Falta de protocolo de segurança, celas superlotadas, presos mutilados e doentes são evidências claras de que “as pessoas não estão sendo cuidadas pelo Estado na perspectiva de realmente pensar uma política preventiva e de combate à covid-19, porque não tem nenhuma condição”, diz a coordenadora nacional do MNPCT.
Um grupo de trabalho do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), coordenado por Bárbara Suelen Coloniese, está no Acre para inspecionar as condições dos presídios, em especial o maior complexo penitenciário do Estado, a penitenciária Francisco D’Oliveira Conde (FOC). Os técnicos identificaram uma série de irregulares como a limitação ao acesso à água, a falta de um protocolo de segurança e o mais grave: há evidências claras de tortura à reeducandos.
Bárbara Suelen disse que ficou preocupada com a situação dos 61 apenados que no último dia 22 de abril foram violentados pelas forças de segurança em um princípio de motim por conta da falta de água em Rio Branco. Mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, a situação que já era caótica nas celas, piorou. Os detentos estavam há quase três dias sem uma gota d’água. Ela citou que muitos detentos perderam permanentemente a audição, a visão, membros do corpo como dedos e orelhas. Além disso, Suelen frisa que não há um tratamento adequado para estes detentos.
“Nós ficamos muito preocupados porque no dia 22 de abril houve aquela reivindicação da falta de água. Já faziam dois, três dias sem água, então teve a entrada do Grupo Especial G-COE. Isso resultou em 61 pessoas custodiadas feridas e nós visitamos algumas delas que perderam permanente a visão, a audição, a orelha, os dedos e não foi dado o tratamento adequado a essas pessoas. Na perspectiva de saúde, também falta atendimento de saúde para a população carcerária como um todo. Mas, essas pessoas continuam bastante desassistidas”, menciona.
A coordenadora-geral do MNPCT denunciou, também, que os presos que foram reprimidos pela força policial tiveram os laudos periciais atestados por médicos do próprio presídio, o que segundo ela, viola os protocolos internacionais e nacionais de combate à tortura.
“Precisamos que esse exame de corpo de delito seja feito em um local autônomo, independente, fora do espaço de privação de liberdade, de delegacias, enfim, e eles foram feitos ali dentro de maneira muito resumida, pouco detalhada”, destacou.
Uma bomba relógio
Mas, as irregularidades e as péssimas condições do Francisco D’Oliveira Conde não param por aí. Os técnicos encontraram em meio a 25 detentos, um idoso de 70 anos com tuberculose e suspeito de ter contraído a covid-19. Bárbara Suelen disse que “é totalmente inexequível proceder o isolamento nas celas do Estado do Acre”. A gestora ressalta que, quando questionada, a direção do presídio afirmou que “o isolamento procederia na cela”.
“Então, assim, aquele espaço de isolamento apresentado pra nós não era adequadamente utilizado também. Uma pessoa idosa, que é do grupo de risco pela idade, tem tuberculose e ainda tem suspeita de covid-19. Nós conseguimos fazer o translado dele imediatamente desse local, mas foi um flagrante bastante preocupante. As pessoas não estão sendo cuidadas pelo Estado na perspectiva de realmente pensar uma política preventiva e de combate à covid-19, porque não tem nenhuma condição”, dispara.
Água por 15 minutos, duas vezes ao dia
Você já imaginou estar em um ambiente fechado, com um calor de quase 40 graus no Acre e com outras 25 pessoas juntas? Pois é, essa foi a situação descrita pelos técnicos do MNPCT. A água que abastece as celas é regrada e condicionadas em baldes. É de lá que os detentos tomam banho, lavam roupas e bebem. Veja o relato direto da coordenadora-geral Suelen Bárbara.
“Não há itens de higiene distribuídos para as pessoas e quando existe algum item não é suficiente. As celas estão superlotadas, desconsiderando o que neste momento de pandemia é necessário proceder o isolamento entre as pessoas, inclusive, as pessoas que não são suspeitas. É preciso ter o espaço mínimo e também fazer a utilização de máscara e também assepsias constantes. No entanto, não existe acesso à água de forma irrestrita. A água é cedida duas vezes ao dia, 15 minutos, para celas com 14 a 25 pessoas. Essa água eles bebem, se banham, lavam suas roupas. Ou seja, eles acomodam essa água em uma espécie de balde grande e tem que se virar com essa água para pouca gente. Sabemos que a covid-19 se propaga muito rapidamente”, destaca.
Descumprimento da recomendação do CNJ
Ainda de acordo com Suelen, a recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que orienta aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo, não está sendo cumprida. Ela frisou que foram identificadas no presídio feminino mais de 40 mulheres que poderiam estar cumprindo prisão domiciliar ou utilizando tornozeleiras eletrônicas.
“No presídio feminino houve um aumento de ingresso de mulheres aprisionadas, no momento de pandemia. Verificamos várias situações de penas vencidas. Elas ainda estavam lá aguardando. Nessa nossa inspeção, nós conseguimos mais de 40 nomes de mulheres que teriam o perfil pra prisão domiciliar ou monitoração eletrônica. Então, a gente tem realmente vários pilares de preocupações do que vimos até agora e a solução é conversar com as autoridades. Temos hoje e amanhã algumas reuniões de trabalho para mostrar todo esse cenário e orientar mudanças. São vários pilares aqui que precisam melhorar”, finaliza.