Uma empregada doméstica de 61 anos foi resgatada pelo Ministério Público do Trabalho e Polícia Civil de SP vivendo em um depósito em condições degradantes e análogas à escravidão em Alto de Pinheiros, bairro nobre na zona oeste de São Paulo.
A dona da casa, Mariah Corazza Üstündag, que tem 29 anos e é gerente global sênior de uma grande marca de cosméticos, foi presa em flagrante na quinta-feira, e liberada após pagar R$ 2,1 mil de fiança. Segundo informações do Ministério Público do Trabalho (MPT), o marido, Dora Üstündag, 36 anos, só não foi preso porque não estava no local do flagrante.
A idosa foi encontrada alojada em um pequeno depósito no fundo do quintal da casa, que servia também como depósito, sem acesso a sanitário, segundo o procurador Italvar Medina, vice-coordenador da Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo do MPT.
— Perguntada sobre como fazia suas necessidades, ela ficou constrangida e disse que fazia uso de um balde e tomava banho de caneca. Também contava com ajuda de vizinhos para receber alimentação e prestava serviços à família recebendo valor muito inferior ao mínimo. São condições desumanas para um ser humano ser submetido — relatou Medina.
Segundo o MPT, a idosa trabalha para a família sem registro em carteira e direitos trabalhistas desde 1998, quando foi contratada pela engenheira química e cosmetologista Sônia Corazza. Em 2011, após o desabamento na casa em que morava, a doméstica foi levada por Sônia, que se mudou para outra cidade, para residir e trabalhar na casa onde sua filha Mariah morava.
Desde então, a doméstica prestava serviços para a executiva Mariah e seu marido sem receber salário. O casal se mudou em 2017 para a casa onde a idosa foi resgatada. Ali, a vítima recebia R$200 ao mês e vivia em condições “degradantes”, segundo o MPT.
A equipe de resgate teve que arrombar a porta da casa para encontrar a idosa no depósito dos fundos, dias após Mariah e Dora colocarem a casa à venda, se mudarem e trancarem o acesso à casa principal e aos banheiros.
A denúncia foi recebida pela procuradoria pelo Disque 100, que recebe denúncia de violações de direitos humanos. Segundo a Folha de S.Paulo, vizinhos prestaram depoimento atestando as condições em que a vítima vivia e a acolheram após o resgate. Também relataram que os antigos patrões omitiram socorro à idosa quando, no final de maio, ela caiu de uma escada.
O casal foi indiciado por abandono de incapaz, omissão de socorro e por manter a vítima em condições análogas à escravidão. A venda da casa foi bloqueada.
As informações da investigação serão encaminhadas pelo MPT para o Ministério Público Federal, que fará o ajuizamento penal do caso. O casal responderá a eventual processo criminal em liberdade. A mãe de Mariah, Sônia, também foi denunciada na ação trabalhista.
Na esfera trabalhista, a procuradoria busca indenização por danos morais para a vítima e a imposição de medidas legais para que não haja risco de submissão de empregados, pelo casal, às mesmas condições em que a idosa foi encontrada. A família informou que não se pronunciará sobre o caso.
Em 2019, 14 domésticas foram resgatadas em SP
Segundo o MPT, o trabalho doméstico em situação de escravidão contemporânea foi a terceira maior causa de resgates de trabalhadores em 2019, antecedida por vítimas encontradas em oficinas têxteis e na construção civil.
A escravidão contemporânea pode ser caracterizada pela presença de um ou mais dos seguintes fatores na atividade profissional: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes e jornadas exaustivas.
— Infelizmente a situação do trabalho escravo doméstico não é incomum no Brasil e atinge especialmente mulheres negras em vulnerabilidade social. As denúncias são dificultadas também porque acontece entre quatro paredes — conta Medina.
Apesar das dificuldades, em 2019 as denúncias de trabalho escravo aumentaram 45% na capital e Grande São Paulo, 30% no estado e 11% em todo o país, em relação ao ano anterior.
Em maio, a funcionária do alto escalão do consulado dos Emirados Árabes em São Paulo Nadya Saeed Khalfan Dhuhai Alhameli também foi denunciada por uma empregada doméstica filipina por tráfico de pessoas e trabalho análoga à escravidão e é investigada.