente, o pessoal estaria morrendo e a gente não estaria sabendo. O SUS atende mais de 100 milhões de pessoas, o que pressiona o sistema e cria filas”, diz.
Para ele, um dos maiores obstáculos é o tempo que demora para levar o paciente da atenção básica até as especialidades, que ainda se concentram nos grandes centros urbanos. Porém, ele vê a pandemia como uma chance de atenuar essa dificuldade. “Vamos ganhar uma grande coisa com a pandemia, o teleatendimento”, diz.
O especialista explica que, se o médico da atenção básica puder atender em conjunto com um especialista à distância, poderão solucionar muito mais casos.
“Claro que não resolve por completo. Vão ter casos em que vai ter que transportar o paciente mesmo. Mas estou apostando que isso pode ajudar a atender melhor”.
Universalidade
Volta e meia aparece novamente o debate que propõe o fim da gratuidade universal do SUS. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, por exemplo, já questionou se era justo uma pessoa que recebe 100 salários mínimos ter o atendimento 100% gratuito.
Tanaka lembra que o acesso à saúde é previsto na Constituição e uma questão de cidadania. “A Constituição que criou o Estado de direito neste país diz que a saúde é direito do cidadão e dever do estado. Todo cidadão tem direito à saúde, independente de raça, cor ou capacidade de ganhar dinheiro. Acho que a sua leitura depende de, do ponto de vista de cidadão, você achar que alguns podem ter direitos e outros não. Se eu acredito em democracia, acho que todos têm direitos iguais”, diz.
“O problema é a desigualdade, que não é um problema só do SUS, mas da sociedade inteira”.