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Pandemia de coronavírus evidencia fraquezas do modelo de saúde americano

Sem par em tantas coisas, osEstados Unidos se diferenciam também por serem o único país desenvolvido do mundo a não garantir serviços de saúde de qualidade aos seus cidadãos que não puderem pagar — a não oferecer o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica como uma cobertura universal.Baseada em um pouco regulado setor privado, com uma forte responsabilização dos indivíduos, a saúde já era antes da pandemia de coronavírus um dos principais assuntos daeleição presidencialmarcada para novembro. A emergência sanitária aguça a relevância do tema, ao deixar expostas fraquezas do sistema de proteção social do país.


Fragmentação, baixo acesso, altos gastos com burocracia, contas de hospital altíssimas e a ausência de mecanismos de amparo que servem também para conter a propagação da doença estão entre os problemas da saúde nos EUA citados por especialistas.


Privado e desregulado

Quando a política pública de saúde se organiza em forma de rede, intervenções de diferentes níveis podem ser articuladas. A atenção primária, que, segundo sanitaristas, pode resolver 85% dos problemas de saúde sem exigir especialistas, se liga aos tratamentos mais complexos: ao ser detectado um problema grave num primeiro atendimento, o paciente pode ser encaminhado para outros centros, e depois retornar à unidade perto de casa. A prevenção, o atendimento e a resolução podem assim ser pensados juntos.


Mas, para haver um nível de resolução tão alto, a saúde precisa estar inserida em um sistema integral, organizada em uma rede que abarque ações, serviços, profissionais, locais de exame e unidades de atendimento. Se a atenção não for integral, mas seletiva, voltada apenas para alguns serviços como ocorre no setor privado e nos planos de saúde, isso não funciona — afirmou Isabela Soares Santos, pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).



Pandemia de coronavírus evidencia fraquezas do modelo de saúde americano

Emergência sanitária torna um dos principais temas da campanha para a Casa Branca ainda mais relevante
Pessoas caminham com máscaras de proteção em Times Square Foto: JOHANNES EISELE / AFP
Pessoas caminham com máscaras de proteção em Times Square Foto: JOHANNES EISELE / AFP
Sem par em tantas coisas, os Estados Unidos se diferenciam também por serem o único país desenvolvido do mundo a não garantir serviços de saúde de qualidade aos seus cidadãos que não puderem pagar — a não oferecer o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica como uma cobertura universal. Baseada em um pouco regulado setor privado, com uma forte responsabilização dos indivíduos, a saúde já era antes da pandemia de coronavírus um dos principais assuntos da eleição presidencial marcada para novembro. A emergência sanitária aguça a relevância do tema, ao deixar expostas fraquezas do sistema de proteção social do país.


Fragmentação, baixo acesso, altos gastos com burocracia, contas de hospital altíssimas e a ausência de mecanismos de amparo que servem também para conter a propagação da doença estão entre os problemas da saúde nos EUA citados por especialistas.


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— A primeira coisa a entender é que não há um sistema, em termos de lógica, de racionalização, de organização, de objetivo. É um modelo muito fragmentado, com muitos buracos e muita falta de organização. As pessoas têm diversos tipos de cobertura, que variam drasticamente — afirmou Jonathan Oberlander, professor de Medicina Social da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. — Isso realmente nos fará sofrer agora. Dezenas de milhões de pessoas não têm cobertura, e podem ter medo de ir ao hospital ou fazer testes, por causa dos custos do atendimento.


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Privado e desregulado

Quando a política pública de saúde se organiza em forma de rede, intervenções de diferentes níveis podem ser articuladas. A atenção primária, que, segundo sanitaristas, pode resolver 85% dos problemas de saúde sem exigir especialistas, se liga aos tratamentos mais complexos: ao ser detectado um problema grave num primeiro atendimento, o paciente pode ser encaminhado para outros centros, e depois retornar à unidade perto de casa. A prevenção, o atendimento e a resolução podem assim ser pensados juntos.


— Mas, para haver um nível de resolução tão alto, a saúde precisa estar inserida em um sistema integral, organizada em uma rede que abarque ações, serviços, profissionais, locais de exame e unidades de atendimento. Se a atenção não for integral, mas seletiva, voltada apenas para alguns serviços como ocorre no setor privado e nos planos de saúde, isso não funciona — afirmou Isabela Soares Santos, pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).


O setor privado é o principal operador do modelo americano. Segundo definição da OCDE — o chamado clube dos países ricos — ao contrário dos outros países desenvolvidos e também do Brasil, com o SUS, a saúde nos EUA pode “ser pensada como múltiplos sistemas que operam de forma independente, com pouca coordenação e planejamento”. Cada cidadão fica responsável por cuidar de sua saúde, adquirindo planos no mercado.


