Após quase 10 anos trabalhando no SBT, Rachel Sheherazade foi demitida da emissora. A saída forçada, segundo a jornalista, foi porque o empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, teria pedido, publicamente, que Silvio Santos a demitisse por conta das suas opiniões políticas.
Na conversa com a coluna Leo Dias, Rachel falou de outras polêmicas, do problema de a internet ser considerada “terra de ninguém”, e de ter que andar de carro blindado por ser tão ameaçada por grupos políticos.
Leo Dias — Olá, amigos do Metrópoles, a entrevista de hoje é com a grande jornalista Rachel Scherazade, que, depois de 9 anos, encerra o seu ciclo dentro do SBT.
Rachel Sheherazade — Oi, Leo, tudo bem!? Eu entrei no SBT em março de 2011, então são mais de 9 anos. São quase 10.
E quando é que o seu contrato se encerra?
Dia 31 de outubro.
Eu queria que você fizesse um balanço dos seus anos no SBT.
Olha, Leo, é um turbilhão pelo qual eu estou passando. São muitas emoções misturadas. Eu sou da Paraíba. Eu deixei toda a minha história para trás para tentar a vida sozinha com duas crianças aqui em São Paulo. Então, a cidade de São Paulo se tornou a minha segunda casa, né. E eu fiz dos meus amigos do SBT a minha família também. Então, esta despedida do veículo vai doer. Todo dia eu encontro com algum [colega] e acabo chorando ao falar da minha partida. Mas eu sou uma pessoa que faz muitas coisas. Eu tenho projetos para a TV fechada, eu tenho projetos para o streaming, para o YouTube e eu venho escrevendo livros. Eu estou desenvolvendo alguns projetos há muito tempo. Então, de alguma forma, eu me sinto livre para desempenhar outros papéis em outras casas e poder trilhar um caminho novo. Eu me sinto cada vez mais próxima de me tornar um espírito livre, como o Nietzsche disse.
Aproveito essa citação para te perguntar se havia algum tipo de corrente por lá, no SBT?
Sempre há. Se você faz parte de uma emissora você precisa seguir o projeto editorial da emissora, né? Você pode oferecer projetos e dar ideias, mas a palavra final será sempre da emissora.
Você tentou negociar a sua permanência na casa?
Não, não tentei negociar nada. Há cerca de 1 ano eu já sentia que isso iria acontecer. Nós temos um contrato que precisa ser cumprido e ambas as partes estão cumprindo.
Em que momento você percebeu exatamente que o futuro no SBT estava próximo de um fim?
Tem muitas coisas, mas a declaração do dono da Havan, que se autodeclara como “véio da Havan”. Ele veio a público pedir a minha cabeça. Ele é um dos maiores patrocinadores do SBT e de outras grandes emissoras também. Então, ali eu já sentia alguma coisa.
Nesses anos de SBT, quantas vezes você encontrou o Silvio?
Olha, eu não sei quantas vezes eu encontrei o Silvio, mas eu o encontrei bastante vezes. Talvez eu já tenha participado umas cinco vezes dos programas dele. E foi lá que eu encontrei com ele, algumas vezes no Salão do Jassa.
Você sai de lá com o sentimento de dever cumprido?
Sim, saio com a sensação de dever cumprido. Olha, eu tive uma grande janela aberta pelo SBT para poder mostrar meu talento para o Brasil inteiro. E eu trabalhei com grandes nomes do jornalismo. Eu tive a oportunidade de mostrar as minhas ideias em horário nobre para o Brasil inteiro. E eu acho que o papel do jornalista é um papel educador. Eu tenho certeza que dei o meu melhor e fiz o meu melhor. Eu não cedi a partido político algum. Não cedi a partidos nem a políticos. E eu fiz tudo isso sozinha. A luta de um jornalista contra o poder é sempre sozinho. Saio de alma limpa e consciência tranquila. Eu durmo muito bem com a cabeça no meu travesseiro.
E existe alguma possibilidade de você seguir carreira política?
Olha, não é a minha intenção no momento. Eu amo muito a minha profissão. Eu não sei quando irei parar de fazer isso. O jornalismo é um bichinho que te morde, sabe? E é isso o que eu sei fazer de melhor. Eu não vou dizer que nunca irei entrar para a política, mas no momento não é a minha intenção.
Mas você foi convidada para se filiar em algum partido político recentemente?
Fui. Fui, sim!
Pode falar quais são os partidos?
Não (risos). Eu sempre fui sondada por partidos, Leo, mas eu nunca aceitei. Não aceitei, pois uma vez que você entra para a política não dá mais para voltar ao jornalismo. E hoje eu tenho os meus dois pés plantados no jornalismo.
Você acha que estas dificuldade que a TV vem enfrentando no mundo foi um dos motivos de sua demissão?
Olha, não. Eu não acredito nisso, não. Eu sei, você sabe também porque é um homem muito bem informado e já fez parte do SBT também, que existem outros salários dentro do SBT muito maiores do que o meu.
Você negociou ou negocia com alguma emissora?
Olha, esse tipo de coisa a gente não pode falar. Mas eu já conversei com várias emissoras, sim. Esse tipo de coisa a gente só fala depois de ter assinado contrato.
Você abriria mão de dar a sua opinião política para estar em algum cargo dentro de uma outra emissora?
