Aquela mão que segurava a minha


 


Meu pai partiu cedo.


Para compensar a lacuna da convivência e integrá-lo ao meu entendimento, busco saber detalhes da sua história, imaginar suas motivações, adivinhar-lhe os temores, compreender o comportamento. E perscrutar a luz e a sombra da sua humana alma.


Atenta à jornada de viver, quanto mais experimento, mais o trago para perto de mim; quanto mais me conheço, mais o assimilo. Vestida da aceitação de tudo o que se passou, quanto mais o acolho, mais me sinto plena. E quanto mais me completo, mais o amo.


Naturalmente, sobrevém-me gratidão de ser filha sua. E a memória se aviva.


Pequenina, para mim era ele o homem mais forte do mundo. O mais inteligente. E mais bonito: me fascinava seu rosto, seus olhos, seu nariz, sua boca, seus cabelos, que ainda sinto entre meus dedos… Embevecida de amor, na ausência dele mergulhava o rosto no seu travesseiro para sorver-lhe o cheiro.


Lembro-me especialmente da sensação de caminharmos lado a lado, com sua mão envolvendo a minha, miúda e delicada. Era um toque firme, protetor, carinhoso. Eu confiava naquele ser absolutamente, sentia que me defenderia de qualquer perigo.


Também seu incentivo era sincero e autorizador, de uma qualidade que tornaria o mundo melhor se todo pai tivesse condições de oferecer aos filhos. Que quando eu expressava medo de um exame da escola, ele afirmava, certeiro: “Estude, que você vai se sair bem”. E eu acreditava nele.


Ainda acredito. Diante das provas da vida, sei o que ele me recomendaria.


– Vá.


Munida do que me ensinou em palavras e atitudes, depreendo: “Vá porque estou torcendo por você. Vá porque você é capaz. Vá porque lhe dei preparo para andar sobre suas pernas. Vá e explore o que eu não tive oportunidade. Vá porque sua missão filial é prosseguir. Vá e não pise em ninguém. Vá, tão longe quanto possa, para o seu bem e o de todos, e deixe aberto o caminho para os que virão depois”.


Assim ressoa a voz de meu pai dentro de mim. E ainda sinto a sua mão segurando a minha.


Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e autora do blog verbodeligacao.wordpress.com


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