Em 2018, 217 milhões de pessoas tinham planos privados nos EUA, segundo o Censo. Os dois principais programas públicos, o Medicare e o Medicaid — nos quais o governo paga o atendimento de pessoas idosas ou com deficiência e o de famílias de renda baixa em unidades privadas de saúde — cobriam 57 milhões de pessoas cada, e outras 27 milhões não tinham cobertura.


Os percentuais de pessoas sem nenhum tipo de proteção diminuíram a partir de 2010, quando o chamado “Obamacare” expandiu o acesso ao Medicaid e a planos privados, mas voltou a subir a partir de 2015. No mesmo período, cresceu também o índice de “subsegurados”— pessoas com planos de saúde ruins, com franquias elevadas que impossibilitam o atendimento adequado. Quase um terço do total de segurados utiliza estes planos, que expõem também seus usuários a uma política de preços notoriamente pouco transparente. Isso leva o total de pessoas vulneráveis a quase 90 milhões.


É competência dos estados definir as políticas de preços dos planos, mas 29 deles, em 50, não têm regulações que protejam consumidores. Segundo a OCDE, o setor é “amplamente desregulado”. Desta forma, são comuns histórias de pessoas que pagam milhares de dólares por curativos, ou que, após horas em um pronto-socorro e exames simples, recebem faturas exorbitantes.


Estes riscos devem inibir pessoas que precisam de serviços de saúde para diagnosticar e tratar o vírus de procurarem assistência. O Miami Herald contou a história de um homem que, ao ir a um hospital para fazer o teste, precisou pagar US$ 3.270, enquanto uma reportagem do New York Times relatou o caso de um pai e uma filha que ficaram em quarentena num hospital por ordem do governo e receberam contas de US$ 4 mil.


Muitas pessoas que não têm bons planos de saúde compreensivelmente terão relutância em procurar ajuda — afirmou Margaret Kruk, professora de Sistemas de Saúde da Universidade Harvard.


Segundo ela, o mais grave na crise é que “a rede de proteção social dos Estados Unidos é muito fraca”. Não há legislação nacional sobre licença médica, e em só 12 estados há leis que garantem que os funcionários doentes serão pagos. Enquanto, nos empregos mais bem pagos, a maioria desfruta do direito, na indústria de alimentos, por exemplo, quase metade dos trabalhadores não recebe nada se não trabalhar.


— A distribuição da licença médica é extremamente desigual. Todas as pessoas ricas, na prática, têm direito a ela. Já entre os mais pobres são só um em três — afirmou Kruk. — O principal método para prevenir o Covid-19 é evitar o contato. Mas a falta de licença remunerada significa que motoristas de ônibus, faxineiras e pessoas que trabalham com alimentos não pararão de trabalhar.I


Ineficiênciacara


Os gastos com saúde nos Estados Unidos são os mais altos do mundo — em 2016, chegaram a 17,9% do PIB, em comparação a cerca de 11% na Alemanha e na França e 10% no Canadá, países que têm indicadores como expectativa de vida e mortalidade infantil melhores (no Brasil, o gasto flutua em cerca de 8,5% do PIB). Mais da metade do valor foi pago pelo Estado, com Medicare, Medicaid e outros programas. Segundo os pesquisadores consultados, ironicamente, o sistema orientado pelo mercado nos EUA gera desperdícios com burocracia e cobrança, o que o torna ineficiente — um estudo de 2019 do Commonwealth Fund o considera o menos eficiente de todos os países desenvolvidos estudados.


Durante o atual ciclo eleitoral, o candidato Bernie Sanders, da ala progressista do Partido Democrata, propôs a criação de um sistema universal, retomando uma ideia que Harry Truman defendia em 1948. Assim como na época, a proposta foi atacada como comunista e antiamericana.


O tema da saúde divide fortemente os dois partidos, e, também, o Partido Democrata. O ex-vice-presidente Joe Biden, que virtualmente ganhou as primárias, disse que, caso se torne presidente e o Congresso aprove uma cobertura universal, irá vetá-la, devido a altos custos. Ele propõe a expansão do Obamacare.


Segundo o especialista em políticas de saúde de Harvard Robert Blendon, se a epidemia de coronavírus diminuir até o verão, sua importância durante a eleição será pequena. Caso se mantenha intensa, a discussão girará em torno de “questões práticas e de curto prazo”, como que candidato disponibiliza mais testes.


— Qualquer problema não será visto como um fracasso geral do sistema, mas uma falta de preparo ou de competência do governo — disse Blendon. — Dirão que o tema do sistema de saúde é muito importante, mas a discussão não será de fato sobre o sistema, e sim tópicos muito específicos.


Blendon afirmou que a ideia de uma rede pública encontra resistência porque, “embora os americanos tenham grandes problemas com o sistema de saúde, também têm enorme desconfiança no governo”.


— Há uma febre antigoverno muito forte nos EUA. As pessoas não acreditam que o governo irá ajudá-las. Isso só aumentou com Trump.


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