Denúncias feitas aos conselhos regionais devem ser apuradas, podem virar processos éticos e gerar penalidades aos profissionais. Pelo menos seis processos éticos sobre o assunto já estão em andamento. Compartilhamento de informações falsas é um dos perigos durante a pandemia da Covid-19.
Um levantamento feito pelo G1 revela que ao menos 79 denúncias foram registradas contra médicos e enfermeiros por divulgação de fake news ou ‘curas milagrosas’ durante a pandemia do novo coronavírus. Em 40casos, foram abertas sindicânciaspara apurar a denúncia; em seis, já háprocessos éticos.
Para o levantamento, o G1 entrou em contato com as assessorias de todos os 27 conselhos regionais de medicina e dos 27 conselhos de enfermagem e também mandou um pedido para cada um deles por meio da Lei de Acesso à Informação. Isso porque os conselhos federais informam que não têm números consolidados.
Das 79 denúncias, 59 foram registradas pelos conselhos regionais de medicina e 20 pelos de enfermagem. Os conselhos regionais de medicina também registram a maior parte das sindicâncias (36 de 40) e dos processos éticos (5 de 6). Em 20 de março, o Conselho Federal de Enfermagem suspendeu por dois meses os prazos para os procedimentos por causa do isolamento social
Parte das denúncias recebidas pelos conselhos regionais gerou interdição temporária das atividades profissionais, como no caso do médico Joaquim Rocha Pereira. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele afirmou que a mutamba, uma planta encontrada no Cerrado, pode prevenir a Covid-19 – o que é mentira – etambém divulgou mensagens minimizando a pandemia e criticando as medidas de prevenção.
O CRM do Tocantins decidiu interditar a atuação profissional dele e proibiu o exercício na área por seis meses. Na época, o médico reafirmou o conteúdo dos vídeos e disse que pretendia entrar com uma ação para derrubar a decisão do conselho.
Já a médica Isabella Resende Abdalla, de Ribeirão Preto (SP), foi afastada temporariamente do exercício da profissão porque anunciava e vendia um “soro da imunidade” como solução para a doença. Não é verdade que a soroterapia combate o coronavírus.
O advogado de Isabella disse que ingressou “com recursos http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrativos e judiciais contra o afastamento imposto” e que a “decisão foi alterada, quase que por unanimidade, pelo Conselho Federal de Medicina no fim de maio, permitindo que a médica voltasse aos seus atendimentos”.
No Distrito Federal, o médico Pedro Henrique Leão oferecia um kit com “imunidade de leão” contra a Covid-19 e também foi proibido de atuar na profissão por decisão do conselho regional. Os medicamentos chegavam a custar R$ 1,3 mil.
Na internet, Leão negou que tenha feito promessas em relação à cura do novo coronavírus. A defesa do médico disse ainda que a suspensão foi “precipitada e desproporcional” e que vai tentar reverter a decisão.
Já o enfermeiro Anthony Ferrari, que mora em Cabo Frio e é investigado pelo Conselho Regional do Rio de Janeiro, publicou vídeos nas redes sociais afirmando que estados e municípios recebem dinheiro do governo federal por paciente morto com a Covid-19.
Ainda segundo ele, os valores chegam até R$ 19 mil. Ferrari disse ainda que cerca de 60% das mortes da Covid-19 são de pessoas que “morreram por estar assustadas”, “morreram porque muitos falaram para ficar em casa”.
O Fato ou Fake já checou essa informação falsa e mostrou que isso não é verdade.
Em nota, o enfermeiro disse que não tem condenação no conselho regional nem no conselho federal. “O que acontece é que esquerdopatas ficam fazendo denúncias por eu estar denunciando a corrupção, estar denunciando o terrorismo que eles estão colocando para poder usar o vírus para se promover.”
A maioria dos conselhos regionais, porém, não dá detalhes sobre denúncias, sindicâncias ou processos éticos.
