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Pedreiro de 43 anos é o primeiro transplantado de fígado de 2020 na Fundação Hospitalar

Um dos médicos, Nilton Ghiotti, durante o procedimemto cirúrgico, o primeiro de 2020, para transplantar um fígado de um doador de Rondônia Foto: Odair Leal/Secom

Eram 18 horas quando a mensagem mais esperada de domingo surgiu na tela do aplicativo de conversa do celular da doméstica Marlene Franco, 47 anos, no loteamento Portal da Amazônia, bairro Calafate.


– Vai ser o pai


– Que Legal…Verdade


– Siim – dedilha Cíntia Franco Parente, de 19 anos, filha de Marlene, ainda desajeitada, tratando de segurar com uma das mãos os cabelos assanhados sobre a testa, sentada numa cadeira do leito 134 da enfermaria ‘A’, da Fundação Hospitalar.


– Tô chorando… Jura. Nossa… Meu Deus – responde a mãe, encerrando temporariamente o diálogo às 18h02, ao saber que finalmente chegou a oportunidade de uma nova vida para o esposo, Francisco Adalberto Parente Pinto, o ‘Chico Alberto’, de 43 anos. Há quatro, ele vive à espera de um milagre na lista do Sistema Único de Saúde para a cura da cirrose causada pela hepatite B em estado avançado.


Chico Alberto com a filha, Cíntia, na enfermaria ‘A’ 133 da Fundação Hospitalar; chegou o dia para uma nova vida longe da hepatite B Foto: Odair Leal/Secom

No início da noite deste domingo, 26, o pedreiro nascido em Feijó no Seringal Santa Rosa, colocação Mamoeira, tornou-se o primeiro paciente de 2020 a ser transplantado de fígado pela equipe de médicos da Fundação Hospitalar do Estado do Acre (Fundhacre).


Quarenta minutos antes, o médico Leonardo Toledo, que coordena a equipe de cirurgiões, chegava a passos largos, arrastando o carrinho com a térmica do novo fígado até o centro cirúrgico. O órgão veio de avião de um doador desde o Pronto-Socorro João Paulo 2º, de Porto Velho.


Médico Leonardo Toledo chega com o fígado que será transplantado no pedreiro; órgão veio de doador no Pronto-Socorro João Paulo 2º, de Porto Velho Foto: Odair Leal/Secom

Uma hora antes, Chico contou que aos 23 anos, quando descobriu que estava doente, costumava caminhar entre charcos de igarapés secos na região do rio Envira, para caçar e coletar coquinhos de Ouricuri. Presume que foi neste ambiente insalubre que contraiu a doença, potencializada pela aguardente de cana-de-açúcar.


Francisco Franco, de 43 anos, com a filha, Cíntia, na enfermaria, 40 minutos antes da cirurgia; novo fígado após contrair hepatite Foto: Odair Leal/Secom

“No verão, formavam aqueles poções de água salobra, empoçada mesmo e eu bebia daquilo muitas vezes. Tomei tomei pinga também. E depois passei a tomar o Interferon. Me lembro de sair doido por aí [por conta do efeito colateral do medicamento]. Aquilo era um inferno”.


“Aí, deixei o Interferon, mas veio a leptospirose, quando quase morri dessa doença do rato com a hepatite. Hoje tô aqui”, conta ele, de aspecto resignado, olhos amarelados, barrigão por acolá – duas características da enfermidade –,  mas sem deixar de lado o sorrisão maior que o mundo.


Equipe médica no trabalho de cirurgia do primeiro transplante de 2020 Foto: Odair Leal/Secom

Há 20 anos, se mudou de Feijó para Rio Branco onde formou família: a filha Cíntia, uma enteada e a mulher, Marlene. Trabalhou como pedreiro nas duas décadas. Hoje, vive da aposentadoria por invalidez, em decorrência do agravo da doença. Essa era a nona vez que Chico tentava o transplante.


Chico no momento em que o médico Leonardo Toledo chega para avaliar sua condição, antes de ser levado para a sala de cirurgia Foto: Odair Leal/Secom

Sempre que há um órgão disponível, dois pacientes ficam de prontidão para a cirurgia, mas o que vai definir quem ‘vai para a faca’ é o grau de gravidade deles, além de outros aspectos, ainda que muito menos relevantes como o tamanho do órgão, por exemplo.


Vinte anos depois, a porta de entrada para a nova vida; paciente no momento em que é levado para a sala de cirurgia Foto: Odair Leal/Secom

Ao som de clássicos como Beethoven, passando por Djavan e Gustavo Lima, as canções da playlist intercalava com o bip do monitor cardíaco, cadenciando uma áurea de tranquilidade e harmonia sentida na sala de cirurgia. “Vamos levar umas seis a sete horas”, prevê Toledo.


A gestão do governador Gladson Cameli optou por prioridade, em 2019, aos transplantes de órgãos na Fundação Hospitalar do Estado do Acre. Desse modo, no primeiro ano de gestão, foram 25 transplantes de fígado, rim e córnea bem-sucedidos . O último procedimento cirúrgico havia sido concluído na madrugada da segunda-feira, 28 de outubro, tendo se reiniciado em 2020, neste domingo, um marco para o governo acreano.



Do lado de fora, a mistura de satisfação e tensão era visível no rosto da filha Cíntia.


“Agora vou pra casa. Tentar dormir e chegar bem cedinho amanhã pra ver ele bem. Vai dar tudo certo, porque estamos orando a Deus. Tenho certeza que vai”, afirma, mãos suadas, enquanto arruma a bolsa para pegar o ônibus coletivo de volta ao Portal da Amazônia.


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