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Mortes em casa disparam: especialistas afirmam que números podem indicar subnotificação de Covid-19

Enquanto estados dão início aos seus planos de retomada de atividades e até divulgam queda na ocupação de leitos, especialistas alertam para uma estatística que pode sugerir subnotificação de mortes por Covid-19: os óbitos domiciliares. No Rio de Janeiro, o número de pessoas que morreram em casa disparou em comparação com os mesmos meses de 2019, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil. A mesma tendência é encontrada em São Paulo, epicentro da pandemia.


Na semana passada, pesquisadores da UFRJ divulgaram uma nota técnica cobrando qualificação desses dados e citando a sua relevância para os planejamentos de abertura da economia.


Desde o dia 16 de março (quando se iniciou a quarentena no Rio) até a última quinta-feira, 6.281 pessoas morreram em casa no estado do Rio. Destas, 119 foram diagnosticadas com coronavírus. Excetuando essa porção, são 6.162 óbitos, número 36% maior do que as 4.508 mortes no mesmo período de 2019. Na capital, a porcentagem é praticamente a mesma: foram 2.463 óbitos domiciliares, sendo 67 por Covid-19, contra 1.773 em 2019, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil.


“Em todas as capitais acometidas pelo Covid-19 notamos esse aumento de óbitos domiciliares. Isso preocupa, porque pode estar mostrando uma subnotificação de óbitos, o que impacta na subnotificação de casos confirmados”, explicou o infectologista Rafael Galliez, da UFRJ.


Na nota técnica, os pesquisadores alertam para um contexto de “falso normal”, uma estatística aparentemente natural, mas “influenciada por variáveis adicionais e não percebidas que sofrem influência direta do contexto pandêmico pelo qual se está passando”. Eles ainda lembram que os óbitos domiciliares podem estar “contribuindo” para a diminuição da ocupação dos leitos.


“Por que a fila andou mais rápido? Será que pessoas estão recebendo alta de forma prematura e indo para casa, e de repente morrendo em casa?”, questiona a coordenadora do núcleo de saúde da Defensoria Pública do Rio, Alessandra Nascimento, que também cobra qualificação da estatística. “O que nos parece é que houve uma “invasão” dos leitos que não seriam destinados para coronavírus”.


Segundo ela, a fila para UTI em casos que não de Covid-19 está crescendo. Na semana passada, passou de 160. Procurada, a prefeitura não apresentou os números até a conclusão desta edição. A secretaria municipal de Saúde declarou, contudo, que “possui um protocolo de investigação de óbitos com causa indeterminada” e que, em 2019, 3.486 óbitos foram investigados, com 2.026 respondidos. Sobre o aumento, disse que, em 2019, entre março e maio, “18,5% dos óbitos domiciliares por causa natural foram atestados pelo IML, enquanto em 2020 esse percentual foi de 5,8%, o que pode explicar algum impacto na qualidade da causa declarada atualmente, uma vez que óbitos não passam mais por exame de necropsia”.


Assim como no Rio de Janeiro, o número de óbitos em domicílio também cresceu em São Paulo. De acordo com o Portal da Transparência do Registro Civil, as mortes em casa no estado de São Paulo subiram 13%, passando de 9.578 entre março e junho do ano passado para 10.891 óbitos no mesmo período deste ano. A maioria das certidões chega aos cartórios sem causa específica apontada. Esses óbitos sem registro de causa específica somaram 7.716 casos entre março e junho do ano passado. Agora em 2020, esse número já chega a 9.158, alta de 18%.


Na capital, as declarações registradas em cartório desde março indicam um crescimento de 35% nas mortes em domicílio entre os anos de 2020, quando foram registradas 2.196 mortes sem causa determinada, até junho, e 2019, quando o número ficou em 1.623 no mesmo intervalo.


Para o infectologista Marcos Boulos, professor de Medicina da USP, coordenador do Controle de Doenças estadual e membro do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, as mortes em casa podem ter aumentado pelo fato de alguns pacientes subestimarem a gravidade da doença, confusos pelas mensagens contraditórias das http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrações federal e local. Além de relatos de que os serviços de atendimento estejam desencorajando a ida aos hospitais.


“Recebo pacientes que dizem “olha, o convênio pediu para ficar em casa, mas estou assim”. E a pessoa tem insuficiência respiratória, deve ir pro hospital. A possibilidade é que, com a demanda excessiva, os serviços tentam afastar novos casos leves e exageram no tom”, alerta Boulos. “Adoecer em casa é natural, e as pessoas devem ficar em casa se a doença não for intensa. Mas se tiver falta de ar, tem que ir”.


Ignorando sinais


Outros fatores apontados são a falta de procura de atendimento por idosos que vivem sozinhos, negligência de familiares e o receio de contaminação hospitalar. Cabe ressaltar, contudo, o fato de muitas pessoas com outras enfermidades evitarem ir aos centros médicos justamente pelo medo da contaminação — isso também pode impactar nas mortes dentro de casa.


A Secretaria de Saúde do estado afirmou, em nota, que diversas patologias “podem resultar em óbitos repentinos, antes mesmo de atendimento hospitalar”. A Prefeitura de São Paulo não se manifestou sobre o aumento de 35% nas mortes sem causa entre março e junho, em relação a 2019.


O estado é o epicentro da doença no país, com 140.549 casos e 9.058 mortes, segundo o Ministério da Saúde. Algumas cidades já começaram a retomar atividades, incluindo a capital, observando um protocolo sanitário. A taxa de ocupação de leitos de UTI está acima de 80% na Grande São Paulo e de 70% no estado.


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