‘Fake news’ de jaleco
Apesar dos números revelados pelo levantamento, o G1 identificou pelo menos dois médicos que estão em situação “regular”, segundo o site do Conselho Federal de Medicina, e gravam vídeos com informações falsas, sem qualquer embasamento científico e alcançam milhares de visualizações.
Normalmente, quando é aplicada alguma medida pelo conselho, esse status no site muda de “regular” para “interdição cautelar”, “suspensão temporária” ou até “cassado”.
Um dos médicos é Marcos Nunes Andrade, que se autodenomina Dr. Marcos da Amazônia, morador de Santarém, no Pará. Em um canal no YouTube, ele disse em 5 de abril deste ano que os hospitais estavam vazios. “Tá tudo vazio [referindo-se aos hospitais]. Cadê os doentes que estão mandando ver na mídia da morte? Tá tudo vazio.”
No mesmo vídeo, que registra mais de 600 mil visualizações na publicação original, ele afirmou ainda: “A cloroquina cura. A cloroquina cura. Porque ela é associada ao sulfato de zinco, aquele que vai destruir o coronavírus. Agora, a cloroquina serve como veículo para o sulfato de zinco.” Vários estados relataram a superlotação dos leitos de UTI e não há comprovação científica quanto à eficácia e à segurança no uso de cloroquina em pacientes com a Covid-19.
O médico Marcos Andrade foi procurado pelo G1 e não respondeu aos questionamentos.
O Conselho Regional de Medicina do Pará não informa se alguma denúncia contra o médico foi registrada ou se alguma penalidade já foi aplicada em razão dos vídeos. A inscrição do profissional no site do Conselho Federal de Medicina consta como “regular” – e não “interdição cautelar” ou “suspensão temporária”, por exemplo.
“Os dados relativos a possíveis procedimentos http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrativos não podem ser fornecidos pelos conselhos regionais de medicina em razão da necessidade de evitar pré-julgamento ou quebra de sigilo, qualquer que seja a situação questionada”, diz a nota do conselho regional.
Já o médico João Carlos Luiz Vaz Marques Leziria, ou Dr. João Vaz, teve pelo menos dois vídeos com fake news compartilhados na internet. No primeiro, ele passou o próprio celular e se ofereceu para fazer receitas médicas, inclusive para a compra da hidroxicloroquina – um medicamento não comprovadamente eficaz e seguro para a Covid-19.
Além disso, ele também disse que os respiradores estão sendo usados em hospitais públicos apenas para justificar as compras. “Falem comigo, eu dou a receita para vocês comprarem em qualquer farmácia. Nós temos azitromicina, um antibiótico para as vias respiratórias superiores, em conjunto com a hidroxicloroquina.”
Outro vídeo com conteúdos falsos ditos por João Vaz já foi checado pelo Fato ou Fake. O médico disse para as pessoas não usarem máscara caso não estejam falando com alguém ou estejam andando na rua. Ele afirmou ainda queo uso de máscara de proteção faz mal à saúde tornando o sangue mais ácido.
As afirmações do médico são contestadas por especialistas e também pelo Ministério da Saúde. Além disso, o uso da máscara é recomendado pelas autoridades de saúde para evitar disseminação da doença e não traz perigo para as pessoas.
Apesar dos vídeos, o site do Conselho Federal de Medicina mostra que a inscrição de João Vaz está “regular” – e não “interdição cautelar” ou “suspensão temporária”, por exemplo.
O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro não informa se alguma denúncia contra o médico foi recebida ou mesmo se qualquer penalidade foi aplicada. Na nota, o conselho diz que “existe um rito para se respeitar, inclusive, com o direito à ampla defesa” e que “se houver uma denúncia, ela vai ser enviada ao médico para que ele possa se explicar”.
“Neste caso, um sindicante conselheiro vai avaliar se há algum indício, juntar as provas como um processo similar a um rito jurídico. Não é possível ter uma resposta rápida. E, agora, estamos nesse momento de restrição. O setor de processos ainda está se adequando para a reabertura. Então, se houver alguma denúncia, ela será apurada e, após todas as verificações necessárias, será dada a finalização do processo.”