Eu comecei a minha profissão como repórter na Record, eu já fui repórter da Globo, eu fiz rádio… Bom, eu entendo que nem toda emissora está interessada em dar liberdade de opinião para os seus contratados. E a minha liberdade de expressão e opinião vai estar sempre presente em minhas redes sociais. Isso é a garantia de poder expor a minha opinião. Mas dentro de uma emissora eu já vi tanta coisa. Nem sempre a nossa profissão tem a ver com opinião, mas nas redes sociais eu sou capaz de falar o que eu quero. Bom, por enquanto, né? Enquanto não censurarem as redes sociais também.
Mas você sente que as pessoas querem ouvir a sua opinião? Eles querem saber o que a Rachel Sheherazade pensa?
Claro. Eu acho que 80% ou 90% das pessoas que me seguem pedem para eu opinar e me questionam sobre quando é que eu vou voltar a dar a minha opinião. Mas não é só isso o que eu sei fazer, né?
Você se arrepende de alguma opinião que já tenha dado?
Nenhuma.
Mas você já seguiu alguma linha editorial que não condizia com a sua opinião?
Sim, porque a linha editorial não é a opinião do apresentador. Não é a voz do jornalista, o editorial é a voz da emissora.
Eu já recebi vários memes do Jornal do SBT onde o seu olhar não condizia com o que era dito e isso era muito engraçado…
Sim, é porque eu sou um ser humano, né? Os veículos que querem contratar uma máquina fica mais fácil. Mas o meu corpo fala, os meus olhos falam, né? Eu nunca vou me calar!
A gente vê também que muitos famosos não dão mais as suas opiniões políticas com medo do ataque e do ódio. Como é que você avalia isso?
Eu entendo elas, pois não é fácil enfrentar o gabinete do ódio, sabe. E as ameaças se espalham para os nossos filhos. A gente está vendo um ministro do STF ser ameaçado juntamente às suas filhas. E tudo isso por causa de uma extremista cujo o nome nem é válido citar. Mas eu entendo as pessoas que se calam. Mas eu prefiro mostrar o que eu sou e como é que eu penso, ainda que muita gente não entenda nem concorde comigo. Eu seria muito infeliz se eu tivesse de viver atrás de uma máscara moral. Essa coisa de se você se posicionar ou não se posicionar é uma escolha pessoal. Só sabe a dor de ser atacado, quem já passou por isso.
Você quer dizer que é mais fácil viver em cima do muro, é isso?
Para algumas pessoas, sim. Mas para espíritos livres como o meu, não! É difícil você não ser você, é difícil você viver dentro de um armário. Ter de fingir o tempo todo, não é fácil. Levar essa vidinha de Instagram não dá. Eu sou uma pessoa real. Eu não sou só a pessoa séria que apresenta um telejornal de forma séria e maquiada. Eu sou uma pessoa por trás de tudo isso.
Qual foi o preço que você pagou por ter uma opinião política?
Não tem como precificar o que eu passei.
Você mudou alguns hábitos devido a ataques?
Ah, sim. A primeira coisa que eu fiz foi blindar o meu carro. Teve um tempo, que no governo da Dilma, uns grupos de extremistas decidiram fazer um movimento em frente ao SBT contra mim. E nesse dia eu cheguei e havia polícia para me escoltar. Mas eu não digo que o PT, ou o MBD, ou o PSL são extremistas. Existem blocos ou seguidores que são. Mas a partir daí eu blindei o carro, eu decidi ter mais cuidados e contratei alguns profissionais. Eu tenho um profissional para verificar os comentários que fazem nas minhas redes sociais para denunciá-los, por exemplo.
O ódio é algo da internet, né?
É algo do ser humano na verdade. É típico da ser humano, pois ele permite que o ser humano transite mais fácil.
Mas atrás da tela é mais fácil, né?
Ah, sim, sendo covarde é mais fácil. Tudo é mais fácil para os covardes. O anonimato da internet é o local favorito dos covardes. Agora, imagina se tivéssemos de cadastrar o nosso CPF para utilizar as redes sociais. Nós teríamos um mundo virtual muito mais civilizado.
Você acha isso viável?
Com certeza. O anonimato nos é vedado pela Constituição e por que é que na internet robôs podem confabular e conspirar contra todos?
Você já teve problemas para trabalhar com alguém que tenha opinião política diferente a sua?
Nunca. Eu sempre trabalhei com pessoas de pensamentos distintos. Eu nunca tive problemas quanto a isso. Eu trabalho com qualquer tipo de pessoa, mas eu trabalho com respeito. Eu não bato boca, nem faço barraco. Eu gosto de discutir ideias. E outra coisa, eu não trabalho abaixo de pessoas. As mulheres sempre tiveram papéis secundários no jornalismo. A mulher era o vaso de flores na bancada. E eu sempre lutei contra esse estereótipo. Eu sempre lutei para ter o mesmo papel dos meus colegas homens apesar de não receber o mesmo salário deles. Mas eu queria ter a voz forte que eles têm e eu consegui. E eu consegui isso batendo cabeça e não abaixando a cabeça para ninguém. Eu posso até ficar acima deles, mas nunca me ponho abaixo de ninguém, de um homem. Nós precisamos trabalhar de forma igual.
Você, como âncora, não recebe como um âncora masculino?
Não. Eu recebo menos. E eu duvido que exista na TV brasileira uma mulher que ganhe mais que um âncora masculino. Das colegas que eu tenho contato, eu desconheço. E isso acontece no país inteiro. A gente ganha menos até mesmo às vezes tendo mais conhecimento.