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Isolamento social é a única estratégia para mitigar a pandemia, garante médico italiano

O médico Nino Cartabellotta é um dos maiores especialistas em saúde pública da Itália. Presidente da Associação Italiana de Medicina Baseada em Evidências daquele país, ele avalia os erros que levaram a Itália a bater recordes diários de mortos pelo novo coronavírus. E alerta para os perigos de afrouxar o isolamento social no Brasil neste momento. “Espero que os outros países implementem prontamente todas as medidas necessárias para evitar uma catástrofe”, alerta.


Até o momento desta entrevista, temos 2.989 infectados e 78 mortes pela Covid-19 no Brasil. Se a Itália pudesse retornar ao momento em que haviam 78 mortos em todo o país, o que fariam diferente?
Em todos os países, incluindo a Itália, as decisões foram conduzidas por políticas de espera que “perseguiam” os números diários sem considerar que o que vemos hoje são os resultados das medidas e comportamentos implementados (ou não implementados) duas ou três semanas antes. Todos os países deveriam ter preparado um plano de pandemia, pois tinham todo o tempo que precisavam, mas não o fizeram. Muitos com base na crença de que o coronavírus teria respeitado as fronteiras dos continentes e países. É por isso que o coronavírus está sempre um passo à frente.
Na Itália, pagamos muito caro pela falta de preparo das organizações e do governo para esta emergência: da falta de recomendações nacionais à falta de protocolos locais, improvisados. Das dificuldades no fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI) à falta de treinamento dos profissionais de saúde e a informação inadequada ao público.
Após cerca de duas semanas de medidas progressivas de isolamento no país, o governo federal brasileiro anunciou há dois dias que pretende afrouxar as medidas de isolamento social e isolar apenas idosos e pessoas em grupos de risco. Quais os riscos?
Sem vacina eficaz ou medicamentos específicos para a doença, medidas de distanciamento social são as únicas estratégias disponíveis para mitigar a pandemia: isso é claramente demonstrado a partir de uma recente revisão sistemática publicada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) (órgão da Secretaria de Saúde dos Estados Unidos).
Sua eficácia depende da implementação do isolamento na hora certa e da alta adesão às recomendações pelos governantes e cidadãos locais. O isolamento vertical, em particular apenas dos idosos, devido a temores de consequências econômicas negativas, não é uma estratégia baseada em evidências e uma interrupção repentina das medidas de distanciamento social geralmente determina um aumento nas infecções.


Grande parte da equipe do presidente Bolsonaro testou positiva para a doença. O presidente se recusou a mostrar os resultados de seu exame e não se isolou. Como avalia essa decisão?
Rejeitar a auto-quarentena é um ato sério de irresponsabilidade social e médica. E a gravidade desse gesto é proporcional à visibilidade pública da pessoa que o pratica, porque minimiza o problema e leva as pessoas a comportamentos errados que facilitam a propagação do vírus.
Quais exemplos pelo mundo devem ser seguidos? E quais não devem?
O modelo chinês é eficaz para mitigar a epidemia, está lá para todos verem. Na Itália, certamente houve um atraso na implementação das medidas, devido ao medo de comprometer a economia já frágil do país: espero que os outros países implementem prontamente todas as medidas necessárias para evitar uma catástrofe.
A experiência italiana mostra que outros países não podem mais subestimar o problema e também devem aprender com nossos erros.
Até que ponto o isolamento social ajuda a conter a doença?
As medidas de distanciamento social podem reduzir a transmissão do vírus, atrasar o pico da epidemia, reduzir seu tamanho e espalhar casos por um longo período de tempo. E assim permitir que o sistema de saúde se prepare adequadamente e gerencie melhor os casos sintomáticos.
Por último, mas não menos importante, eles reduzem a sobrecarga de hospitais, em particular unidades de terapia intensiva, o que levou a um aumento significativo da letalidade na Lombardia, aqui na Itália.
Espera-se que os casos na Itália diminuam a partir de agora?
O “número mágico” a ser monitorado é o aumento percentual de casos em relação ao dia anterior: quando chegar a 0%, não haverá mais casos novos. Até o momento, o valor nacional é de 8,3%, com tendência de queda nos últimos dias. Mas na Itália não esperamos um pico único: o país é longo e estreito, há uma variabilidade regional significativa.
Para que o governo tome boas decisões, precisamos de dados e transparência. No Brasil, os departamentos de saúde não divulgam, por exemplo, o local de residência ou hospital em que estão concentrados os doentes e as mortes. Qual sua avaliação sobre esse tipo de decisão?


Na Itália, a Protezione Civile registra diariamente o número de casos por região e província com o respectivo status do paciente: isolamento domiciliar, hospitalizado com sintomas, pessoas em unidades de terapia intensiva, alta hospitalar, óbito. Isso nos permitiu juntar estes dados e disponibilizá-los online, mas os detalhes no nível da cidade ou do hospital também não estão disponíveis aqui na Itália.


Como a medicina baseada em evidências ajuda em situações como a atual?
A prática baseada em evidências fornece uma estrutura para a integração de dados de pesquisa, valores e preferências dos pacientes na prestação de cuidados de saúde. A implementação dos princípios dela resultou em grandes avanços na melhoria da qualidade da assistência médica prestada, bem como nos resultados dos pacientes.
No momento, as evidências científicas dizem que as medidas de distanciamento social são a única estratégia para mitigar a pandemia, juntamente com os comportamentos individuais recomendados pela Organização Mundial da Saúde.


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